Foto: Dando Pitacos |
Marreiros distribuiu uma ação indenzatória por danos morais, cumulada com um pedido de antecipação dos efeitos da tutela (processo nº 0054227-84.2004.8.19.0004), visando compelir os funcionários do condomínio do edifício e sua síndica, réus na ação, a lhe darem tratamento formal, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 100, requerimento indeferido pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo - RJ, que não vislumbrou o periculum in mora e o fumus boni iuris, pressupostos básicos para a concessão da medida liminar, que no entanto, acabou sendo deferida pelo desembargador Gilberto Dutra Moreira, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro-TJRJ, que ainda criticou o magistrado de Primeiro Grau por ter nagado o pedido de Marreiros, classificando sua decisão de “teratológica".
“Tratando-se de magistrado, cuja preservação da dignidade e do decoro da função que exerce, e antes de ser direito do agravante, mas um dever e, verificando-se dos autos que o mesmo vem sofrendo, não somente em enorme desrespeito por parte de empregados subalternos do condomínio onde reside, mas também verdadeiros desacatos, mostra-se, data vênia, teratológica a decisão do juízo a quo ao indeferir a antecipação de tutela pretendida”, escreveu o desembargador, decisão criticada por Octávio Augusto Brandão Gomes, então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio de Janeiro, para quem "todos nós somos seres humanos” e ninguém "é melhor do que o outro só porque ostenta um título, independente de ter o primeiro ou segundo grau completo ou curso superior". Mesmo assim, a decisão foi confirmada por maioria de votos (2 a 1) e a liminar requerida por Marreiros mantida.
Por uma questão de competência, porém, os autos da ação ajuizada pelo magistrado contra o condomínio e sua síndica foram encaminhados ao Juízo de Direito da 9ª Vara Cível de Niterói - RJ, onde sua pretensão foi julgada improcedente pelo juiz Alexandre Eduardo Scisinio, que entendeu não competir ao Judiciário decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero. Ainda de acordo com Scisinio, “doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Por isso mesmo, o título é dado apenas às pessoas que cumprem tal exigência e só deve ser utilizado no meio universitário, ressaltando, ainda, que o tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, não na relação social, onde não há “ritual litúrgico” a ser obedecido.
Inconformado, e por entender os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade previstos na Constituição Federal foram violados, Marreiros interpôs um Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal - STF, que como eu disse no início, agora se prepara para o julgamento.
Independentemente do resultado do recurso, que não vai mudar minha opinião, acho ridícula a postura adotada pelo juiz, e, diga-se de passagem, também por alguns colegas advogados, que fazem questão do tratamento cerimonioso e formal, ainda que fora do ambiente de trabalho. A expressão "doutor" não se incorpora ao nome de ninguém, mesmo após uma colação de grau, e só deve ser observada, até por uma questão de respeito, nas relações profissionais, o que não foi o caso do juiz e do funcionário do condomínio. Aliás, numa justiça abarrotada de processos como a nossa, tais banalidades sequer deveriam ser aceitas. Que coisa feia, Excelência!
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |