Parentes de uma das vítimas do incêndio em boate em Santa Maria - Neco Varella/EFE |
A caça às bruxas no caso do incêndio ocorrido no último domingo (27/01) na boate Kiss, na cidade de Santa Maria - RS, que deixou 231 mortos, 150 feridos, cerca de 80 em estado grave, jovens universitários na maioria, já começou, e como é de costume no Brasil, a corda sempre estoura do lado mais fraco. O dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr, o sócio, Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, responsável pelo show pirotécnico que teria dado início ao incêndio, além de terem os bens bloqueados, já estão sob custódia policial, com base em uma prisão provisória por cinco dias decretada pela justiça local.
De acordo com nossa última postagem, o fogo teria começado por volta das 2h30m, quando o vocalista da banda, usando um sinalizador, fez uma espécie de show pirotécnico. As faíscas atingiram a espuma do isolamento acústico no teto da boate, causando as chamas, que se espalharam rapidamente, o que provocou pânico, razão principal das pessoas não conseguirem alcançar a porta de saída do estabelecimento. Não se sabe, também, se a boate tinha saídas de emergência. Mais grave que isso: as portas de entrada/saída foram trancadas pelos seguranças da casa de espetáculos. Foi exatamente junto delas que estavam amontoados boa parte dos corpos das vítimas daquela triste madrugada de domingo.
É perfeitamente possível que Spohr e Hoffmann tenham sido negligentes. Ninguém discute que os jovens componentes da banda foram, no mínimo, imprudentes quando utilizaram sinalizadores no show pirotécnico que promoveram. Mas o assunto acaba aí! Serão eles os únicos responsáveis por essa tragédia há tanto tempo anunciada? E os órgãos e autoridades responsáveis pela fiscalização? Como é que se permite que uma casa de espetáculos com capacidade para receber centenas de pessoas se transforme numa verdadeira armadilha, com uma única porta de entrada e saída? Por que ela funcionava sem o Plano de Prevenção e Controle de Incêndios, vencido desde agosto de 2012? Quem deu a autorização para que ela continuasse a promover shows? Por que não havia no local, como acontece em todos os eventos de maior vulto, uma equipe do Corpo de Bombeiros apta a controlar a lotação do ambiente e impedir a utilização dos sinalizadores? Por que, como relatado por um dos componentes da banda, o extintor de incêndio que ele tentou utilizar para combater as chamas, ainda no início, não funcionou? Por que não havia no local pessoas treinadas para mostrar as rotas de fuga no caso de um incêndio, como acabou acontecendo?
Desastres semelhantes em boates de Rhode Island - EUA e Buenos Aires - Argentina, tiveram desfechos idênticos ao de Santa Maria, com corpos encontrados nos cantos ou empilhados na porta, o que aconteceu porque as pessoas, ao buscarem possíveis locais de fuga como janelas ou saídas alternativas, acabaram se perdendo num labirinto de cômodos escuros e de difícil acesso, sendo pisoteadas pela multidão.
Prédios destinados ao funcionamento de boates como a Kiss, de grande aglomeração, deveriam ser obrigatoriamente dotados de saídas amplas, iluminadas e bem distribuídas, o que permitiria uma evacuação mais rápida, já que o fogo que alcança um isolamento acústico alastra-se em menos de três minutos. Foi o que aconteceu em Santa Maria, onde 90% das vítimas morreram asfixiadas.
Nosso Parlamento, sempre mergulhado em futricas políticas e casos de corrupção, já poderia, de há muito, ter criado uma legislação que desse ao país um modelo padrão de segurança, o que se espera venha a acontecer depois da catástrofe da Kiss, até porque no Brasil, a tranca de ferro só é utilizada depois da porta arrombada. Tomara que a promessa da presidente Dilma Rousseff não fique na retórica política e se transforme numa bandeira capaz de evitar que fatos como este jamais se repitam. Tomara que os familiares dos jovens que perderam a vida na tragédia da madrugada do último domingo encontrem a força e a determinação necessárias para superar o terrível momento que o destino e a omissão do poder público lhes reservou. Tomara que nunca mais tantas vidas se percam por nada. Tomara...
Sobre o Autor:
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |