06 janeiro 2010

"O JUDICIÁRIO TERIA DE SER REINVENTADO"



A frase que serve de título para esta postagem foi dita por JOAQUIM BARBOSA, ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, em entrevista à jornalista CAROLINA BRÍGIDO, da editoria "O PAÍS", do jornal "O GLOBO" (03/01/2010).

Eis a íntegra da matéria (só para assinantes):



“O Judiciário teria de ser reinventado”
Ministro do STF diz que juízes têm responsabilidade pelo aumento da corrupção


O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), há dois anos ganhou notoriedade por relatar o processo do mensalão do PT e do governo Lula. Em 2009, convenceu os colegas a abrir processo contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) para apurar se ele teve participação no mensalão do PSDB mineiro. Em entrevista ao GLOBO, Joaquim não quis comentar o mensalão do DEM, que estourou recentemente no governo de José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Mas deixou clara sua descrença na política e sua dificuldade para escolher bons candidatos quando vai votar. E o ministro, de 55 anos, não poupou nem os tribunais: “O Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país”.


O GLOBO: Por que aparecem a cada dia mais escândalos envolvendo políticos? A corrupção aumentou ou as investigações estão mais eficientes?

JOAQUIM BARBOSA: Há sim mais investigação, mais transparência na revelação dos atos de corrupção. Hoje é muito difícil que atos de corrupção permaneçam escondidos.


O senhor é descrente da política?

JOAQUIM: Tal como é praticada no Brasil, sim. Porque a impunidade é hoje problema crucial do país. A impunidade no Brasil é planejada, é deliberada. As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz.


A quais instituições o senhor se se refere?

JOAQUIM: Falo especialmente dos órgãos cuja ação seria mais competente em termos de combate à corrupção, especialmente do Judiciário. A Polícia e o Ministério Público, não obstante as suas manifestas deficiências e os seus erros e defeitos pontuais, cumprem razoavelmente o seu papel. Porém, o Poder Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país. A generalizada sensação de impunidade verificada hoje no Brasil decorre em grande parte de fatores estruturais, mas é também reforçada pela atuação do Poder Judiciário, das suas práticas arcaicas, das suas interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com os atos de corrupção e, sobretudo, com a sua falta de transparência no processo de tomada de decisões. Para ser minimamente eficaz, o Poder Judiciário brasileiro precisaria ser reinventado.


Qual a opinião do senhor sobre os movimentos sociais no Brasil?

JOAQUIM: Temos um problema cultural sério: a passividade com que a sociedade assiste a práticas chocantes de corrupção. Há tendência a carnavalizar e banalizar práticas que deveriam provocar reação furiosa na população. Infelizmente, no Brasil, às vezes, assistimos à trivialização dessas práticas através de brincadeiras, chacotas, piadas. Tudo isso vem confortar a situação dos corruptos. Basta comparar a reação da sociedade brasileira em relação a certas práticas políticas com a reação em outros países da America Latina. É muito diferente.


Como deviam protestar?

JOAQUIM: Elas deviam externar mais sua indignação.


É comum vermos protestos de estudantes diante de escândalos.
JOAQUIM: O papel dos estudantes é muito importante. Mas, paradoxalmente, quando essa indignação vem apenas de estudantes, há uma tendência generalizada de minimizar a importância dessas manifestações.


A elite pensante do país deveria se engajar mais?

JOAQUIM: Sim. Ela deveria abandonar a clivagem ideológica e partidária que guia suas manifestações. O próximo ano é de eleições. Que conselho daria ao eleitor? JOAQUIM: Que pense bem, que examine o currículo, o passado, as ações das pessoas em quem vão votar.


Quando o senhor vota, sente dificuldade de escolher candidatos?

JOAQUIM: Em alguns casos, tenho dificuldade. Sou eleitor no Rio de Janeiro. Para deputado federal, não tenho dificuldade, voto há muito tempo no mesmo candidato. Para governador, para prefeito, me sinto às vezes numa saia justa. O leque dos candidatos que se apresenta não preenche os requisitos necessários, na minha opinião. Não raro isso me acontece. Não falo sobre a eleição do ano que vem, porque ainda não conheço os candidatos".


Na verdade, o ministro JOAQUIM BARBOSA disse o óbvio, aquilo que todos nós estamos cansados de saber, mas nada fazemos em razão de "um problema cultural sério: a passividade com que a sociedade brasileira assiste a práticas chocantes de corrupção", segundo o próprio entrevistado.


Acho que JOAQUIM BARBOSA tem razão, além de coragem! O problema do Judiciário está na sua estrutura arcaica e viciada, que jamais fez valer o mandamento constitucional de justiça igual para todos. Na justiça do Brasil, ninguém se iluda, quem tem dinheiro e obviamente grandes advogados, "empurra" um processo por anos, tamanha a quantidade de recursos. Um processo indenizatório comum contra uma grande empresa (privada ou estatal) nunca se resolve em menos de 07 (sete) ou 08 (oito) anos. No Superior Tribunal de Justiça - STJ, por exemplo, um feito pode "adormecer" por cerca de 05 (cinco) anos, sem um motivo plausível, até porque nada justifica tamanha demora.

Essa lentidão só interessa a quem infringe a lei, nunca ao cidadão que vive de acordo com as regras por ela ditadas. O legislador brasileiro atua em causa própria. Cria hoje o dispositivo legal que o vai proteger amanhã, que vai garantir sua impunidade! E a impunidade no Brasil, como sabiamente afirmou JOAQUIM BARBOSA,
"é planejada, é deliberada" e "as instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz". As regras processuais vigentes aí estão para criar dificuldades e vender facilidades, obviamente para quem tem muito dinheiro, e isso não é democracia, mas puro elitismo e preconceito nojento!

Além disso, a justiça brasileira também trabalha pouco!

Um juiz tem direito a 60 (sessenta) dias de férias e ainda se beneficia do recesso forense, de 15 (quinze) dias, aproximadamente, e da verdadeira festa dos feriados nacionais, estaduais e municipais, que chegam a mais ou menos 20 (vinte) dias por ano.

Seria leviano da minha parte generalizar, mesmo achando que é tudo a mesma coisa, mas não posso falar do sistema vigente em outros Estados. No Rio de Janeiro, nas comarcas da Baixada Fluminense, onde exerço a advocacia há mais de 20 (vinte) anos, a maior parte dos juízes (eu não disse todos!) trabalha apenas 03 (três) dias na semana: terças, quartas e quintas-feiras. Multiplicando-se os 03 (três) dias trabalhados pelas 52 (cinquenta e duas) semanas do ano, imagina-se que a parcela dos magistrados fluminenses sob referência trabalha 156 (cento e cinquenta e seis) dias por ano, o que não é verdade, pois se deduzirmos desse número as férias, o recesso forense e os feriados, que chegam perto de 95 (noventa e cinco) dias, vamos descobrir que eles, na verdade, laboram por impressionantes e cansativos 60 (sessenta) a 65 (sessenta e cinco) dias por ano!

Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que "não entende porque criminosos ricos não vão para a cadeia" ou "que não sabe porque a justiça brasileira é tão lenta"?

JOAQUIM BARBOSA tem razão:


“O Judiciário teria de ser reinventado"...

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

Cadastre seu e-mail e receba nossas postagens

Blog Widget by LinkWithin

4 comentários:

  1. Que vidinha maomenos, hein! É por isso que a corrupção tomou conta de tudo!

    ResponderExcluir
  2. Admiro a coragem do ministro Joaquim Barbosa, e lamento descobrir mais uma das razões da ineficácia do aparelho judiciário: os caras não trabalham! É uma vergonha, paga com o dinheiro do cidadão.

    ResponderExcluir
  3. Como está dito na postagem, o país inteiro sabe das mazelas dos nossos 3 poderes, entre os quais está o Judiciário. Parabéns ao ministro Joaquim Barbosa pela abordagem corajosa de um tema tão delicado. Patabéns ao blog pela segunda parte do texto.

    É difícil acreditar, mas refiz a conta e também chguei aos 61 dias trabalhados pelos juízes cariocas que enforcam as segundas e sextas-feiras, prática que também é utilizada por serventuários, que criaram uma tabela de folgas nesses dias em que estão, digamos, sem fiscalização, se é que alguém ficaliza alguém no Poder Judiciário!

    É uma vergonha! São cidadãos acima da lei! Acima do bem e do mal! E o pior: PAGOS COM O NOSSO DINHEIRO!

    ResponderExcluir
  4. Também parabenizo o ministro Joaquim Barbosa, principalmente na parte da entrevista em que ele diz que "a impunidade no Brasil é planejada, é deliberada. As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz".

    Um exemplo? Basta ler o trecho da reportagem abaixo que está na época dessa semana:

    "A lei seca, da forma como foi escrita, possibilitou interpretações diversas. Por exemplo, a lei prevê que a medição do grau alcoólico do sangue do condutor seja feita apenas por meio de exame de sangue. Um decreto posterior permite que o bafômetro seja usado para isso. Nem todos os juízes consideram o texto do decreto. Em São Paulo, “tem uma corrente no Tribunal que acha que o exame por bafômetro não caracteriza alcoolemia (quantidade de álcool no sangue). Os juízes só aceitam exame de sangue e absolvem até mesmo os condutores que sopram no bafômetro e ultrapassam o limite de alcoolemia previsto em lei”, afirma o advogado especializado em Direito Penal Aldo Costa.

    Há outra questão que envolve o bafômetro e a Justiça – e pode estar livrando muita gente que dirigiu embriagada da culpa. O Superior Tribunal Federal (STF) se pronunciou dizendo que se não for feito o teste do bafômetro, a pessoa não poderá ser condenada, afirma Costa. Antigamente, o condutor era punido se dirigisse sob efeito de álcool e um exame de sangue indicasse essa condição. O bafômetro não era mencionado na lei. Com a lei seca, quem foi julgado no passado pode pedir uma revisão do processo e se livrar da punição. “A nova legislação é mais benéfica e a Justiça diz que se uma lei mais nova beneficia mais pessoas, ela pode ser usada para recorrer em ações do passado”, diz o especialista. Ou seja: um sujeito que foi condenado por dirigir embriagado antes do advento da lei seca, e à época não usou o bafômetro, pode ter sua condenação anulada. A nova lei retroage em benefício do culpado.

    E se o condutor se nega a fazer o teste? O STF diz que não se pode condená-lo. “Há casos absurdos”, diz o advogado Aldo Costa. Segundo ele, há episódios em que o sujeito está caindo, nitidamente embriagado, mas não faz o teste do bafômetro. Mesmo assim, na delegacia, os policiais fazem a ocorrência, ainda que não tenham a prova necessária para caracterizar o crime. Isso vai para a Justiça e, quando chega lá, costuma dar em nada. A pessoa é absolvida. “Os próprios condutores escolhem se serão processados ao decidir soprar ou não no bafômetro. O objetivo dessa lei é acabar com a impunidade, mas está acontecendo exatamente o contrário”, afirma Costa. Segundo uma pesquisa feita pelo advogado nos tribunais estaduais do país, em 80% dos casos em que o condutor não sopra bafômetro, ele é absolvido em segunda instância. Todos os custos que envolvem desde a blitz policial à absolvição são arcados pelo Estado: bafômetro, força policial nas blitz, boletim de ocorrência, processos judiciais, custos de processo, juiz, promotor... e a grande maioria dos casos é arquivada".

    Como disse o ministro, ainda que em outras palavras, tudo é preparado no interesse do infrator, até mesmo a lei.

    ResponderExcluir

A existência de qualquer blog depende da qualidade do seu conteúdo, e mais do que nunca, do estímulo de seus leitores. Por isso, não saia sem deixar seu comentário!