11 janeiro 2015

Todos nós somos Charlie

Foto: reprodução

O mundo assistiu na última quarta-feira (07/01), estarrecido, a uma das maiores brutalidades de que se tem notícia na história da liberdade democrática. A bestialidade que se abateu sobre o Charlie Hebdo não atingiu apenas o pequeno jornal francês, mas todo o mundo civilizado. Mais uma vez, uma iniciativa terrorista tenta sobrepor a violência à liberdade de expressão, uma das bases, senão a principal base de qualquer Estado democrático. Mais uma vez, da forma mais estúpida, o ser humano mostra como o entendimento e a compreensão mútua das nossas sociedades modernas está longe de acontecer. Dois dias depois, na sexta-feira (09/01), após horas de cerco a uma cidade no Norte da França, a polícia matou os irmãos Chérif e Said Kouachi, autores do atentado.

Je suis Charlie (Eu sou Charlie) é o grito que hoje ecoa por toda a França e nos textos e imagens das redes sociais de todo o planeta, depois da morte de 12 pessoas no jornal francês Charlie Hebdo, em Paris, invadido por três facínoras que assassinaram friamente e sem nenhuma chance de defesa o diretor do jornal e alguns dos cartunistas mais conhecidos do mundo, simplesmente por causa da conotação satírica por eles dada às caricaturas de Maomé nas últimas décadas.

- Se nos começarmos a questionar se temos ou não o direito a desenhar Maomé, ou se é perigoso fazê-lo, a questão seguinte vai ser se podemos representar os muçulmanos num jornal - disse Charb à emissora RTL, em setembro de 2012, ao fim de uma semana de protestos contra o filme anti-islão Innocence of Muslims e após a publicação pelo Charlie Hebdo de uma caricatura de Maomé, numa cadeira de rodas, empurrado por um judeu ortodoxo.

O fato gerou reações em todo o mundo. Na França, o jornal Libération abriu o seu site com a frase “Somos todos Charlie”, que repete na capa do seu perfil no Facebook. O Le Monde, outra referência jornalística francesa, seguiu o mesmo caminho, e o Figaro parou durante um minuto em homenagem às vítimas.

Na Espanha, o El País manifestou a sua solidariedade através de cartoons criados por seus colaboradores. Em Portugal, o Público, a SIC Notícias e o Expresso declararam-se de luto pela morte dos colegas franceses. “A partir de 7 de Janeiro, falar em Charlie Hebdo é, para além disso, falar também em vingança, assassínio cobarde, crime premeditado não só contra pessoas, mas também contra o espírito de liberdade que elas personificavam e, apesar de muitas terem sido assassinadas, ainda personificam”, escreveu a direção editorial do Público.

José Manuel Fernandes, do Observador, deixou registrado que a tragédia é do “jornalismo mundial”, de “todos os homens livres”, e conclamou: “Tenhamos pois coragem, não cedamos à intimidação e ao medo.”

Entre os cartunistas o choque e indignação ecoam pelo mundo em várias línguas. David Pope, do australiano Canberra Times, por exemplo, publicou uma das caricaturas mais partilhadas nas redes sociais: um cartunista caído no chão, morto, e ao lado um homem vestido de negro armado a dizer “He drew first” ("Ele desenhou primeiro"). A acompanhar o desenho, Pope escreve: “Não consigo dormir hoje, os meus pensamentos estão com os meus colegas cartunistas franceses, as suas famílias e entes queridos.”

Cartunista do Le Monde, do L’Express e presidente do Cartooning Peace, Plantu desenhou um caderno onde uma mão escreve a vermelho “De tout coeur avec Charlie Hebdo” ("De todo o coração com o Charlie Hebdo"). O cartunista holandês Ruben Oppenheimer criou uma imagem onde dois enormes lápis semelhantes às Torres Gêmeas estão prestes a ser atacados por um avião. Da Espanha veio uma ilustração em que um lápis, um esquadro e uma caneta formam uma arma.

Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, escreveu:

"Sou católico. As bobagens e ignorâncias que se dizem contra a minha religião — e já faz tempo que o ateísmo deixou de ser um ninho de sábios —, com alguma frequência, me ofendem. E daí? Há muito tempo, de reforma em reforma, o catolicismo entendeu que não é nem pode ser estado. A religião que nasceu do Amor e que evoluiu, sim, para uma organização de caráter paramilitar, voltou ao seu leito, certamente não tão pura e tão leve como nos primeiros tempos, maculada por virtudes e vícios demasiadamente humanos, mas comprometida com a tolerância, com a caridade, com a pluralidade, buscando a conversão pela fé.

Não é assim porque eu quero, mas porque é: o islamismo nasce para a guerra. Surge e se impõe como organização militar. Faz, em certa medida, trajetória contrária à do catolicismo ao se encontrar, por um tempo ao menos, com a ciência, mas retornando, pela vontade de seus líderes, ao leito original. Sim, de fato, ao pé da letra, há palavras de paz e de guerra, de amor e de ódio, de perdão e de vingança tanto no Islã como na Bíblia. De fato, também no cristianismo, há celerados que fazem uma leitura literalista dos textos sagrados. E daí? Isso só nos afasta da questão central.

Em que país do mundo o cristianismo, ainda que por intermédio de seitas, se impõe pela violência e pelo terror? Em que parte da terra a Bíblia é usada como pretexto para matar, para massacrar, para… governar? É curioso que diante de atos bárbaros como o que se viu na França, a primeira inclinação da imprensa ocidental também seja demonstrar que o Islã é pacífico. Desculpem-me a pergunta feita assim, a seco: ele é “pacífico” onde exatamente?

Em que país islâmico, árabe ou não, os adeptos dessa fé entendem que os assuntos de Alá não devem se misturar com os negócios de estado? À minha moda, sou também um fundamentalista: um fundamentalista da democracia. Por essa razão, sempre que me exibem a Turquia como exemplo de um país majoritariamente islâmico e democrático, dou de ombros: não pode ser democrático um regime em que a imprensa sofre perseguição de caráter religioso — ainda que venha disfarçada de motivação política, não menos odiosa, é claro!

Cabe às autoridades islâmicas, das mais variadas correntes, fazer um trabalho de combate à “islamofobia”. E a fobia será tanto menor quanto menos o mundo for aterrorizado por fanáticos. Ora, não é segredo para ninguém que o extremismo islâmico chegou ao Ocidente por intermédio de “escolas” e “centros de estudo” que fazem um eficiente trabalho de doutrinação, que hoje já não se restringe a filhos de imigrantes. A pregação se mistura à delinquência juvenil, atraída — o que é uma piada macabra — pela “pureza” de uma doutrina que não admite dúvidas, ambiguidades e incertezas.

Ainda voltarei, é evidente, muitas vezes a esse assunto, mas as imposturas vão se acumulando. Há, sim, indignação com o ocorrido, mas não deixa de ser curioso que a imprensa ocidental tenha convocado os chargistas a uma espécie de reação. Sim, é muito justo que estes se sintam especialmente tocados, mas vamos com calma! O que se viu no “Chalie Hebdo” não foi um ataque ao direito de fazer desenhos, mas ao direito de ter uma opinião distinta de um primado religioso que, atenção!, une todas as correntes do Islã.

É claro que um crente dessa religião tem todo o direito de se ofender quando alguém desenha a imagem do “Profeta” — assim como me ofendo quando alguém sugere que Maria não passava de uma vadia, que inventou a história de um anjo para disfarçar uma corneada no marido. Ocorre que eu não mato ninguém por isso! Ocorre que não existem líderes da minha religião que excitam o ódio por isso. Se um delinquente islâmico queima uma Bíblia, ninguém explode uma bomba numa estação de trem."

Concordo com ele. Nada pode justificar a tragédia do Charlie Hebdo. Nenhuma ideologia estúpida fará desaparecer a agonia de todas as Nações pelo ataque de Paris, que não vitimou apenas a imprensa francesa, mas a imprensa de todo o Mundo, a liberdade de informar, de criticar e de opinar.

As legislações do mundo devem criar regras mais duras para punir quaisquer atentados contra a liberdade de imprensa. Nenhuma lei deverá servir de obstáculo à eliminação de toda e qualquer forma de terrorismo. A democracia e o Estado de Direito não podem ser atropelados pelo terrorismo. O jornalismo mundial precisa ter condições para o exercício de seu sagrado mister.

Afinal, todos nós somos Charlie!




Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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