26 maio 2010

Ilegal, imoral? E daí?

Me pergunto, às vezes, porque faço tantas críticas à classe política, aos órgãos da administração pública, ao Judiciário, ao Ministério Público, enfim, a todas as autoridades e instituições encarregadas de gerir o meu, o seu, o nosso dia-a-dia. Tenho o receio, inclusive, de influenciar as pessoas com opiniões de cunho meramente pessoal, baseadas unicamente na minha interpretação sobre os fatos que formam o nosso cotidiano. Alguém pode pensar, por exemplo, que não gosto do senador FERNANDO COLLOR DE MELLO, a quem já fiz duras críticas, ou do presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, cujas atitudes aqui são reprovadas quase que diariamente, ou, ainda, de seu partido político, o PT, o que não é verdade!

Às vésperas da eleição presidencial de novembro de 1989, eu trabalhava num escritório de advocacia em Nilópolis - RJ, cidade visitada por COLLOR durante a campanha eleitoral. No dia em que ele passou por lá, larguei o meu trabalho e fui para a principal avenida do município, de paletó e gravata, e me pus a correr no meio da multidão atrás do veículo em que ele estava. Queria vê-lo de perto. Queria me aproximar tanto quanto possível do homem que iria receber o meu voto, o meu primeiro voto para presidente. Como toda a nação brasileira, eu também acreditava nele!


Em Lula e no PT eu jamais acreditei! Em 2002, quando todos os resultados já apontavam sua vitória nas eleições, disse ao meu filho que o Brasil iria mergulhar no período mais corrupto de sua história. Não que a corrupção já não existisse, absolutamente! Ela sempre existiu, mas com uma certa sutileza, o que não aconteceria com o PT, que estava prestes a assumir o poder perseguido por 30 anos. A espera foi muito grande e a voracidade de seus integrantes não teria limites, o que ia acabar fazendo com que eles misturassem pernas com bunda.

Mas no dia em que ele assumiu, ouvindo seu discurso de posse, cheguei a me emocionar e confesso, tive uma pontinha de esperança. Deu no que deu!

Como podem ver, as críticas aqui enfileiradas não são gratuitas e nem resultam de posições ideológico/partidárias. Também não são pessimistas, até porque acredito no ser humano e gostaria muito de poder enxergar um amanhã melhor para o meu país, nem tanto por minha causa, porque já trilhei mais da metade do meu caminho, mas por causa dos meus filhos e de todas as gerações do futuro, o que é tarefa das mais difíceis. Querem mais um exemplo?

O jornal O Globo publica hoje uma matéria sobre a propaganda irregular na cidade do Rio de Janeiro. Diz o texto:

"A matemática é a maior aliada das empresas de publicidade que teimam em instalar painéis e outdoors em locais proibidos pelo município ou em áreas que poluem visualmente a beleza da cidade. Afinal, basta fazer as contas para chegar à conclusão de que a irregularidade compensa: a multa diária prevista pela prefeitura para quem mantém propaganda irregular após o recebimento da primeira notificação é de R$ 51 por dia. Só que há um limite de R$ 500, o que significa que a empresa infratora pode continuar à margem da lei por dez, cem ou trezentos dias que terá de pagar a mesma coisa".

A mesma matemática pode ser aplicada ao critério que vem sendo adotado pela justiça do Estado do Rio de Janeiro no momento da fixação das multas para o caso de descumprimento das tutelas antecipadas (medidas liminares) deferidas em face das empresas concessionárias de serviços públicos e bancos, infratores contumazes do Código de Defesa do Consumidor.

Ao deferir as medidas, os juízes costumam fixar uma multa diária, por exemplo, de R$ 50, mas a limitam a R$ 500. Da mesma forma que ocorre com a propaganda irregular, também no Judiciário Fluminense o infrator é grande e único beneficiado, já que a justiça o protege, em detrimento do direito do consumidor.

Trocando em miúdos, imaginemos que um usuário tenha uma despesa de R$ 300 por mês pela utilizado dos serviços de telefonia da Oi, por exemplo. O serviço é bloqueado em maio de 2010, mesmo com a fatura paga, uma das situações mais comuns noticiadas nos processos que se avolumam pelos Juizados Especiais da vida. Ao despachar a inicial, o Juiz defere a tutela antecipada pretendida e manda reativar o serviço no prazo de 48 horas, sob pena de pagamento da multa diária de R$ 50, limitada a R$ 500.

Digamos que a Oi não cumpra a ordem judicial (o que acontece com frequência em razão da desorganização de empresas dessa natureza) e só se dê conta do erro 6 meses depois. O consumidor terá continuado a pagar as faturas de serviço vencidas nos meses subsequentes ao bloqueio, mas a multa que deveria punir a concessionária estancou no 10º dia. Ficou em apenas R$ 500, um verdadeiro prêmio a quem infringiu a lei e causou danos ao consumidor. 

Vale ou não vale a pena descumprir as regras legais? Justificativas? Claro que elas existem! A justiça, aliás, sempre as tem! Ela entende, mesmo quando flagrante o desrespeito à sua própria ordem, que a multa não pode servir ao "enriquecimento ilícito" do cidadão agredido pelo ato injusto da empresa, que também não pode ser compelida ao cumprimento de uma obrigação cujo valor tenha se tornado excessivo, frise-se, pelo decurso do tempo em que durou a desobediência. Em outras palavras: o sujeito não tem o direito de receber a multa fixada para o caso de descumprimento da ordem legal, mesmo quando ela é descumprida, porque isso pode importar no seu "enriquecimento ilícito"!

Como explicar isso ao cidadão? Como faze-lo entender tamanho paradoxo? Por que a justiça, ao invés de punir, protege o infrator? Eu não conheço as respostas para tais perguntas, mas posso apontar duas consequências imediatas desse atuar tendencioso: a primeira é o descrédito cada vez maior do cidadão pela justiça do país. A segunda, perfeitamente compreensível, é o crescente desprezo do empresariado pela legislação que deveria, mas não protege o consumidor, porque suas regras são deturpadas pelos homens encarregados de sua aplicação. Ilegal, imoral? E daí?

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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4 comentários:

  1. Opiniões registradas.

    Forte abraço.

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  2. O que mais tenho gostado ao ter me associado ao Dihitt é o acesso a bons textos como esse aqui.
    Quanto à sua pergunta, não tem explicação meeeeesmo! Eu estou esperando uma audiência há 8 meses num processo que abri por quebra de contrato e perda de alguns bens meus por uma empresa de mudanças.
    8 meses e nada! Sem explicações pela demora.
    Mas vamos continuar botando a boca no trombone, sim.

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  3. "Em Lula e no PT eu jamais acreditei!" to com voce nessa. Um cara que mal trabalhava (só vivia fazendo algazarras e greve) hoje está rico a nossas custas, e ainda acham ele o melhor presidente do Brasil.
    Eu nao sou contra politica, sou contra políticos sujos. Em resumo, sobra quem nessa história?
    abçs e comentei la tb

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  4. O paradoxo é os que fazem as leis não serem "normais" e os que a julgam estão acima delas. São deuses que decidem a quem devem punir e como. O paradoxo é esses deuses terem nascido "normais" e adquirido seus "superpoderes" sugando a energia dos demais.
    Cabe a nós, meros "normais", sonhar um dia subir o Olimpo e desbancar esses deuses.

    Um forte abraço!

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