19 outubro 2010

Mulher: um ser ou um objeto?


Sempre defendi aqui a tese de que o ser humano precisa aprender a viver com as diferenças. De igual forma, sempre me bati pelo respeito à opção religiosa de cada um, mas também acho que o mundo avança, e as culturas, inclusive as religiosas, precisam acompanhar esse avanço, sob pena de se tornarem injustas, arbitrárias e até desumanas. O que diria o mundo, por exemplo, se o catolicismo viesse hoje a falar em Inquisição? Acho que preservar preceitos religiosos é uma coisa e manter acesas práticas de agressões medievais é outra completamente diferente.


Faço essa pequena introdução porque a Suprema Corte dos Emirados Árabes Unidos anunciou nesta segunda-feira (18/10) que qualquer homem, ao contrário por exemplo do previsto nas nossas leis contra a violência doméstica e da palmada, tem o direito de "disciplinar" sua mulher e filhos, desde que não os deixe marcados.

A decisão foi emitida depois do julgamento de um morador de Sharjah, uma das sete cidades-Estado que compõem os Emirados Árabes, que agrediu a mulher e a filha com tapas e chutes. O homem já havia sido condenado em primeira instância a uma multa de US$ 136 (o equivalente a R$ 226) pelas agressões, mas apelou à Suprema Corte Federal. Ele alegou que acertou a mulher por engano, enquanto tentava punir a filha.

A mulher sofreu ferimentos nos lábios e dentes, enquanto a filha teve arranhões na mão e no joelho. De acordo com o tribunal, os ferimentos nas duas mulheres provam que o homem abusou do direito previsto na sharia, a lei islâmica que rege o país.

A charia, chariá, xaria ou xariá, também grafada sharia, shariah, shari'a ou syariah, é o nome que se dá ao código de leis do islamismo. Em várias sociedades islâmicas, ao contrário da maioria das sociedades ocidentais modernas, não há separação entre a religião e o direito, já que todas as leis são baseadas nas escrituras sagradas e nas opiniões de líderes religiosos.

A corte também entendeu que a filha, de 23 anos, já é muito velha para receber esse tipo de punição do pai. Na sharia, segundo juristas, alcançar a puberdade é o primeiro passo para uma pessoa ser considerada adulta.

- Todo homem tem o direito de disciplinar a mulher e os filhos. A lei é clara quanto a isso, desde que se respeitem os limites, disse ao jornal local The Nation o chefe de justiça, Falah Al-Hajeri.

Segundo juristas, a lei islâmica dá ao homem o direito de "disciplinar" esposa e filhos, o que pode incluir agressões físicas caso ele não tenha sucesso em duas outras opções postas ao seu alcance: a repreensão verbal ou a recusa em dormir com sua esposa.

A decisão da Suprema Corte não foi bem recebida por entidades que defendem uma maior abertura e modernização do país.

Especialistas dizem que a aplicação da sharia mancha a imagem dos Emirados Árabes, cuja população é majoritariamente estrangeira. Casos de violência doméstica em países árabes são muito comuns, mas raramente são levados a tribunais ou ganham repercussão.

Segundo Jihad Hashim Brown, chefe de pesquisa da Fundação Tabah, "bater na esposa está em conflito com os textos islâmicos, claros e concisos, que encorajam muçulmanos a tratar suas esposas com amor e com paixão". Segundo disse ele à BBC Brasil, "a imensa maioria dos acadêmicos concorda que é proibido ferir ou insultar a dignidade de uma esposa".

Já de acordo com o entendimento de Ahmed Al-Kubaisi, chefe de Estudos da Sharia da Universidade dos Emirados Árabes Unidos e da Universidade de Bagdá, na visão da lei islâmica, bater na mulher é válido para prevenir a dissolução da família. No entanto, ele diz que a agressão deve ser usada somente como um substituto à intervenção da polícia.

- Se uma esposa cometeu algo errado, um marido pode denunciá-la à polícia. Mas, às vezes, ela não faz algo tão sério ou ele não quer que outros saibam, se for ferir a imagem da família. Nesse caso, bater é a melhor opção - disse Ahmed Al-Kubaisi.

Outro acadêmico, Jassim Al-Shamsi, coordenador da Faculdade de Direito da Universidade dos Emirados Árabes Unidos, diz que a lei do país não dá aos maridos a permissão de bater em suas esposas.

- A lei não instrui maridos a agredir suas esposas, somente que um homem não pode ser punido se a agressão não deixar marcas físicas. É uma agressão para disciplinar, não uma agressão violenta e vingativa - registrou o acadêmico.

Trocando em miúdos: quando, a critério do homem, a mulher ou os filhos não estiverem se comportando de maneira correta, ele tem três opções iniciais: a repreensão verbal; não dormir com a mulher ou chamar a polícia. Se nenhuma delas der certo, ele pode "discipliná-los", desde que não deixe marcas visíveis. Bater com toalha molhada ou socar sobre pequenas almofadas, por exemplo, deve ser permitido, porque apesar da dor infligida à vítima, as marcas não aparecem. A mesma atitude pode ser adotada pelo homem "para prevenir a dissolução da família", o que convenhamos, é uma prática discutível sob todos os pontos de vista.

Se o meu pouco conhecimento de regras religiosas não me trai, Sura 4.34 (um capítulo do Alcorão) dispõe que "os homens têm autoridade sobre as mulheres porque Alá fez um superior à outra", mas a Bíblia garante que "não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.28).

E você, o que acha? A questão deve continuar sendo encarada à luz da religião, e por isso só pode ser discutida por cada grupo religioso (e enquanto isso a mulher segue sendo espancada, apedrejada ou tendo partes do corpo decepadas pelo marido), ou nada tem a ver com ela, a religião, e deveria ser tratada à vista da legislação comum, como aliás acontece em todo o restante do Planeta? Afinal, a mulher é um ser ou um objeto?

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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9 comentários:

  1. Olá meu amigo, excelente post.
    Eu acho isso um absurdo, para mim não existe diferença entre homens, mulheres, brancos, negros, amarelos, somos todos seres humanos.
    Beijos,
    Mari

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  2. Essa também é a minha opinião, Mari!

    O problema é o radicalismo que ainda domina algumas países, principalmente onde as raízes religiosas são mais fortes. Neles, atrocidades sem precedentes são praticadas, acredite, em nome da fé.

    Um abração...

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  3. Olá meu amigo Roberto!
    Esse tipo de notícia é revoltante! Como você muito bem coloca no início do texto, o mundo avança, e as culturas, principalmente as religiosas não acompanham tamanho avanço. Acho que na verdade, sob o ponto de vista atual e humano, elas regridem. Independente do ponto de vista penal ou religioso, deveria ser feita uma profunda análise dos direitos humanos. Se os avanços são notórios, onde as mulheres, mesmo que em menor escala, ocupam cargos e postos de liderança, esses costumes deviam ser revistos. Conheço alguns muçulmanos e a linhagem jovem e que não está sob influência constante, por viverem longe, condena essa prática. Os radicais são os grandes mentores e defensores dessas práticas. E tudo que parte para o radicalismo resulta nesse abuso, nessa imposição de poder utilizando a força. Honestamente não acredito que irá mudar. Meu amigo diz que no final todos acabam se acostumando e se adaptando aos costumes e leis daquele povo. Nós, do outro lado do mundo, pertencentes a outra cultura, achamos absurdo, mas muitas mulheres lá não apenas aceitam como acham que merecem as punições sofridas. Se formos falar em conscientização, acho que deveriam começar da estaca zero, com tudo novo. Então, como sabemos que isso nunca irá acontecer, só nos resta aqui do outro lado lamentar e ficarmos chocados com tamanha monstruosidade religiosa.
    Se bem que o passado católico também deixa margens para revolta, repulsa e indignação... mas, com o decorrer dos tempos, pelo menos tentou se ajustar e até hoje tenta se redimir.
    Grande beijo,
    Jackie

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  4. Aqui as mulheres são tratadas com diferença,pois existe a lei de direitos iguais,só fica calada quem tem medo,lá e diferente as leis,mas acho todos deveriam ser tratados com igualdade de direitos,independente de religião.
    Abraço.

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  5. É isso, Fatima!

    Todos. homens e mulheres, devem ser tratados de forma igualitária. Não pode haver distinção por causa do sexo, até porque não é ele, o sexo, o fator determinante quando o assunto é, por exemplo, competência e capacidade profissional. Onde está a diferença, então?

    Um abração...

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  6. Jackie:

    Meu pai costumava dizer que "o uso do cachimbo faz a boca torta", o que é uma grande verdade.

    Se as pessoas se acomodam, as regras ou tradições em vigor vão sendo seguidas, como se fossem leis.

    A mulher vem se batendo por mudanças há muito tempo, obtendo êxito em sua luta em muitos países da Europa, e claro, também aqui no Brasil. Mas existe um mundo fechado, um mundo onde os preceitos religiosos ditam as regras, e onde, infelizmente, a mulher é tratada como um animal.

    Você se lembra, tenho certeza, da postagem a que dei o título de "mulheres violentadas", onde tentei mostrar a situação de Aisha, uma jovem, como milhares de outras afegãs, torturada pela tradição religiosa de seu país.

    No último dia 08/10 ela começou a vencer a barbárie. Fez sua primeira aparição em público usando uma prótese no lugar do nariz mutilado por um débil mental a quem ela foi entregue como esposa.

    Ela está vivendo em Beverly Hills, nos Estados Unidos, sob a proteção da Fundação Grossman para Queimados, que vai assumir todo custo pelas cirurgias para a reconstrução do rosto a que ela vai submeter dentro de algum tempo. É uma reação do mundo contra a tirania machista e radical de um povo. É um começo!

    A sociedade mundial só NÃO pode pode é calar!

    Um grande abraço...

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  7. Meu estimado amigo, infelizmente, algumas religiões são muito retrógadas, andam na contra mão da modernidade, além de que tentam diminuir a presença e importancia das mulheres.

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  8. Essa é a triste realidade, Sissym, que precisa ser modificada, o que não parece fácil.

    Mas as mulheres não podem se calar!

    Um abração...

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  9. OLHA...QUANDO VEJO CENAS DAS MULHERES CARIOCAS NO CARNAVAL E BAILES FUNKS TENHO INVEJA DAS ÁRABES ,POIS AS BRASILEIRAS SÃO HOJE DE LONGE AS MAIORES VADIAS DO MUNDO.OS ÁRABES SÓ PRECISAM TRATÁ-LAS MELHOR

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