13 abril 2011

Plebiscito: perda de tempo e dinheiro

A cada dia que passa, menos entendo os políticos. Quando uma ação é necessária, eles se omitem, e quando suas presenças são perfeitamente dispensáveis, eles querem aparecer, tentar uma carona no bonde da história.

José Sarney (PMDB-AP), por exemplo, um dos políticos mais omissos do país, conhecido apenas em razão da verdadeira baderna administrativa que impera no Senado, instituição por ele dirigida, e pelos escândalos de corrupção em que se envolveu junto com a família, anunciou nesta terça-feira (12/04) a apresentação de um projeto de decreto legislativo convocando para o primeiro domingo de outubro deste ano um novo plebiscito nacional sobre o desarmamento no país. A proposta foi apresentada durante reunião de líderes partidários no gabinete da presidência do Senado, e se for aprovada, a população deverá responder à seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”.


- Acho que devemos tomar uma iniciativa nesse sentido. Vou tratar disso na próxima reunião com os líderes dos partidos no Senado para ver se temos condição de votar imediatamente uma lei modificando o que foi decidido no plebiscito e fazendo outro plebiscito - afirmou Sarney.

Apenas para relembrar, em outubro de 2005, a partir de um plebiscito, a sociedade brasileira decidiu manter a compra de armas e de munição por 63,94% contra 36,06% dos votos válidos. A justificativa para a nova consulta popular, segundo o projeto, seria o significativo crescimento da venda de armas no país a partir daquele ano.

A decisão de Sarney é flagrantemente oportunista, já que aproveita o momento de comoção que o país atravessa com a tragédia ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro – RJ, onde Wellington Menezes de Oliveira, um desequilibrado mental, promoveu um massacre, matando 12 crianças, ferindo outras 22 e dando cabo da própria vida, o que fez emergir um justificado sentimento de indignação contra a banalização do porte de armas de fogo.

É claro que alguma coisa precisa ser feita, que o fato reclama pela tomada de medidas imediatas e concretas, mas não podemos cair em armadilhas que nos desviem do tema que realmente precisa ser discutido. A questão da venda de armas é fava contada, já foi analisada e aprovada pela população brasileira no plebiscito a que nos referimos. Voltar a essa discussão seria puro casuísmo, mesmo que se tenha uma tragédia como pano de fundo. A legislação não pode ficar ao sabor do cotidiano, principalmente em relação a um assunto já discutido.

Além do mais, a proibição do comércio de armas é apenas um capítulo de lei orgânica mais abrangente, o Estatuto do Desarmamento, que está em vigor e já traz uma série de normas que, se fossem cumpridas, funcionariam como meio eficaz de inibição na guerra contra as armas ilegais. Só é preciso fiscalizar e fazer cumprir a lei, o que as autoridades “competentes” brasileiras nunca fizeram. Esse é o verdadeiro problema. É por isso que, e os dados são do próprio governo federal, 16 milhões de armas de fogo estão circulando pelo país, pondo em xeque a minha, a sua, a segurança de toda a nação.

Levantamento recente da CPI das Armas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro constatou que, das 10.549 armas rastreadas e apreendidas com criminosos entre 1998 e 2003, 68% haviam sido vendidas legalmente por oito lojas da Região Metropolitana. Ainda segundo a CPI fluminense, cerca de 581 mil armas circulam irregularmente no Estado. Em Pernambuco, a polícia descobriu recentemente que uma única casa comercial abastecia o crime organizado de todo o Nordeste. O telejornal Bom Dia Brasil de ontem (12/04) revelou que, “ao todo, 95 pessoas morrem por dia no Brasil vítimas de arma de fogo”. Logo, 2.850 pessoas perdem a vida a cada mês nas cidades brasileiras. Nem os conflitos armados hoje em andamento no mundo matam mais que no Brasil, o que é uma vergonha.

A facilidade com que se obtém uma arma no país, via de regra, não é culpa das lojas legalmente estabelecidas e passíveis de controle, mas da inexistência de uma política de segurança decente, que assegure o respeito às limitações previstas no Estatuto do Desarmamento. Repetimos: o que falta é cumprir a lei!

As Forças Armadas, diz a Constituição Federal, são responsáveis pela segurança nacional, tema que o Aulete Digital, que é quem sempre me socorre nos momentos de dúvida, assim define:


Segurança nacional

1. Conceito, política e medidas de garantir a integridade das instituições políticas e sociais do Estado e da sociedade;

2. O conjunto de instituições que zela por essa integridade, pela soberania do Estado, pela ordem vigente e suas leis.


Será que a segurança nacional não está em risco com 16 milhões de armas em circulação? Por que nossas forças militares não estão nas ruas, lógico, numa ação combinada com os demais órgãos de segurança? Por que a Polícia Federal não cumpre o seu dever constitucional de fiscalizar a venda de armas no comércio legal e rastreá-las quando cruzam o limite da legalidade para reforçar o arsenal do banditismo?

Um novo plebiscito é perda de tempo e desperdício de dinheiro público, além, é claro, de uma nova oportunidade para o desfile das baboseiras políticas de que já estamos fartos. Mais grave que isso, a medida só faz demonstrar a distância existente entre Brasília e o Brasil real, que já tem a lei capaz de resolver o problema, só precisa aplicá-la de forma correta e dura. Disse bem o senador Demóstenes Torres (DEM-GO):

- O Congresso está pegando carona na onda errada. Tem que desarmar os bandidos e não os cidadãos de bem.

Essa é também a minha opinião. É necessário que se cumpra o Estatuto e que a Campanha do Desarmamento seja permanente. Este é o caminho para conter a banalização do porte e uso de armas no país, e tentar reduzir as chances de que a sociedade brasileira, e porque não dizer, o mundo, venham a chorar novamente, não só por tragédias como a de Realengo, mas pelas vidas ceifadas estupidamente a todo momento em cada canto desse Brasil tão maravilhoso.



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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