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Desde 2006, o BNDES tornou-se peça chave no modelo de desenvolvimento proposto pelo governo, e desde então o total de empréstimos que ele recebeu do Tesouro pulou de R$ 9,9 bilhões, ou 0,4% do PIB, para R$ 414 bilhões, 8,4% do PIB.
Os empréstimos destinados a financiar atividades de empresas brasileiras no exterior, acredite, eram considerados secretos pelo banco e só foram tornados públicos porque o Ministério Público Federal - MPF pediu na justiça a liberação dessas informações, o que levou o juiz Adverci Mendes de Abreu, da 20.ª Vara Federal de Brasília, em agosto último, a considerar que a divulgação dos dados de operações com empresas privadas “não viola os princípios que garantem o sigilo fiscal e bancário” dos envolvidos. Só a partir daí é que o BNDES foi obrigado a fornecer os dados solicitados por órgãos como o Tribunal de Contas da União - TCU, o Ministério Público Federal - MPF e a Controladoria-Geral da União - CGU, o que deixou a descoberto uma lista com mais de 2.000 empréstimos concedidos pelo banco desde 1998 para construção de usinas, portos, rodovias e aeroportos no exterior.
Argumentam os que defendem o financiamento de empresas brasileiras no exterior que a prática não é exclusiva do Brasil, já que China, Espanha e Estados Unidos, por exemplo, fazem o mesmo. Além disso, sustenta o BNDES que os valores destinados a esse tipo de financiamento correspondem a cerca de 2% do total de empréstimos e são direcionados a empresas brasileiras (empreiteiras em sua maioria), e não a governos estrangeiros. O problema está na seleção dos beneficiários destes investimentos, já que os critérios utilizados pelo banco para escolher os agraciados pelos empréstimos são uma verdadeira caixa-preta, isso sem falar que boa arte das obras financiadas estão em países sem nenhuma expressão para nós em termos de relações comerciais, o que nos leva a supor que a escolha tenha caráter apenas político.
Mas não é só. Os juros dos empréstimos que o banco concede a tais empresas tem percentuais muito abaixo do mercado, o que faz com que a instituição funcione como um Bolsa Família às avessas, já que tira dos pobres para dar aos ricos, emitindo títulos públicos com base na taxa Selic, de 11% ao ano, e emprestando a 6%. Nem é preciso ser um expert em finanças para concluir que ele arca com 5% de todo o dinheiro emprestado. Dos R$ 414 bilhões emprestados este ano, R$ 20,7 bilhões são pagos pelo banco, valor quase idêntico aos R$ 25 bilhões gastos pelo governo no Bolsa Família, que atinge 36 milhões de brasileiros.
Veja alguns exemplos de investimentos que o banco considerou aptos a embolsar a título de investimento, o meu, o seu, o nosso dinheiro.
Porto de Mariel (Cuba)
Valor da obra – US$ 957 milhões (US$ 682 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
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Hidrelétrica de San Francisco (Equador)
Valor da obra – US$ 243 milhões
Empresa responsável – Odebrecht
Hidrelétrica Manduriacu (Equador)
Valor da obra – US$ 124,8 milhões (US$ 90 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
Hidroelétrica de Chaglla (Peru)
Valor da obra – US$ 1,2 bilhões (US$ 320 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
Metrô Cidade do Panamá (Panamá)
Valor da obra – US$ 1 bilhão
Empresa responsável – Odebrecht
Autopista Madden-Colón (Panamá)
Valor da obra – US$ 152,8 milhões
Empresa responsável – Odebrecht
Aqueduto de Chaco (Argentina)
Valor da obra – US$ 180 milhões do BNDES
Empresa responsável – OAS
Soterramento do Ferrocarril Sarmiento (Argentina)
Valor – US$ 1,5 bilhões do BNDES
Empresa responsável – Odebrecht
Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas (Venezuela)
Valor da obra – US$ 732 milhões
Empresa responsável – Odebrecht
Segunda ponte sobre o rio Orinoco (Venezuela)
Valor da obra – US$ 1,2 bilhões (US$ 300 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
Barragem de Moamba Major (Moçambique)
Valor da obra – US$ 460 milhões (US$ 350 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Andrade Gutierrez
Aeroporto de Nacala (Moçambique)
Valor da obra – US$ 200 milhões ($125 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
BRT da capital Maputo (Moçambique)
Valor da obra – US$ 220 milhões (US$ 180 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht
Hidrelétrica de Tumarín (Nicarágua)
Valor da obra – US$ 1,1 bilhão (US$ 343 milhões)
Empresa responsável – Queiroz Galvão
Projeto Hacia el Norte – Rurrenabaque-El-Chorro (Bolívia)
Valor da obra – US$ 199 milhões
Empresa responsável – Queiroz Galvão
Exportação de 127 ônibus (Colômbia)
Valor – US$ 26,8 milhões
Empresa responsável – San Marino
Exportação de 20 aviões (Argentina)
Valor – US$ 595 milhões
Empresa responsável – Embraer
Abastecimento de água da capital peruana – Projeto Bayovar (Peru)
Valor – Não informado
Empresa responsável – Andrade Gutierrez
Renovação da rede de gasodutos em Montevideo (Uruguai)
Valor – Não informado
Empresa responsável – OAS
Via Expressa Luanda/Kifangondo
Valor – Não informado
Empresa responsável – Queiroz Galvão
E não se espante: além destes empréstimos, existem mais de 3000 outros concedidos pelo BNDES no período de 2009 a 2014, cujos dadossão mantidos em sigilo. Pelo menos até agora...
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |