Não sou um especialista em barzinhos, muito menos nos barzinhos da Lapa, mas não é difícil encontrar dados e informações sobre esse cantinho do Rio venerado pelos cariocas. A Lapa antiga, a Lapa luminosa, múltipla, sonora e boêmia, que artistas e intelectuais chegaram a chamar Montmartre brasileira, perdeu-se no ontem. Ela pode não ter sido uma Montmartre, mas lá conviveram lado a lado os cabarés e o hotéis freqüentado por políticos, as pensões de mulheres e a igreja, as farmácias que vendiam estímulos proibidos e os restaurantes que serviam os melhores bifes. Mundo onde o talento de Portinari, Manuel Bandeira, Villa-Lobos e Di Cavalcanti podia esbarrar em qualquer esquina com a valentia de Meia-Noite, Miguelzinho, Camisa Preta e Edgar, malandros históricos; Madame Satã, contraditória mistura de macheza valente com sensibilidade homossexual, ou mulheres famosas como Marina, Lívia e Boneca ou anônimas como as polacas, as espanholas, as francesas, muitas vindas do interior de Minas.
Não é fácil manter-se atualizado com as informações sobre a Lapa, afinal, ela nunca foi tão globalizada como nos dias de hoje. Por não dormir nunca, a Lapa e seu entorno dos Arcos, é cada vez mais disputado por empresários do setor de entretenimento, que de certa forma, colaboram para fazer da com que a Lapa retome e amplie a sua vocação de reduto da boemia carioca.
A Lapa é o coração noturno do Rio, onde se encontram, sentimental e democraticamente, os que vêm da zona sul com os que vêm da zona norte. Todos nós, cariocas, amamos a Lapa, somos a Lapa, com seus contrastes, lugar especial que o espírito do Rio sobrevoa, livre, leve, solto, bem-humorado, sentindo-se bem nessa zona livre de todas as censuras.
A nova Lapa surge de escombros e sombras, cantando e dançando sob os Arcos, saudando a vida teimosa das crianças sujas, crias de suas sarjetas ou pranteando adeuses a seus boêmios santificados, dos quais ainda ouvimos acordes dispersos entre uma e outra esquinas. A Lapa dos sobrados ressucitados e dos shows que num bom e velho linguajar lapiano, repipocam em cada esquina, dos alaridos e troados de potentes aparelhos sonoros que enviam notícias ao vento em modernos sons de tambores, de trambiques, alambiques, pileques e dos moleques de sempre, das casas de arrumação, dos pardieiros multicores, dos porões mofados e dos sobrados encarquilhados, dos bares, dos "podrões" enfumaçados, sabe-se lá recheados com as mil e uma bactérias existentes, para os bêbados estômagos resistentes. Nessa Lapa, calcula-se a grosso modo, circulam em noites de movimento cerca de dez mil pessoas, entre as quais se podem ver playboys, hippies, a galera do reggae, do forró, alternativos, travestis, gente mais velha e gente jovem, todos convivendo em paz.
Hoje, nomes como Zeca Pagodinho, que chegou a trabalhar como contínuo na Rua da Lapa, podem ser vistos dando canjas em casas de shows ao lado de seus músicos. Já passaram por lá também: Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho e Nelson Sargento, sem falar na cantora Teresa Cristina e o Grupo Semente, que encantou com sua voz, muitos cariocas no antigo Bar Semente precursor da revitalização do local.
Até bem pouco tempo, uma noite na Lapa era uma noite no samba. Hoje o cenário está mudando. O samba ainda é maioria, mas outros palcos estão surgindo, com outros perfis, inclusive o jazz. Um bom exemplo disso é o Lapinha, aberto em março último em cima do Belmonte, na esquina das Ruas Mem de Sá com Lavradio. A intenção dos donos foi variar o cardápio musical do bairro, por isso por lá já passaram Nei Lopes e Leny Andrade, escolhidos para o primeiro show. Depois deles vieram Joyce, Hélio Delmiro e Carlos Malta e Pife Muderno. Ontem (21/05) foi dia de Fátima Guedes.
Descendo a Rua do Lavradio, a gente chega ao Santo Scenarium, que você não pode confundir com o Rio Scenarium, dos mesmos sócios, onde o samba rola solto. Decorado com imagens religiosas adquiridas em leilões, o Santo Scenarium só toca música instrumental e jazz.
Como já deu pra sentir, os lugares onde você pode passar algumas horas curtindo música alegre, boa companhia e jogando conversa fora, são muitos. Anime-se! Venha para a Lapa!
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |
Belo roteiro "barístico" do Rio.
ResponderExcluirQuando for com tempo, considerarei este texto como obrigatório conhecer.
Um forte abraço!
Olá,
ResponderExcluirAcho que só fui passear na Lapa à noite uma vez, num encontro com um grupo de amigos. Pra mim o maior obstáculo infelizmente é a violência urbana, o perigo da volta pra casa pela linha vermelha. Mas ouço falar que é um ótimo lugar pra se divertir.
bjs
Excelente matéria! Adoro a Lapa. Eu costumo dizer que a Lapa "cheira" a liberdade, livertinagem, alegria... Defino-a como "feita por todos, feita para quem quiser". Sempre dou uma chegadinha por lá.
ResponderExcluirAbração, campeão.
Ótimo domingo.
A Lapa é minha velha conhecida. Tenho até alguns posts citando as peculiaridades do lugar.
ResponderExcluirMuito bacana.
Abraços.
Lapa é dos boêmios.
ResponderExcluirA Lapa, como dito no texto, é um lugar excepcional pra gente jogar fora uma conversa e tomar um chopp bem gelado.
ResponderExcluirVocê está certo, Carlos: ninguém é de ferro!
Roberto...eu amei conhecer a Lapa!
ResponderExcluirPor incrível que pareça nas três vezes que estive antes de ir lá, não queria nem saber desse lugar. Imagina ser um local perigoso e mal frequentado.
Mas um dia uma amiga que havia encontrado no Rio me disse:
- hoje tu vais comigo na Lapa! tem o lançamento do CD de uma amiga.
Fui e quando cheguei lá fiquei encantada!!
Fomos no Carioca da Gema...uma comida excelente...a música daquela cantora (Lurdes me parece) era divina... e aquelas ruas na madrugada repletas de jovens e a bebida correndo alegremente por lá me fez sentir remorso de ter pensado que a Lapa seria um lugar desprezível.
Esse ano voltarei ao Rio e, com certeza, a Lapa estará no meu roteiro.
Um beijo carinhoso,
Maria Marçal - Porto Alegre - RS