Essa matéria foi postada no portal da revista ÉPOCA, em 10 de dezembro de 2009. Seu conteúdo, de grande apelo social, não ficou ultrapassado pelo correr do tempo, e eu me aproveito disso agora para fazer um comparativo entre ela e o tema da postagem "HIPOCRISIA OU FALTA DO QUE FAZER?".
Ao invés de se preocupar com o patrulhamento de crianças como JULIA LIRA, que só quer desfilar à frente da bateria de sua escola de samba do coração, a UNIDOS DO VIRADOURO, o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente deveria se espelhar no projeto tema da reportagem, e aí sim, prestar um serviço às crianças das comunidades carentes de sua área de competência. Afinal, criança também tem direito a cidadania!
Leia com atenção:
O SOM QUE SALVA
Um projeto público na periferia de São Paulo ensina música clássica a milhares de crianças carentes
Kátia Mello
Máximo Eduardo Tosta Mello, de 15 anos, subiu ao palco da Sala São Paulo - uma das melhores para concertos de música clássica no mundo - com as mãos suadas. Era 9 de novembro de 2008 e ele mal conseguia segurar seu eufônio - um instrumento de sopro pouco conhecido, semelhante a uma tuba. Máximo traduz seu som como “o mais aveludado e belo da orquestra”. Sozinho, ele tocou o “5º movimento de estudos folclóricos”, de Ralph Vaughan Williams. No final do solo, a sala foi tomada por emocionados aplausos. E Máximo chorou, exausto. “Foi a experiência mais marcante da minha vida”, diz.
Agora Máximo faz testes para ingressar na Banda Sinfônica do Estado. Ele é uma das promessas do programa Guri Santa Marcelina, que, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, oferece formação musical a 7 mil alunos em 21 polos espalhados pela capital paulista, em geral nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Para dar aulas a esses meninos e meninas, foram contratados 190 professores. É o maior programa desse gênero nas metrópoles brasileiras. Para ter uma ideia, o respeitado Instituto Baccarelli, que surgiu há 13 anos com a mesma finalidade de levar a música instrumental às crianças carentes, hoje tem cerca de 500 alunos na comunidade de Heliópolis, em São Paulo. No próximo ano, o Guri Santa Marcelina deverá atingir mais 39 polos (28 escolas estaduais e dez CEUs, escolas municipais). Isso significa que serão 27 mil alunos com aulas gratuitas de música em 2010. O número é grande, mas o potencial de transformação dessa experiência na vida das crianças e dos adolescentes parece ainda maior.
O projeto de São Paulo é uma parceria entre o governo do Estado e as Irmãs Marcelinas (entidade religiosa que já participava da administração do governo José Serra na área de saúde). Ela existe desde dezembro de 2007. Agora, deverá servir como modelo para implementação das aulas obrigatórias de música nas redes municipal e estadual. Em 18 de agosto de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.769, que obriga as escolas a oferecer aulas de música no ensino fundamental e médio. As escolas têm três anos para se adaptar. O ensino musical em escolas públicas, porém, não é barato. Para o programa Guri Santa Marcelina, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo destinou R$ 15 milhões anuais pelo período de quatro anos. Parece muito dinheiro para um país carente investir em algo que aparentemente não é essencial. Mas o resultado é animador.
"Só me vejo fazendo isso”, diz Máximo. Tímido, ele olha para o chão ao falar. Conta que nas horas em que está em seu quarto senta-se na cama e escuta a música do maestro e compositor americano James Curnow. Em sua escrivaninha, ao lado da cama, estão partituras do inglês Philips Sparke. Máximo afirma que os amigos dizem que “ele é doido”. Ele começou a tocar eufônio aos 13 anos e até hoje seu pai custa a acreditar que o menino leva a música clássica a sério. “Minha família não me dá muito crédito”, diz. Órfão de mãe, ele vive com o pai e a madrasta. Meninos como ele trocam o campinho de futebol de terra batida por um quarto fechado, invadido apenas por acordes. Para esses músicos mirins, o gol é marcado quando uma peça de Chopin, de Beethoven ou de Schubert são bem executadas.
Outro destaque do projeto Guri é Fransuelen da Silva, de 11 anos. Se a previsão for confirmada, em alguns anos Fransuelen estará bem empregada em uma das principais orquestras do país. Fran, como é conhecida, toca clarinete e, em agosto deste ano, teve a chance de participar do 7º Festival Bourbon Street, em São Paulo, ao lado do trombonista americano Glen David Andrews e sua banda de Nova Orleans. Não há exagero em dizer que a música transformou a vida dessa garota e de sua família. “Eu era uma peste. Quebrava os copos de casa quando tinha raiva. Também achava que estudar era chato.” Hoje, apaixonada pela música, Fran diz que se tornou aluna exemplar. “Estudar exige dedicação. Mas eu vou me formar em música”, afirma.
