25 julho 2010

Retrato da impunidade


O jornal O Globo traz na edição de hoje (25/07) uma triste notícia, que mostra, em cores vivas, perversas e  extremamente verdadeiras, a falência de um Estado, gerada pela incompetência e omissão de seu aparelho policial e judiciário, o que não se pode admitir em uma Nação que se apresenta ao mundo como democrática e cidadã, num país que quer se sentar à mesa de negociações de órgãos como a ONU.

Na verdade, o crime venceu mais uma vez!


"Números inéditos que estão sendo usados numa tese de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revelam que, de 1991 até maio deste ano, 75.183 pessoas desapareceram no estado. Fábio Araújo, mestre em sociologia e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, sustenta que, desse total, cerca de 10% (7.518 pessoas) foram vítimas de homicídios. Em sua pesquisa, iniciada em 2008, Araújo mostra o perfil dos desaparecidos e se debruça num caso rumoroso, a chamada Chacina de Acari, que completará 20 anos nesta segunda-feira e prescreverá.


Vítimas são homens jovens, moradores de favelas

A série histórica de desaparecidos foi elaborada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) e mostra variações para mais e para menos ao longo dos anos. Com base nos dados, Araújo elabora um ensaio etnográfico dos desaparecidos.

- Geralmente, são homens, jovens, na faixa etária de 18 a 24 anos, e moradores de favelas. Os autores são policiais, milicianos ou traficantes. As mães de Acari (como ficaram conhecidas as mães dos 11 desaparecidos em 26 de julho de 1990) fizeram um trabalho de limpeza moral para provar que seus filhos não eram criminosos. E mesmo que fossem, não deveriam sumir ou ser executados. Há uma ideologia de que, no Brasil, bandido pode ser morto - analisa Araújo, que entrevistou 22 famílias de desaparecidos para sua tese, entre elas, mães dos jovens de Acari e também de oito sumidos de Vigário Geral em 2005.

Às 23h30m de amanhã, chegará a um fim infrutífero um dos mais intrincados inquéritos de que se tem notícia na polícia e no Ministério Público do Rio de Janeiro. Os crimes a que responderiam os responsáveis pela Chacina de Acari prescrevem nesta segunda-feira, após 20 anos. Na sexta-feira, através de e-mail enviado ao GLOBO, o MP praticamente se despediu do caso.

- Lamentável episódio, que não deve ser esquecido, para que não se repitam outros tão cruéis - disse a promotora Cláudia das Graças Mattos de Oliveira Portocarrero, coordenadora da 3 Central de Inquéritos do Ministério Público, onde está o inquérito.


Inquérito será encerrado por falta de provas


A promotora Cláudia das Graças Mattos de Oliveira Portocarrero, coordenadora da 3ª Central de Inquéritos do Ministério Público, concluiu que o inquérito sobre o desaparecimento dos 11 jovens da Favela de Acari será encerrado por falta de provas.

- Quanto à materialidade, jamais foi provada, não tendo sido localizados os corpos das vítimas, embora inúmeros mandados de busca tenham sido levados a efeito, além de pesquisas realizadas por institutos gabaritados, como o Instituto de Geociências da UFRJ - escreveu a promotora num e-mail enviado ao GLOBO".

Abrimos um parênteses neste ponto:

A materialidade dos crimes, segundo a promotora de justiça referida na reportagem, "jamais foi provada", porque os corpos das vítimas não foram localizados, mas o coronel da reserva da Polícia Militar, Valmir Alves Brum, que durante anos investigou a chacina, afirma (na mesma reportagem) que uma testemunha-chave que prestou depoimento ao Ministério Público não foi levada a sério. Segundo ele, ela teria dito até onde "os corpos foram "desovados", quem participou do crime e, também, quem matou Edméa da Silva Euzébio, mãe de uma das vítimas, assassinada em 1993 na Praça Onze, na Cidade Nova, em circunstâncias misteriosas".

Se a afirmação do coronel está correta, algo andou errado nas investigações lideradas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Além disso, algo que também intriga o cidadão comum, mesmo sem a comprovação da necessária materialidade, já que o corpo de Eliza Samúdio até hoje não foi encontrado, o goleiro Bruno, ex-atleta do Flamengo, e várias outras pessoas estão na cadeia. Por que não se adotou a mesma prática à época em relação aos policiais militares tidos como suspeitos daquela barbárie. Será que a origem humilde das vítimas pesou?

Segue a reportagem:

"- As informações, nunca checadas, devem estar no inquérito sobre a morte da Edméa, na Delegacia de Acervo Cartorário da 6 DP (Cidade Nova) - disse Brum.

- O massacre de Acari foi um caso emblemático para Anistia. Na época, a organização lançou uma campanha internacional; membros da Anistia se mobilizaram para apoiar a luta corajosa das mães para apuração do caso e a punção dos responsáveis. Depois de duas décadas sem nenhum progresso, o caso permanece um símbolo dos problemas no Rio hoje dia - comentou Patrick Wilcken, responsável por campanhas no Brasil.


Informações de testemunha teriam sido ignoradas

O coronel da reserva da PM Valmir Alves Brum, que investigou o caso durante anos, revela que uma testemunha-chave que prestou depoimento ao MP não foi levada a sério. Segundo o coronel, ela disse onde os corpos foram "desovados", quem participou do crime e, também, quem matou Edméa da Silva Euzébio, mãe de uma das vítimas, assassinada em 1993 na Praça Onze, na Cidade Nova, em circunstâncias misteriosas.

- As informações, nunca checadas, devem estar no inquérito sobre a morte da Edméa, na Delegacia de Acervo Cartorário da 6 DP (Cidade Nova) - disse Brum.

Mãe de Rosana de Souza Santos, desaparecida aos 18 anos, Marilene Lima de Souza, de 58 anos, lamentou o encerramento das investigações.

- É terrível. Nós nadamos, nadamos e morremos na praia.

O tenente-coronel da reserva da PM Emir Larangeira, na época deputado estadual (PTR) e que fora comandante do 9 BPM (Rocha Miranda), onde seriam lotados alguns dos policiais acusados do crime (os outros seriam da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas), saiu em defesa dos militares:

- Um advogado de traficantes levou as mães dos desaparecidos para fazer o reconhecimento dos policiais. Ele apontou quem deveriam acusar. Fui acusado de melar o reconhecimento, mas não poderia deixar inocentes serem incriminados".

Durante anos, as Mães de Acari, como ficou conhecido o grupo de mulheres que ao longo da década de 1990 ganhou notoriedade na imprensa nacional e internacional pela luta travada contra a impunidade dos assassinos de seus filhos, exigiram não apenas a prisão dos policiais acusados pela chacina dos jovens, como também embarcaram em uma incessante busca pelos corpos das vítimas.

A saga dessas mulheres virou livro por iniciativa do jornalista Carlos Nobre, que durante anos acompanhou os desdobramentos do caso Acari nos diversos veículos de comunicação onde trabalhou. A obra detalha a transformação das Mães de Acari em protagonistas sociais na luta por direitos humanos no Brasil, e como elas influenciaram movimentos similares de luta pelos direitos humanos, como as Mães de Sorocaba, Mães da Praça da Sé, Mães do Rio, Mães de Vítimas de Violência, Mães da Cinelândia.

O autor refaz o trajeto das locas de Acari (adjetivo pelo qual as mães são carinhosamente chamadas, numa alusão às locas da Praça de Maio, mães argentinas que protagonizaram semelhante esforço de luta pelos direitos humanos e pela dignidade de seus filhos, “desaparecidos” no regime militar daquele país), descrevendo desde detalhes apurados sobre o que de fato ocorreu na noite em que os 11 jovens foram seqüestrados, passando pelos depoimentos das mães à Justiça e culminando na transformação das mães em ícones da luta por direitos humanos no Brasil. O livro-reportagem traz ainda depoimentos de duas das mães mais atuantes até hoje.

Publicada em uma parceria da Editora PUC-Rio com a Pallas Editora, a obra é um emocionante registro da busca por justiça em um país marcado pela corrupção e violência policiais.

Li o livro e assino embaixo do que afirmou o sociólogo e ex-subsecretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares: é “impossível parar de ler; impossível não se emocionar; impossível resistir à energia contagiante das Antígonas brasileiras”.

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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3 comentários:

  1. Roberto,nesse país só existe punição,para os negros,pobres,favelados,analfabetos e por aí vai.A chacina em Acarí,vai ficar sem resolução,porque não interessa as entidades competentes;volto a repetir:O filho da Cissa Guimarães,foi a óbito devido um atropelamento,observo toda uma comoção na mídia,nada contra o rapaz,que era bem nascido,morava bem,quantos todos os dias são assassinados e nem chegamos a saber?Porque?São de origem humilde.Isso me entristece de verdade;pois nesse país o senso de justiça tem dois pesos e duas medidas.
    Bjos

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  2. Você tem razão, Cecília!

    A justiça é bem rápida para os menos afortunados, principalmente para os que não podem contratar grandes advogados, lenta na apuração de crimes cometidos pelos órgãos policiais, e praticamente inexistente quando o réu é um político.

    Ela é muito rápida também quando o fato envolve personalidades, como no caso dos jogadores Bruno, Edmundo e Romário, do filho da atriz Cissa Guimarães, da atriz Daniela Perez, entre outros. Casos como esses dão Ibope, acendem holofotes, põem promotores de justiça, delegados de polícia, peritos criminais e advogados na mídia. A competição de egos e a comoção que se instala no seio da sociedade acelera os processos.

    A chacina de Acari também despertou a mídia e até órgãos de defesa dos direitos humanos nacionais e internacionais, mas como as vítimas eram miseráveis...

    Um abração...

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  3. "Onde o vento faz a curva": Lançamento Faça documentário "Lembrar para não esque... http://ondeoventofazacurvalagoinha.blogspot.com/2011/08/lancamento-do-documentario-lembrar-para.html?spref=tw

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