Sustentando que há um limite para a imprensa criticar decisões de magistrados, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão que condenou a apresentadora Ana Maria Braga e a Rede Globo a indenizarem a juíza Luciana Viveiros Corrêa dos Santos Seabra, da 2ª Vara Criminal de Praia Grande, cidade do litoral paulista, a título de danos morais, em R$ 150 mil. O motivo foi uma reportagem onde Ana Maria Braga, segundo o Tribunal, ultrapassou o "sinal vermelho". Entendeu a corte que a notícia era de interesse público, mas o direito constitucional da livre manifestação do pensamento e do dever de informar teria sido extrapolado pela forma como a notícia foi divulgada.
O suposto dano teria ocorrido no programa "Mais Você" que foi ao ar no dia 20 de novembro de 2007, quando Ana Maria criticou a magistrada pela libertação de Jilmar Lendro da Silva, preso por agredir e manter refém a namorada, Evellyn Ferreira Amorim.
Depois de solto, o rapaz voltou a sequestrar a ex-namorada e a matou, suicidando-se em seguida, fato noticiado com enorme destaque por toda a mídia.
Contrariada com as críticas, a magistrada ajuizou uma ação indenizatória por danos morais, julgada procedente pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro - SP, para quem "o ato judicial pode sofrer críticas da sociedade, como parte do Estado Democrático de Direito", o que segundo ele não foi o caso, já que as afirmações de Ana Maria Braga teriam superado o direito de criticar e ingressado na esfera pessoal.
Sem o acesso direto às provas produzidas pelas partes no processo, qualquer afirmação acerca da decisão tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, entendo eu, seria leviana. Além disso, e outra coisa não se pode esperar do Judiciário, acredita-se que os desembargadores que analisaram o recurso interposto por Ana Maria e a Rede Globo o fizeram com o cuidado, o zelo e a imparcialidade recomendada para o legal, fiel e justo exercício de suas funções.
A minha objeção, e espero não estar ultrapassando nenhum "sinal vermelho", é em relação ao valor fixado para a indenização.
Em processos indenizatórios comuns, onde os autores vão ao Judiciário pleitear indenizações por vítimas do transporte ferroviário, por exemplo, a vida de um cidadão, homem ou mulher, nunca tem valor fixado acima dos R$ 100 mil. Muito pelo contrário, não são poucos os casos de indenizações por vidas perdidas que não chegam a R$ 30 mil. Querem exemplos?
Caso nº 1
Numa ação indenizatória movida contra empresa concessionária de serviços públicos responsabilizada pela morte de um jovem que caiu de uma de suas composições, a mãe e cinco irmãos foram vencedores, e vão receber, juntos, 100 salários-mínimos, ou, R$ 62 mil e uns quebrados nos valores de hoje. E detalhe: uma metade vai para a mulher e a outra metade para os cinco filhos. Trocando em miúdos: ela vai receber cerca de R$ 31 mil, e os filhos, depois da divisão dos R$ 31 mil restantes, vão embolsar pouco mais de R$ 5 mil cada um.
Caso nº 2
Em outro procedimento indenizatório, também endereçado a uma empresa concessionária de serviços públicos responsável pelo abalroamento e morte de um jovem ciclista, o Judiciário carioca mandou indenizar mãe e irmão com as quantias de R$ 100 mil e R$ 30 mil, respectivamente. Em grau de recurso, "mesmo reconhecendo a dor de uma mãe que sepulta seu filho e a eterna saudade de sua companhia" e o sentimento do irmão, "que também padece" com a falta do familiar morto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro houve por bem reduzir as indenizações para R$ 80 mil e R$ 24 mil.
Por que, então, a juíza paulista deve receber R$ 150 mil de indenização? O dano moral a ela imposto pela critica da apresentadora de TV é maior que o dano moral da mãe que perdeu o filho? Do irmão que perdeu o irmão? Ou será que a diferença de tratamento está nas tais "condições pessoais dos envolvidos"? Qual a sua opinião a respeito do assunto?
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |