29 junho 2010

A flor do deserto




Waris Dirie, uma somali nascida em 1965, atravessou a pé o deserto entre as cidades de Galcaio, onde nasceu, e Mogadiscio, capital da Somália - África, aos 13 anos. Ela fugiu após ser vendida pelo pai a um homem de 60 anos. Sem nada saber da língua e cultura inglesa, foi enviada pela avó materna para trabalhar como empregada na Embaixada da Somália - Londres, onde o fotógrafo Terence Donovan a descobriu. Ela virou uma ferrenha ativista contra a mutilação genital feminina, da qual foi vítima aos 3 anos de idade.

Depois de lançar uma autobiografia e tornar-se embaixadora da ONU, sua história virou filme e chega às telas neste mês de junho. Em visita ao Brasil para divulgar o longa, a também modelo Liya Kebede falou sobre o longa Flor do Deserto e a experiência de encarnar no cinema a saga de Waris.



“Eu não sabia nada sobre ela. Comecei a ler o livro pouco antes de começarem os testes para o filme. Tive muita sorte. Ela tem uma história de vida incrível. Eu adorei interpretá-la”, conta a atriz, que, assim como Waris, é africana e nasceu na Etiópia, país vizinho à Somália, mas não foi circuncidada. “A prática acontece na Etiópia e em muitos países. Waris acredita que o filme fará com que mais pessoas tenham acesso à questão”, explica Liya sobre a brutalidade que fere o corpo e a alma de 6.000 mulheres por dia, na África.

Liya Kebede e Waris Dirie 

A atriz, que também desenvolve um importante trabalho em prol da saúde feminina na Liya Kebede Foundation, só teve a oportunidade de conhecer a ex-top no último dia de filmagem. “Foi muito interessante porque eu estava conhecendo-a pela primeira vez depois de ter vivido sua vida durante todo o filme. Achei estranho no início, mas viramos amigas”, diz ela, que recebeu o prêmio de atriz revelação por sua atuação emocionante, no último Festival de Cannes, em maio.

O portal Cinema com Rapadura comenta o filme:

Flor do deserto, relato cru e impactante da vida da ex-modelo somali Waris Dirie, é um filme que, mesmo abrindo mão de uma qualidade técnica superior, consegue emocionar o público como poucas produções vistas atualmente. A história da garota filha de pais nômades, circuncidada aos 3 anos, que fugiu de casa aos 13, após ser vendida para casamento com um comerciante sexagenário, é forte o suficiente para tornar meramente acessória qualquer outra exigência prática.

Aqui, a linearidade narrativa (cujo roteiro foi inspirado na autobiografia homônima de Waris) e o trabalho arrasador da atriz Liya Kebede, são pontos-chave e principais argumentos para uma sugestão: assista-o. Se optar por fazê-lo, prepare-se para duas horas de representação chocante de uma realidade que não parece tão ferina até ser vista ao vivo ou, ao menos, em uma tela de cinema.

A autobiografia de Waris (equivalente em somali para flor do deserto) tornou-se, ainda em seu ano de lançamento, 1998, best-seller mundial. Desde então, com sua luta massiva e ininterrupta pela proibição da circuncisão no mundo, a ex-nômade foi nomeada Embaixadora Itinerante da ONU contra a mutilação feminina, figura central de um documentário da BBC sobre o tema e, agora, personagem principal de um longa-metragem.

Não é difícil entender porque a história de Waris desperta tanto fascínio em quem tem a oportunidade de ler seus livros ou assistir ao filme baseado em sua história. Tais materiais traçam um relato exato da conturbada fuga de uma garota que, de tão magra, nem parecia ter forças para se sustentar, e mesmo assim se lançou na travessia de um deserto da região até a capital Mogadíscio, de onde segue de avião até Londres.

O mote dos livros, do filme e do engajado discurso de Waris não é, porém, sua trajetória pessoal. Todos os aparentes produtos da história de vida da somali são apenas o pano de fundo de um esforço – dela, em seus livros e depoimentos, e da direção, no filme – para que a realidade de garotas circuncidadas, em um país cuja independência política só foi conseguida no início dos anos 60, e que ainda carrega índices de desenvolvimento social entre os mais baixos do mundo (expectativa de vida: 48,2 anos; mortalidade infantil: 116,3/mil nascimentos), seja conhecida.

Como a própria personagem faz questão de destacar em um dos melhores diálogos do longa, a exploração da imagem de uma ex-nômade transformada em famosa modelo cansou. O que importa, para ela, é a divulgação de um traço cultural que continua causando irreversíveis danos físicos e psicológicos às mulheres somalis.

Escolhida para dar vida a Waris, a atriz e também modelo Liya Kebede consegue conferir um realismo impressionante à personagem. Sua origem etíope e sua ascensão ao posto de uma das modelos mais bem pagas do mundo, tendo estrelado campanhas da Yves Saint-Laurent, Victoria’s Secret, Dolce & Gabanna, Louis Vuitton, Carolina Herrera, entre outras, podem ter garantido uma identificação quase instantânea entre atriz e personagem. O resultado é assustador. Além disso, e ainda deixando de lado a semelhança física entre as duas mulheres, a atuação de Kebede impressiona justamente por ser dotada daquilo que poucas atrizes conseguem dispor com verdadeira eficácia: uma notável carga dramática em uma atuação sem grandes rasgos e picos emocionais.

Não parece justo citar os defeitos técnicos de um filme cujo apelo social grita mais alto que qualquer outro fator, mas deixá-los de lado seria igualmente irresponsável. Se Flor do Deserto acertou no principal, alguns desvios e derrapadas também estão presentes. Determinados recursos de edição são exagerados, assim como algumas sequências do roteiro, o que se torna desnecessário devido ao apurado senso dramático da narrativa. Ao mesmo tempo, a originalidade de alguns ângulos, de alguns planos do deserto africano e de enquadramentos curiosos, também são marcas do filme. Preste atenção na sequência de imagens que precede a aparição dos créditos finais.

Sob todos os aspectos, positivos e negativos, o saldo final de Flor do Deserto é interessante. Não é um filme indicado para quem prefere analisar o conjunto da técnica. Também não é um filme sobre uma ex-nômade que conseguiu vencer na vida e tornou-se uma modelo bem sucedida. Aqui, antes de tudo, os costumes de um povo são colocados em confronto direto com os danos que podem causar. E se a circuncisão pode ser considerada como mais um traço da crueldade humana, Waris Dirie é a prova de que perder as esperanças na humanidade não é a melhor saída.

Deixando de lado as falhas técnicas e desde que se leve em conta somente o alcance de seu aparente objetivo principal, Flor do Deserto merece 10 estrelas".

O nosso PITACO:

Não há dúvidas sobre o espaço conquistado pela mulher nos últimos tempos, mas é preciso avançar em seus direitos, mas não só nos direitos da mulher branca, bonita, bem nascida e culta, mas também nos direitos da mulher, branca ou negra, das comunidades carentes e às indígenas de todo o país.

A sociedade precisa por fim a conceitos e regras discriminatórias que perseguem e estigmatizam a mulher desde que o mundo é mundo. É preciso, urgentemente, dar um basta na violência contra contra ela praticada a cada instante em todos os cantos do planeta, mas principalmente em países mais pobres como os do Continente Africano, onde a mulher, sem dignidade em razão das agressões sofridas, apenas contenta-se em defender a existência miserável.

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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23 comentários:

  1. Olá, to passando pra te desejar uma boa semana,
    gostei desse texto!
    já disse (Jean-Jacques Rousseau)''As mulheres constituem a metade mais bela do mundo''

    o beijo

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  2. esqueci de deixar meu link : http://blig.ig.com.br/driinfinitoparticular

    bjs

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  3. Roberto,o filme parece ser impactante!Conhecer a vida dessa mulher que mesmo tendo vivido a todo tipo de sofrimento e humilhação, ainda assim tem a coragem de relata-los é uma aula para nós quanto mulheres que dirá como ser humano.A mutilação feminina mais do que a cultura de um povo é uma agressão sem precedentes a anatomia e fisiologia feminina,e deve acabar.Muito mais que espaço no mercado de trabalho,antes de tudo temos o direito de ser mulher.
    Bjos

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  4. Já é hora de todos serem iguais, inclusive as mulheres, pois as diferenciadas pela cor da pele, no caso as de raça negra, quase que só são admiradas se forem estrelas, mesmo assim para chegarem até lá é muito mais difícil, os papéis reservados para elas, sejam nos filmes, novelas e outros sempre são irrelevantes.

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  5. Saudações!
    Amigo ROBERTO:
    A descrição em tela, já elegeu que vale a pena conferir a Flor do Deserto, particularmente não conhecia essa preciosidade. O tema é delicado e atual. Com certeza, é uma mega produção que não se deve perder!
    Parabéns por mais um excelente Post!
    Abraços,
    LISON.

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  6. Concordo com você, Lison! Acho que todos deveríamos assistir ao filme. A história de Waris Dirie mostra a luta de uma mulher contra um costume que nos leva a indagar: o que deve prevalecer: o direito da mulher sobre o seu próprio corpo ou o costume da oblação?

    Eu, particularmente, acho que a pessoa deve ter o direito de decidir sobre o que é melhor para si própria. A mulher não pode ser violentada dessa forma. Nem ela nem ninguém!

    Um grande abraço...

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  7. Você tem razão, Braz!

    A mulher, independentemente da cor de sua pele, não pode receber tratamento inferior e discriminatório.

    Um abração...

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  8. Estou de acordo com você, Cecilia!

    A mutilação da mulher, praticada em alguns cantos do mundo não pode continuar, sob nenhum pretexto.

    Como já disse no comentário à postagem do Lison, "acho que a pessoa deve ter o direito de decidir sobre o que é melhor para si própria. A mulher não pode ser violentada dessa forma. Nem ela nem ninguém!"

    Obrigado, mais um vez, pelo apoio e participação...

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  9. Valeu, Dri!

    E essa "metade mais bela do mundo" precisa de dignidade e respeito!

    Um grande abraço...

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  10. Certamente irei conferir esse filme
    não conhecia a história de Waris,alias eu nem sabia
    que ela existia, me pareceu ser uma história fantastica
    principalmente por abordar a vida de uma negra vencedora

    parabéns pelo post

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  11. Roberto ,
    adorei a historia dessas duas negras
    batalhadoras e vencedoras .

    Fiquei até com vontade de assistir logo o filme .
    abs
    Francisco

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  12. Eu também estou curioso, Francisco!

    Deve ser uma história linda!

    Um abração...

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  13. É isso aí, Mariano!

    Uma negra vencedora e corajosa!

    Um abração e obrigado pela sua participação...

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  14. Amigo Roberto, muito interessante a história de vida de Waris Dirie. Não conhecia nada sobre ela, mas fiquei emocionado com tudo que descreveu. Com certeza, o filme Flor do Deserto será brilhante. Parabéns pela excelente postagem. Abraços. Roniel.

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  15. Olá amigo Roberto!
    O filme parece muito interessante e sobre um tema realmente muito impactante. Uma dura realidade que precisa ser mostrada para que todos possam refletir sobre o mundo.
    A Waris Dirie é um exemplo de superação.
    Parabéns pela postagem amigo.
    Forte abraço, Fernandez.

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  16. Gosto de histórias reais. Nem me importo muito com a coisa tecnica, a super produção,enfim, o que me interessa é realmente a história.

    Pelo visto será um filme que irei assistir!

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  17. Eu também acho, Valéria!

    Esse é o tipo da história que vale pelo conteúdo, não pela embalagem.

    Um grande abraço e obrigado por sua passagem aqui pelo Dando Pitacos...

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  18. Com certeza, Fernandez!

    Por isso acho que o filme deve ser assistido por todas as pessoas que se importam com a dignidade e liberdade escolha do ser humano, principalmente da mulher, que ao longo dos tempos sempre foi posta em segundo plano, como um ser inferior (em relação ao homem, claro), o que não é verdadeiro.

    Um abração e obrigado, mais uma vez, pela sua participação...

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  19. Eu não também não conhecia a história, Roniel!

    Li a notícia no início dessa semana, na Época, que não pude mencionar no texto porque emprestei a revista.

    O filme, aliás, já está sendo exibido no Rio de Janeiro.

    Um grande abraço...

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  20. Não sei o que é mais triste: defender sua existência ou sua miséria?
    Sim, porque até a miséria tem de ser defendida. Contrário disso, a existência inexiste.

    Um forte abraço!

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  21. Bem colocado, Sergio!

    Na verdade, as mulheres de algumas castas sociais e origem racial precisam ser defendidas da miséria em que vivem, das agressões sofridas, da discriminação e da desigualdade de tratamento em relação ao home, e pior, também em relação às mulheres de outras regiões geográficas.

    Muita coisa precisa mudar!

    Um grande abraço...

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  22. voces tem que ver o filme é pra chorar, e o livro me fez estremecer e embrulhou o meu estômago, até vomitei, na parte que waris descreve a mutilação genital

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  23. Eu li o livro!

    A história é forte. É preciso ter estômago. A brutalidade é absurda. É por isso que esse tipo de acontecimento precisa ser divulgado, discutido. Não vamos resolver o problema, mas plantar semente de uma solução futura.

    Um abraço...

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