Li e comentei, no Momentum Saga, blog da Sybylla, uma interessante postagem sobre a mão-de-obra qualificada em ciências nas escolas brasileiras. Diz a professora e blogueira que "já não é de hoje que o Brasil peca no quesito produção científica", o que "não quer dizer que não produzimos pesquisa e ciência, mas o que produzimos ainda é pequeno diante dos desafios tecnológicos, ambientais e científicos que vamos enfrentar nas próximas décadas. E estes desafios tendem a ser ainda maiores se não formarmos mão-de-obra qualificada".
Ela conta que fez boa parte de seus estudos em um colégio particular onde, além das aulas de laboratório de biologia, química e física, sempre foi incentivada a fazer pequenas experiências, citando como exemplo o conhecido feijão no algodão.
Mesmo assim, acha que teve "poucas aulas de ciências" porque "não tinha professores cientistas". Ela ressalva que teve "grandes professores", mas que "eles não tinham o preparo para lidar com experiências ou cuidar de um laboratório". E pergunta:
- E aí? A culpa é de quem afinal? Não podemos culpar plenamente o professor, que na maioria das vezes tem jornadas triplas, permanecendo os três horários em sala de aula. Podemos culpar o Estado por não suprir as escolas com laboratórios? É, até podemos. Mas muitas escolas estão com seus laboratórios abandonados, com material encaixotado e já vi estudantes cobrando seu uso. Em especial no ensino médio, onde o conhecimento deve ser posto em prática.
Em um outro blog, o Ciência Brasil, muito bem administrado pelo Marcelo Hermes, uma postagem chamou minha atenção:
"Meu nome é Marcos (**) e sou ex-aluno da UnB. Terminei minha graduação em Física em 2005, fiz meu mestrado em Física em uma outra universidade federal e, atualmente, estou fazendo meu doutorado no Canadá.
Eu estou passando férias com a minha família e, então, decidi visitar meus professores e alguns colegas da UnB. O que eu vi e ouvi me deixou bastante decepcionado... A UnB caiu muito nesses últimos anos... É muito difícil crer que esta UnB de hoje é a mesma que, apesar das dificuldades que o senhor bem conhece, me deu uma base sólida que tem sido de extrema importância nos meus estudos. Conversando com professores, eu vejo o quanto a Física Experimental tem sido deixada de lado. Técnicos se aposentando e não sendo substituídos, condições de trabalho que não incentivam ninguém e nem atraem bons profissionais e instalações precárias... Nenhum investimento à vista e, com isso, tudo tende a se estagnar.
Durante meus estudos de graduação sempre tive a ideia de voltar para a UnB de forma que eu pudesse retribuir tudo o que me foi ensinado, mas depois do que eu vi acho que vou seguir o conselho que um dos professores me deu: "Não volte, você irá andar para trás". Fora que eu não tenho nenhuma garantia de que a meritocracia irá prevalecer no "concurso público" para preencher alguma vaga. Hoje em dia interessa mais saber quem é o seu padrinho e/ou o seu partido... Acho que irei procurar um lugar onde o meu tempo e esforço sejam realmente valorizados. Acho que muitos pensam de maneira semelhante e quem perde com isso é a UnB".
Aí me lembrei da matéria que li hoje no JusBrasil. Segundo o portal, mais de 400 cientistas do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ estão de braços cruzados há cerca de seis meses porque a Receita Federal não libera peças de reposição de um microscópio. Fabricado no Japão, o aparelho, que foi adquirido em junho de 2009, apresentou defeitos em algumas de suas peças dois anos depois, dentro do período da garantia, e por isso elas poderiam ser trocados gratuitamente até novembro do ano passado, o que ainda não foi possível em razão de exigências feitas pelo órgão.
Além dos alunos, cerca de 150 orientadores de pós-graduação de unidades como clínica médica, anatomia patológica e farmacologia dependem do aparelho para realizar as pesquisas, e segundo Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, embora o equipamento não seja o mais moderno em termos de microscopia, seu uso é "absolutamente indispensável", inclusive para a publicação de estudos em revistas internacionais.
O microscópio confocal, diferentemente de modelos mais antigos, capta imagens em 3D de estruturas e eventos biológicos. Com ele, é possível visualizar fragmentos de tecido e até de embriões inteiros, sem cortes mecânicos na amostra.
- Se um artigo científico não tiver ilustrações vindas desse microscópio, nenhuma publicação irá aceitá-lo. Vão mandar fotografar as células estudadas no confocal - explica o diretor.
As peças com defeito foram encaminhadas à Receita em outubro, mas ainda não foram remetidas ao exterior. A Leica, fabricante do microscópio, aceitou prorrogar a garantia do equipamento, expirada em 21 de novembro. A alfândega, porém, só considera o contrato original e não o acordo firmado recentemente entre a universidade e a empresa japonesa. Logo, a troca gratuita das peças está seriamente ameaçada.
Para Lent, o maior prejuízo não é monetário, mas o andamento das pesquisas.
- A empresa estendeu a garantia, mas, se quiser, terá o direito de cobrar pelas peças. Este é um exemplo claro de como o excesso de burocracia nos impede de ser competitivos internacionalmente. Em outros países, os cientistas têm o material que demandam em 24, 48 horas. Aqui já se passaram seis meses.
Paulo Ximenes, chefe da Divisão de Administração Aduaneira da 7ª Região Fiscal da Receita Federal, que abrange Rio e Espírito Santo, estranhou a demora na solução do problema da UFRJ, mas acredita que o órgão não tem culpa. Segundo ele, "a Receita não pode autorizar a importação de uma peça sem cobrança de tributos se o material defeituoso não for exportado antes".
- A empresa contratada pela universidade para cuidar da troca do equipamento deveria saber disso. Ela também pode ter demorado a se inteirar sobre o andamento do processo. Afinal, são vários fatores envolvidos em toda esta operação - explica Ximenes.
Como se pode ver, além da falta de mão-de-obra especializada a que se referiu a Sybylla, e a ausência das condições de trabalho mencionadas pelo Marcos, o ex-aluno da UnB, a ciência ainda precisa lutar contra o monstrengo da burrocracia (com dois "rr" mesmo).
Em situações como esta, não deveriam importar os "vários fatores" mencionados pelo chefe da Divisão de Administração Aduaneira da 7ª Região Fiscal da Receita Federal, mas a necessidade, a importância, a prioridade que o processo reclama. O jogo de empurra impressiona, mas o que mais assusta é o descaso, a negligência e a omissão com que algumas "autoridades" exercem suas funções nos principais órgãos e escalões da administração pública no Brasil.
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |