07 junho 2010

Um espião em seu computador


O texto que você vai ler logo abaixo estampa reportagem assinada por Bruno Ferrari e Camila Guimarães, da revista ÉPOCA (nº 629 - 7 junho 2010), e traz um assunto que interessa a todos os usuários do Velox, serviço oferecido aos internautas do Rio de Janeiro pela operadora Oi. Trata-se de um programa que rastreia tudo o que fazemos na internet, e, por isso mesmo, é uma ameaça à privacidade de todos.


O formato original do texto da reportagem foi mantida para garantia dos dados técnicos e ilustrações que ela traz. Leia com bastante atenção:


"Existe um programa de computador que registra tudo o que você faz na internet. Acionado, ele sabe que você entrou no Orkut, digitou o nome de uma ex-namorada no campo de busca, depois visitou o perfil dos amigos dela. Também viu que entrou num site de vendas e procurou uma nova torradeira. Anotou as opções que você comparou. Acompanhou sua visita ao site do banco para consultar o saldo. Seguiu seus passos no site de e-mail enquanto você abria cada mensagem. Viu que você entrou no Facebook. E quando você clicou num vídeo divertido que alguém recomendou. Esse programa anota quanto tempo você gastou em cada uma dessas atividades. E transmite toda essa informação a uma empresa que analisa seu comportamento e o classifica de acordo com algum rótulo. Soa amedrontador? Pois é real. Esse tipo de invasão de privacidade ameaça os internautas brasileiros.

A sequência acima, de rastreamento da navegação na internet, descreve o serviço oferecido pela empresa inglesa Phorm. Ela está chegando ao Brasil. Seu principal cliente aqui é o provedor de internet Velox, serviço oferecido no Rio de Janeiro pela operadora de telecomunicações Oi. A Oi está testando aqui uma versão do programa da Phorm chamada Navegador. É uma tecnologia que está longe de ser aceita no mundo. Desde 2002, quando foi criada pela Phorm, ela tem gerado controvérsia internacional e levantado preocupações em grupos ligados à defesa dos direitos civis na internet. Essas resistências dificultaram sua adoção nos Estados Unidos e na Europa. Há o temor de que as informações pessoais sejam usadas de forma indevida. É evidente que uma empresa telefônica não pode grampear suas linhas. Por que, afinal, seu provedor de internet teria direito de saber o que você faz na rede? Um programa espião ameaça nossa liberdade?

Sua chegada foi discreta no Brasil. A primeira rodada de testes com o Navegador foi anunciada em março pela Oi, dona do provedor de banda larga Velox e do portal iG. De acordo com a Oi, ele começou a ser oferecido a internautas do Rio de Janeiro. A intenção da Oi é expandir aos usuários de todo o Estado até o final de 2010. O Navegador é um rastreador remoto (não fica instalado na máquina do usuário) dos passos que um internauta dá na rede. No início dos testes, Oi e Phorm anunciaram uma parceria com os portais Terra, UOL e Estadão. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do Grupo Estado afirmou que “a parceria nunca existiu e o nome da empresa foi usado à revelia”. A Oi confirmou a parceria com UOL e Terra.

O objetivo do Navegador é detectar as preferências de quem navega na rede. A promessa da Oi é oferecer ao usuário uma navegação personalizada. Quem é torcedor do Flamengo passaria a ter automaticamente na tela do computador mais informações sobre o time. “Uma página será apresentada aos clientes para que decidam se desejam ativar a ferramenta”, diz a Oi. “A escolha e decisão é do cliente.” Oi e Phorm também afirmam que a tecnologia do rastreador traça o perfil dos usuários sem identificá-los. Isso seria possível graças a um recurso técnico. Assim que um internauta se conecta à web, imediatamente o Navegador associa a ele um número aleatório. É esse número interno – e não um nome público ou um endereço fixo na internet (conhecido tecnicamente como IP) – que a Phorm usa no rastreamento. “Nenhum dado pessoal, histórico de navegação ou endereço IP é armazenado pela ferramenta”, informou a Oi. “O sistema não rastreia e-mails, salas de bate-papo e páginas seguras, como sites de banco.”

O programa da Phorm também permite que o provedor de acesso mostre, a cada usuário, anúncios específicos, de acordo com seus interesses pessoais. Sites que tenham acordo com o provedor poderiam vender anúncios prometendo veiculá-los a internautas cujo perfil fosse mais interessante ao anunciante. Tal sistema é apresentado como um modo de aumentar a receita de provedores e sites de conteúdo. Só que, além de invasivo, ele pode representar uma concentração de poder nas mãos de uma empresa cuja missão deveria ser prover acesso de forma indistinta – sem discriminar o conteúdo ou publicidade que trafega em sua rede. Numa comparação com outro setor, a situação seria equivalente a uma empresa de eletricidade receber dinheiro cada vez que você ligasse uma determinada marca de eletrodoméstico na tomada.

Tamanho poder nas mãos da Phorm e da Oi pode representar uma ameaça à concorrência no mercado de publicidade on-line. A Oi argumenta que, como o iG detém em torno de 5% desse mercado, essa ameaça inexiste. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deverá julgar nas próximas semanas a parceria entre Oi e Phorm. Até agora, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) deram parecer favorável à Oi. O caso estava na pauta do dia 5 de maio, mas o Cade decidiu pedir mais informações à Oi. Um novo julgamento ainda não foi marcado.

Além das questões comerciais, o maior estigma em torno dos programas de rastreamento da Phorm é a ameaça à privacidade. O Brasil está recebendo um programa espião rejeitado em outros países. O histórico da Phorm é sombrio. Ela foi fundada em 2002, com o nome de 121Media. Especializou-se na criação de programas para publicidade on-line. Seu primeiro produto foi classificado como um spyware, nome técnico dos programas espiões que se instalam na máquina do usuário sem consentimento e enviam informações a terceiros. No início da década passada, esses programas eram tão populares quanto difíceis de apagar. A Phorm recebeu notificações de órgãos de segurança de países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra pedindo que interrompesse as vendas por ferir a segurança e a privacidade do internauta.

A Phorm então desenvolveu o Webwise, programa que diz tratar o internauta de forma anônima. Sites como Google, Amazon e Wikipédia bloquearam o Webwise em suas páginas por desconfiança. Personalidades como Tim Berners-Lee, criador da web, criticaram a falta de transparência (leia mais no quadro ao lado). O caso mais delicado envolveu a British Telecom (BT), operadora estatal de banda larga da Inglaterra, acusada de infringir as leis de privacidade da União Europeia por fazer, entre 2006 e 2007, testes do programa com 18 mil clientes – sem consultá-los. O mal-estar foi tamanho que a BT teve de abandonar o projeto em 2008. “A ferramenta da Oi tem uma proposta de valor e modelo de implementação totalmente diferente do Reino Unido”, informou a Oi.

A Phorm não é a única empresa que rastreia hábitos do internauta para alocar publicidade. Grandes sites, como o Google, tentam adivinhar o gosto do usuário a partir do que ele busca ou digita. O Facebook também enfrenta questionamentos sobre sua política de privacidade. Vários internautas têm abandonado o Facebook por causa disso. Mas o rastreamento da Phorm dá um passo além. Por dois motivos. Primeiro, os outros sites avaliam seu perfil, mas sua vida digital não fica toda guardada neles. Quando a Phorm espiona, ela rastreia tudo o que você faz. Segundo motivo, as empresas de busca e redes sociais precisam do retorno publicitário para manter seus serviços gratuitos. Os provedores que usam o programa da Phorm já são pagos por você – e pelo acesso, não por conteúdo.

O grupo AntiPhorm, uma ONG de defesa de direitos civis na internet, lançou programas para bloquear o rastreador. Um deles, o Dephormation, funciona simulando atividade na internet de seu computador. Com isso, os dados que a Phorm rastreia ficam poluídos com informação falsa e perdem valor. O navegador Firefox oferece uma ferramenta chamada Firephorm, que impede a Phorm de anotar os sites que você visita. As próprias empresas que anunciam podem se recusar a adotar o sistema da Phorm por julgar importante manter a privacidade de seus clientes e por desconfiar que esses dados possam ser usados por concorrentes. “Alguns podem avaliar que explorá-los configura espionagem industrial”, diz Jim Killock, da Open Rights Group. Isso explica, em parte, a reação negativa da Amazon.

O Brasil pode criar barreiras contra esse tipo de insegurança digital com o novo marco regulatório da internet, lei que esteve em consulta pública nos últimos meses e deverá seguir para o Congresso no final do semestre. Até agora, o texto não aborda especificamente programas de rastreamento, como o Webwise ou o Navegador, da Phorm. Mas dá uma indicação de que isso pode ser considerado ilegal. Num dos parágrafos, afirma que o provedor “fica impedido de monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar os conteúdos dos pacotes de dados, salvo para administração técnica de tráfego”. Se essa norma for aperfeiçoada, os brasileiros podem ficar mais protegidos contra as tentativas de espionagem de sua vida privada".

Para melhor visualização, clique nas imagens

O novo produto, segundo a Oi, visa facilitar a vida do usuário que navega na grande rede, mas é, na verdade, um espião que não respeita a privacidade nem o direito de escolha das pessoas, que podem se tornar vítimas de uma trama que envolve empresas do Brasil e do exterior, tudo em nome do lucro obtido à custa dos menos avisados.

O "projeto" envolve a Oi, o provedor IG (que pertence à Oi), a UOL (do Grupo Folha), o portal Terra, o jornal o Estado de São Paulo e a Phorm, que há alguns anos viu-se envolvida em um escândalo de violação de privacidade onde foi acusada de rastrear dados dos usuários de uma operadora da Inglaterra, sem o conhecimento deles, obviamente.

Como se pode ver, dados privados, inclusive os relativos aos acessos a contas bancárias, irão circular nas mãos de muita gente, e a unica garantia de sigilo que temos é a palavra da Oi, que jura que os dados são criptografados com 24 dígitos que ela diz indecifráveis. Você acredita nisso? Logo, se lhe perguntarem se você quer utilizar o tal "NAVEGADOR", diga NÃO!

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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12 comentários:

  1. Excelente texto. Informativo e que acende um debate sobre os principios éticos da informação via internet.Muito Bom

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  2. To aqui pensando em que tipo de rótulo eu seria encaixada... Ativista internacional? Subversiva? Alienada do Facebook? rsrsrsrsrsrsrsrsrssr

    Mesmo antes do Phorm, muitos sites já fazem esse tipo de "cadastro oculto" baseado no seu histórico de navegação.O YouTube é um. Ele chega a te propor ("Vídeos que podem te interessar")! O Orkut e o Facebook também te sugere amigos, baseando-se nos amigos de amigos.

    Que coisa, né? Fico pensando com meus botões que aquele "Admirável Mundo Novo" já está acontecendo há muito e a gente nem se dá conta! Você não paga mais uma conta se o "sistema" do banco tiver caído; estuda virtualmente, compra virtualmente, é roubado virtualmente, se apaixona virtualmente, se diagnostica virtualmente..... É um mundo novo que nos "pegou" de supetão e, para o qual a gente não estava preparado. Pelo menos, não tão rapidamente. Discutir direitos na internet?!!! Wow! Taréfa hercúlea!

    Mas como tudo na vida, internet tem que passar pelo bom senso. O que você coloca na internet? Você coloca uma foto num site de relacionamento e não quer que os outros vejam? Você coloca informações sobre a sua pessoa e quer privacidade? Mas os seus amigos podem usar a mesma foto e abrir para toda a net! Como se resolve isso? Tudo tem um preço e é você que coloca na balança para ver se vale ou não.

    O que me assusta não é a perda da privacidade, mas sim de que forma meus dados vão ser classificados e Quem e Pra Quê serão usados...

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  3. Nossa, isso realmente é muito complicado. Acho que é uma invasão de privacidade, porém, se uma ferramenta assim fosse usada para encontrar pedófilos na rede, pessoas que oferecem ameaça fazendo Cyberbullying por exemplo, acho que seria válido e útil.
    Beijos,
    Mari - http://marimartinsatemporal.blogspot.com

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  4. Meu amigo,

    Valeu a sua informação sobre esse negócio de espião no computador. Estou precisando de um. Valeu!

    Abraços,

    Assis Azevedo

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  5. Olá amigo Roberto!
    Um relato muito importante. Me parece uma falta de respeito com a privacidade dos usuários.
    Mesmo que um monitoramento fosse feito com critério e os dados preservados, acredito que todo usuário tem que ter o direito a decisão dos seus dados trafegarem ou não por uma empresa.
    Gostei do texto e da informação.
    Abraços, Fernandez.

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  6. Amigo Roberto, esse programa é um absurdo total. A nossa proteção e privacidade é uma garantia que deve ser exigida e preservada a todo custo. É bom que todos fiquem bem atentos a essa informação para não serem surpreendidos. Excelente matéria. Abraços. Roniel.

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  7. Muito bom, porém perigooso
    Para quem não deve nada, não teme
    Viva à tecnologia!

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  8. É um absurdo total este e outros tipos de programas que andam por aí. Outro dia ví um debate na tv que abordou este tema:privacidade na net. Eu fiquei assustada, pois sempre achei que tinhamos uma liberdade gigante, mas segundo o especialista somos o tempo todo observados. Eles nos olham muito mais do que olhamos(pesquisamos) por aí. E não questão de dever ou não dever, o que eu quero e ter liberdade, sem ninguém me espiando.
    Abraço!

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  9. Como a propria reportagem já diz, muitos sites já fazem isto. E será difícil controlarmos este tipo de coisa. Simples cidadãos quando querem obter uma informação de uma pessoa ou empresa, utilizam deste, digamos, "rastreamento" via Google.

    O bem mais valioso que existe no mundo chama-se "informação". Quem detiver um banco de dados bem delineado, pode preparar o bolso e a cabeça. Vai ganhar muito bem, porém a cabeça... Quanto mais vc souber, mais lhe será cobrado, já dizia Francisco de Assis.

    Estamos expostos sim, de todas as formas. Seja na rua ou dentro de casa. E através da rede de comunicação que aparenta ter uma proteção porque simula um anonimato, muito mais.

    Valéria

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  10. Engraçado alegarem "facilidades" aos navegantes. Não existe nenhuma facilidade em alguém saber o que você quer. Facilidade é te darem espaço para que você mesmo o diga.
    É muito insignificante ficarmos sujeitos apenas à garantia de uma empresa que bem já se sabe não respeitar direitos individuais.
    Parabéns e ficarei alerta ao tema.

    Um forte abraço!

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  11. Saudações!
    Amigo ROBERTO, esta é uma das matérias mais importantes que li ultimamente. Li atentamente e minuciosamente a matéria, e agora estou convencido, só existe uma maneira de mantermos a privacidade, desligando o computador da tomada, só desligando o computador da tomada meu amigo.
    Parabéns por mais um magnífico post!
    Abraços,
    LISON.

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  12. é como se estivessem grampeando a nossa banda larga e se isso não é permitido no telefone pq tem que ser com a internet?

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