17 maio 2014

Juiz federal entende que umbanda e candomblé não são religiões

Foto: reprodução

Ao negar um pedido do Ministério Público para que o Google retirasse do ar 15 vídeos postados no YouTube e que foram considerados ofensivos à umbanda e ao candomblé, o juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, em decisão datada de 24 de abril último, afirmou que "as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões", porque "não contêm os traços necessários de uma religião" pela ausência de um texto-base (como a Bíblia ou o Corão), uma estrutura hierárquica ou um "um Deus a ser venerado".

A discussão teve início quando alguns vídeos postados no YouTube foram levados ao Ministério Público Federal - MPF, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, pela Associação Nacional de Mídia Afro. Os clipes, atribuídos a grupos evangélicos, afirmam que as religiões de origem africana estariam ligadas ao "mal" e ao "demônio". Um deles garante que "não se pode falar em bruxaria e magia negra sem falar em africano", enquanto um outro associa aquelas religiões ao uso de drogas, à prática de crimes e à existência de doenças, como a AIDS, por exemplo.

Por entender que os vídeos espalham a discriminação, o preconceito e a intolerância contra as religiões de origem africana, o MPF enviou uma recomendação ao Google no Brasil para que eles fossem retirados da internet, o que a empresa se negou a atender, afirmando que o material divulgado "nada mais é do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro" e que os clipes não violam as regras da empresa, o que obrigou o órgão a buscar o Judiciário, que negou o pedido por entender que "os vídeos contidos no Google são manifestações de livre expressão de opinião".

Jaime Mitropoulos, procurador da República, já recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, pois, segundo sua visão,  "o ordenamento jurídico brasileiro estabelece que as relações sociais devem primar pela solidariedade, liberdade de crença e de religião, pelo respeito mútuo, pela consagração da pluralidade e da diversidade. A liberdade de expressar crença religiosa ou convicção não serve de escudo para acobertar violações aos direitos humanos, atacando ou ofendendo pessoa ou grupo de pessoas".

- Realmente, não há uma hierarquia nem um código canônico que oriente as religiões de origem africana, mas isso não faz com que elas não sejam religiões. Além de serem religiões, o candomblé e a umbanda são filosofias de vida e manifestações culturais enraizadas no Brasil - disse Manoel Alves de Souza, presidente da Federação Brasileira de Umbanda.

Particularmente, acho que o juiz, pela equidistância a ser mantida das partes e seus sentimentos, não pode ser preconceituoso, até porque vivemos em uma país laico. Pior, ainda, é quando ele discrimina sem o menor conhecimento acerca do tema sobre o qual a função o obriga a decidir e onde nem o Estado se atreve a intervir.

Sua Excelência não sabe, talvez por não pesquisar a respeito, e o portal Wikipédia está aí para isso, que "o sincretismo religioso no Brasil, ou seja, a mistura de concepções, fundamentos, preceitos, ritualísticas e divindades se processou num quádruplo aspecto: negro, índio, católico e espírita porque outros foram menos dominantes ou de modo superficial e restrito a certas áreas.

O marco inicial surge com a escravatura do índio feita pelos primeiros colonizadores no Brasil. Entretanto, o aborígene pelas suas características de raça, de elemento da terra, conhecedor das matas, espírito guerreiro exaltado, sem qualquer organização com um rudimento de estrutura social, tendo a liberdade como apanágio de toda sua vida, não aceitou o jugo da escravidão. Tinha, contudo, uma crença no espírito e suas religiões. A influência do índio contribuiu para a formação da Umbanda fornecendo elementos da sua mitologia e cultivos, tais quais, a Pajelança, o Toré, o Catimbó, entre outros. Ademais, o caboclo, ancestral do índio que incorporava em suas manifestações, foi consolidado na prática umbandista.

O colonizador, portanto, foi buscar nas terras africanas o elemento negro, o qual oferecia condições mais favoráveis para os misteres da lavoura, já conhecidos nas regiões de origem. Desse modo, houve um circuito branco-índio-negro que contribuiu sobremaneira para o complexo da formação brasileira, nele ressalvando, como uma constante a religiosidade em vários aspectos. Na época das senzalas, os negros escravos costumavam incorporar o que se conhece hoje como pretos-velhos, antigos escravos, que ao se manifestarem, compartilhavam conselhos e consolo aos escravos.

O sincretismo católico, produto da simbiose dos cultos de escravo e escravocratas no Brasil, chegou a tal ponto que se cultiva um orixá com nome e imagem do santo católico, não se podendo diferenciar em certas exteriorizações onde começa um onde termina o outro. São flagrantes os casos de São Jorge, Ogum, Nosso Senhor do Bonfim, Oxalá, São Cosme e São Damião, Ibeji, e Santa Bárbara, Iansã. Não raro, muitos chefes de terreiro mandam rezar missas e se declaram também católicos, além de haver um grande número de praticantes que frequentam as duas religiões. Houve, portanto, uma consolidação do santo católico, admitido já sob o aspecto de espírito superior, de guia-chefe ou como orixá, enquanto os candomblés procuraram mais se distanciar do sincretismo e não aceitar as imagens."

Como se pode ver, a coisa não é tão simples, nem pode ser resolvida em face da existência ou não de textos-base, estruturas hierárquicas ou um "um Deus a ser venerado", como pensa o magistrado. E você, tem uma opinião sobre o assunto? Deixe um comentário.






Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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