A mãe de Fran, Sandra de Souza Silva, de 48 anos, empregada doméstica, relata como a música interferiu na rotina familiar. Antes temia que suas crianças passassem o dia na rua, mas hoje sai sossegada para trabalhar às 4 da manhã. “Sei onde encontrá-las”, diz. A escola de música tornou-se um segundo lar para Fran e seus dois irmãos, Marlon, de 13 anos, que toca trompete, e Júnior, de 15, que toca eufônio. “Eles não faltam um dia na aula e isso me tranquiliza. O Cantinho do Céu é muito perigoso. As crianças vendem drogas aqui na frente de casa”, diz. O Cantinho do Céu é um dos bairros mais violentos da periferia paulistana. Fica no distrito do Grajaú, no extremo sul da capital. No caminho para a escola, Fran, seus irmãos e outras crianças do programa veem crianças levando e trazendo drogas - os chamados “aviõezinhos” dos traficantes. As ruas do bairro são esburacadas, há esgoto a céu aberto, faltam segurança e, principalmente, esperança. Quando conseguem emprestados instrumentos da escola, festa em casa. Na escadaria de azulejo da sala de Fran, em minutos forma-se uma pequena banda. Na casa dos Silvas, ouve-se música clássica.
Sobre o Autor:
Ao invés de se preocupar com o patrulhamento de crianças como JULIA LIRA, que só quer desfilar à frente da bateria de sua escola de samba do coração, a UNIDOS DO VIRADOURO, o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente deveria se espelhar no projeto tema da reportagem, e aí sim, prestar um serviço às crianças das comunidades carentes de sua área de competência. Afinal, criança também tem direito a cidadania!
Leia com atenção:
O SOM QUE SALVA
Um projeto público na periferia de São Paulo ensina música clássica a milhares de crianças carentes
Kátia Mello
NA PERIFERIA
Máximo toca eufônio no CEU Navegantes, em São Paulo. Ele se exibiu na sala de concertos mais importante da cidade
Máximo toca eufônio no CEU Navegantes, em São Paulo. Ele se exibiu na sala de concertos mais importante da cidade
Máximo Eduardo Tosta Mello, de 15 anos, subiu ao palco da Sala São Paulo - uma das melhores para concertos de música clássica no mundo - com as mãos suadas. Era 9 de novembro de 2008 e ele mal conseguia segurar seu eufônio - um instrumento de sopro pouco conhecido, semelhante a uma tuba. Máximo traduz seu som como “o mais aveludado e belo da orquestra”. Sozinho, ele tocou o “5º movimento de estudos folclóricos”, de Ralph Vaughan Williams. No final do solo, a sala foi tomada por emocionados aplausos. E Máximo chorou, exausto. “Foi a experiência mais marcante da minha vida”, diz.
Agora Máximo faz testes para ingressar na Banda Sinfônica do Estado. Ele é uma das promessas do programa Guri Santa Marcelina, que, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, oferece formação musical a 7 mil alunos em 21 polos espalhados pela capital paulista, em geral nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Para dar aulas a esses meninos e meninas, foram contratados 190 professores. É o maior programa desse gênero nas metrópoles brasileiras. Para ter uma ideia, o respeitado Instituto Baccarelli, que surgiu há 13 anos com a mesma finalidade de levar a música instrumental às crianças carentes, hoje tem cerca de 500 alunos na comunidade de Heliópolis, em São Paulo. No próximo ano, o Guri Santa Marcelina deverá atingir mais 39 polos (28 escolas estaduais e dez CEUs, escolas municipais). Isso significa que serão 27 mil alunos com aulas gratuitas de música em 2010. O número é grande, mas o potencial de transformação dessa experiência na vida das crianças e dos adolescentes parece ainda maior.
O projeto de São Paulo é uma parceria entre o governo do Estado e as Irmãs Marcelinas (entidade religiosa que já participava da administração do governo José Serra na área de saúde). Ela existe desde dezembro de 2007. Agora, deverá servir como modelo para implementação das aulas obrigatórias de música nas redes municipal e estadual. Em 18 de agosto de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.769, que obriga as escolas a oferecer aulas de música no ensino fundamental e médio. As escolas têm três anos para se adaptar. O ensino musical em escolas públicas, porém, não é barato. Para o programa Guri Santa Marcelina, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo destinou R$ 15 milhões anuais pelo período de quatro anos. Parece muito dinheiro para um país carente investir em algo que aparentemente não é essencial. Mas o resultado é animador.
"Só me vejo fazendo isso”, diz Máximo. Tímido, ele olha para o chão ao falar. Conta que nas horas em que está em seu quarto senta-se na cama e escuta a música do maestro e compositor americano James Curnow. Em sua escrivaninha, ao lado da cama, estão partituras do inglês Philips Sparke. Máximo afirma que os amigos dizem que “ele é doido”. Ele começou a tocar eufônio aos 13 anos e até hoje seu pai custa a acreditar que o menino leva a música clássica a sério. “Minha família não me dá muito crédito”, diz. Órfão de mãe, ele vive com o pai e a madrasta. Meninos como ele trocam o campinho de futebol de terra batida por um quarto fechado, invadido apenas por acordes. Para esses músicos mirins, o gol é marcado quando uma peça de Chopin, de Beethoven ou de Schubert são bem executadas.
"Fazer música sensibiliza, proporciona raciocínio lógico, concentração, disciplina e memória", Paulo Zuben, músico e gerente do projeto
Outro destaque do projeto Guri é Fransuelen da Silva, de 11 anos. Se a previsão for confirmada, em alguns anos Fransuelen estará bem empregada em uma das principais orquestras do país. Fran, como é conhecida, toca clarinete e, em agosto deste ano, teve a chance de participar do 7º Festival Bourbon Street, em São Paulo, ao lado do trombonista americano Glen David Andrews e sua banda de Nova Orleans. Não há exagero em dizer que a música transformou a vida dessa garota e de sua família. “Eu era uma peste. Quebrava os copos de casa quando tinha raiva. Também achava que estudar era chato.” Hoje, apaixonada pela música, Fran diz que se tornou aluna exemplar. “Estudar exige dedicação. Mas eu vou me formar em música”, afirma.
A mãe de Fran, Sandra de Souza Silva, de 48 anos, empregada doméstica, relata como a música interferiu na rotina familiar. Antes temia que suas crianças passassem o dia na rua, mas hoje sai sossegada para trabalhar às 4 da manhã. “Sei onde encontrá-las”, diz. A escola de música tornou-se um segundo lar para Fran e seus dois irmãos, Marlon, de 13 anos, que toca trompete, e Júnior, de 15, que toca eufônio. “Eles não faltam um dia na aula e isso me tranquiliza. O Cantinho do Céu é muito perigoso. As crianças vendem drogas aqui na frente de casa”, diz. O Cantinho do Céu é um dos bairros mais violentos da periferia paulistana. Fica no distrito do Grajaú, no extremo sul da capital. No caminho para a escola, Fran, seus irmãos e outras crianças do programa veem crianças levando e trazendo drogas - os chamados “aviõezinhos” dos traficantes. As ruas do bairro são esburacadas, há esgoto a céu aberto, faltam segurança e, principalmente, esperança. Quando conseguem emprestados instrumentos da escola, festa em casa. Na escadaria de azulejo da sala de Fran, em minutos forma-se uma pequena banda. Na casa dos Silvas, ouve-se música clássica.
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |
Um assunto muito interessante e muito bem explorado pelo blog. É assim que a gente planta cidadania.
ResponderExcluirUm bom exemplo para o moço que quer proibir o desfile da menina Julia. Você tem razão, Roberto, é pura falta do que fazer.
Concordo com a Telma em genero, número e grau. São iniciativas como essa que levam cidadania para as populações menos favorecidas, principalmente aos jovens. Infelizmente, tem muito mais gente preocupada em promoção pessoal do que na prestação de um serviço efetivo, como está fazendo o blog, por exemplo, divulgando esse tipo de acontecimento.
ResponderExcluirTambém concordo com o blog, e quem queria se promover está conseguindo. É só ler o texto abaixo:
ResponderExcluir"A imprensa internacional repercutiu a polêmica em torno da decisão da Unidos do Viradouro, do Grupo Especial carioca, em coroar a menina Júlia Lira, de sete anos, como rainha de bateria da agremiação. O site da BBC noticiou neste sábado (6) que grupos em prol do direito das crianças acreditam que o posto seja inadequado para uma menina assumir, uma vez que a rainha de bateria tem uma imagem "sexy" demais.
O diretor do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente, Carlos Nicodemos, disse à agência de notícias Associated Press que não pode permitir que coloquem uma criança de sete anos de idade em uma papel que tradicionalmente tem um foco muito sexual.
Já os organizadores da Viradouro disseram que o figurino de Júlia será adequado para uma criança e que ela está preparada para lidar com a dança durante 80 minutos sob o calor forte.
Por enquanto, a Viradouro ainda aguarda a autorização do Juizado de Menores do Rio para que Júlia Lira - filha do presidente da agremiação, Marco Lira - possa assumir o cargo que já foi de Juliana Paes e Luma de Oliveira na Sapucaí".
É só conferir:
http://diversao.terra.com.br/carnaval/2010/noticias/0,,OI4249798-EI14619,00-Imprensa+internacional+repercute+polemica+com+rainha+de+anos.html
Uma bela iniciativa que deveria servir de exemplo prá muita gente, principalmente para aquelas que são responsáveis, de alguma forma, pela educação e proteção de crianças carentes.
ResponderExcluir