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Como país que se orgulha de sua miscigenação, o Brasil precisa afastar de seus estádios e arenas esportivas a sombra da intolerância racial. A jovem torcedora do Grêmio flagrada pelas câmeras de transmissão de TV chamando o goleiro Aranha de "macaco" na partida contra o Santos na noite de quinta-feira (29/08), em Porto Alegre, é apenas uma das infames ocorrências racistas que se repetem Brasil afora sem que as autoridades percebam que estão diante de um fenômeno que já se tornou um grave problema na Europa.
- Ele disse que os torcedores gritaram palavras como "macaco", "negro sujo", "bando de negros". Foram várias pessoas, não só aquela menina que aparece nas imagens da TV - explicou o delegado titular da 4ª Delegacia de Polícia da capital, responsável pelo caso.
Depois do episódio, imagens da torcedora começaram a circular pela Internet. Criticada por sua atitude, a mulher excluiu os perfis que mantinha em sites como Facebook e Instagram. Além disso, ela foi afastada do trabalho no Centro Médico e Odontológico da Brigada Militar onde prestava serviços como auxiliar de odontologia através de de uma empresa terceirizada. A dispensa teria sido ordenada pela própria direção do centro médico, que segundo a Brigada Militar, repudia qualquer ato de violência e discriminação.
Mas o problema não se resume ao rosto de uma jovem ou a um Estado da Federação. Só neste ano, diversas foram as manifestações de intolerância: no dia 22 de fevereiro, no jogo entre Pelotas e São Paulo-RS, pelo campeonato gaúcho, um torcedor do Pelotas ofendeu o goleiro Lúcio, do São Paulo-RS. Ele foi identificado e levado para uma delegacia policial, mas o clube não sofreu qualquer punição. Em 02 de março, quando América-RN e Alecrim se enfrentaram pelo Campeonato Potiguar, o goleiro Dida, do América-RN, foi chamado de macaco por torcedores do Alecrim. Não sem tem notícia acerca de punições ao torcedor, mas o clube foi multado em R$ 20 mil e perdeu o mando de campo por dois jogos. Três dia depois, em 05 de março, o árbitro do jogo Esportivo e Veranópolis, Marcio Chagas da Silva, foi xingado e teve o seu carro coberto por bananas no estacionamento do clube. O Esportivo perdeu nove pontos na tabela da competição e acabou rebaixado no campeonato. No dia seguinte, 06 de março, o jogador Arouca, também do Santos, foi chamado de macaco por torcedores do Mogi-Mirim, clube do interior paulista, que foi multado em R$ 50 mil. O próprio Grêmio, no dia 30 de março, foi multado em R$ 80 mil em razão de ofensas dirigidas por seus torcedores ao zagueiro Paulão, do Internacional, em jogo realizado na arena gremista. No dia 10 de abril, Marino, jogador do São Bernardo-SP, foi ofendido por torcedores quando seu clube enfrentou o Paraná-PR. O caso foi registrado na polícia, mas ninguém foi punido.
E que ninguém se engane. A coisa não está restrita aos campos de futebol. Na manhã da última sexta-feira (29/08), a jovem negra Maria das Dores Martins, de 20 anos, esteve no programa Encontro com Fátima Bernardes e falou sobre os comentários preconceituosos que ela e o namorado Leandro, de 18 anos, sofreram no Facebook.
- Eu não entendo, até porque aquela foto já estava há muito tempo no meu perfil e de repente começaram os comentários. Chorei muito, mas eu recebi bastante apoio do meu namorado e da minha família - desabafou a moça.
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O caso está sob investigação da polícia de Muriaé-MG, que informou já ter identificado alguns dos suspeitos de ofender o casal, cujas idades variam entre os 15 e os 20 anos. Nenhum deles tem qualquer relação com Maria das Dores. Além disso, alguns dos perfis por eles utilizados são falsos. A jovem registrou a ocorrência na última terça-feira (26) e relatou aos policiais que tomou conhecimento do fato no dia 17 de agosto. A polícia trata o caso como injúria racial.
Ela contou que chegou a desativar seu perfil no Facebook, mas voltou atrás para permitir o prosseguimento da investigação policial.
- Logo que isso aconteceu, meu namorado fechou todas as fotos. Eu desativei minha conta, mas agora está ativado porque o delegado pediu. Tem quase mil comentários. Alguns de apoio, mas a maioria racista - disse ela à apresentadora.
A imagem que gerou os ataques racistas foi publicada em modo público, o que permite o acesso e comentários de qualquer internauta da rede. Entre as mensagens postadas estavam frases como: "Onde comprou essa escrava?", "Seu dono?", “Me vende ela”, “Parece que estão na senzala” e "Eu acho que você roubou o branco pra tirar foto". E o pior de tudo. Uma delas recebeu a "aprovação" de 24 pessoas. Para um país que se diz livre do racismo...
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |