07 julho 2012

Legalidade e moral: o paradoxo brasileiro

A frase “le Brésil n’est pas um pays sérieux” ("o Brasil não é um país sério"), atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle, e que acabou caindo no gosto popular do próprio brasileiro, parece feita sob medida para algumas situações do nosso cotidiano, principalmente no campo da política e da administração pública. Querem um exemplo disso?

Por conta da meteórica e incompatível evolução patrimonial, fruto da prestação de serviços de consultoria financeira, Antonio Palocci foi obrigado a deixar a Casa Civil, o que fez através de uma carta entregue à presidente Dilma Rousseff no dia 07 de junho de 2011.

A partir daí, fica imaginando o imbecil cidadão que paga os impostos mais caros do mundo, ele deve ter deixado de receber quaisquer rendimentos, benefícios ou vantagens dos cofres da União, certo? Não, completa e absolutamente errado! Quer saber por quê? Então preste atenção!

Você já ouviu falar do Decreto nº 4.187, de 08 de abril de 2002, editado para regulamentar os artigos 6º e 7º, da Medida Provisória nº 2.225-45, de 4 de setembro de 2001, que dispõem sobre o impedimento de autoridades exercerem atividades ou prestarem serviços após a exoneração do cargo que ocupavam e sobre a remuneração compensatória a elas devida pela União? Não? Pois fique sabendo que ele dá aos ex-ministros de Estado o direito de receber a remuneração equivalente ao período de impedimento, que é de quatro meses, contados da exoneração.

Ele é genérico e não faz distinção, no caso específico dos ministros de Estado, entre os dispensados porque seu concurso não mais interessa ao governo federal e os "convidados a sair" em razão da prática de algum "mal feito" (expressão criada pelo Planalto para mascarar atos de corrupção). Logo, honestos e corruptos têm o mesmo direito à remuneração do chamado período de "quarentena", mais ou menos o que acontece com o magistrado aposentado compulsoriamente em razão do descumprimento dos deveres inerentes à judicatura. A única diferença é que a grana da "quarentena" tem prazo fixo, quatro meses, e a que resulta da aposentadoria compulsória cai na conta bancária do juiz infrator até a sua morte.

Mas o pior de tudo no caso Palocci, é que a mesma Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que o puniu com duas censuras, uma em novembro de 2011, por que ele alugou um apartamento registrado em nome de uma empresa controlada por um laranja, e outra em maio deste ano, pela prestação de consultorias entre 2006 e 2010, agora dê parecer favorável ao pedido feito por ele para receber a verba do chamado período de "quarentena". Em outras palavras, depois de sair pela porta dos fundos do ministério que ocupava, o cara ainda vai embolsar nada menos que R$ 107 mil, valor equivalente a quatro meses de salário de um ministro, fixado atualmente em R$ 26,7 mil mensais. E dinheiro do contribuinte. É imoral? Sim! Mas é legal!

Enquanto isso e apesar da crise que reduziu o crescimento econômico e impede, por exemplo, que o salário mínimo nacional alcance um valor condizente com as necessidades do cidadão trabalhador, o Brasil elegerá em outubro próximo 5.070 vereadores a mais que no pleito de 2008. Ao todo, serão eleitos 56.818 vereadores, quase 10% a mais do que os 51.748 de quatro anos atrás. Os dados são da Confederação Nacional dos Municípios - CNM, que está assustada com o aumento de despesas. Há cerca de um mês, quando a CNM divulgou seu levantamento anterior, já haviam 3.672 novas cadeiras nas câmaras municipais, o que significa que em apenas 30 dias foram contabilizadas mais 1.398 cadeiras.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as cidades que mais aumentaram o número de vereadores (de 12 para 21) foram Nova Friburgo e Teresópolis, justamente as mais afetadas pelas chuvas de 2011 e onde ainda existem comunidades abandonadas à própria sorte pelo Poder Público. Isso também é imoral, mas feito dentro da legalidade, a mesma legalidade que agora premia o trapalhão Antonio PalocciDe Gaulle tinha ou não tinha razão?



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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