As pinturas datam de cerca de 20.000 anos, e foram encontradas na caverna de Chauvet, no sul da França. Arqueólogos e antropólogos ficaram maravilhados, já que elas são a maior descoberta de pintura rupestre dos últimos 50 anos. O último achado dessa natureza aconteceu em 1942, quando foram encontradas as pinturas da carverna de Lascaux, chamada de Capela Sistina da pré-história. A gruta de Chauvet, em Vallon-Pont-d’Arc, no sul da França, foi descoberta por Jean Chauvet, um caçador de cavernas. Ele estava explorando uma brecha numa rocha e acabou se deparando com uma imensa rede de galerias. São mais de 300 imagens. Há desenhos de feras em todos os cantos da caverna: ursos, panteras, hienas e dezenas de rinocerontes.
A pintura rupestre não é a única fonte de dados sobre o passado. O chão das galerias é também coberto por pegadas humanas, tocos que lembram pincéis, instrumentos de pedra e restos de tochas. Margaret Conkey, antropóloga, afirma que a descoberta trará informações preciosas, o que os estudiosos terão que esperar por algum tempo, já que a caverna foi fechada e só a equipe encarregada de preparar a conservação das imagens, liderada por Jean Clottes, terá acesso ao seu interior. Sabe-se, porém, que as imagens de Chauvet são as mais preservadas entre todas as cavernas conhecidas. Jean Clottes, famoso arqueólogo francês afirma que as imagens “continuam como foram criadas”, esclarecendo que a idade das pinturas é de cerca de 20.000 anos.
Arqueólogos registram que os donos da tecnologia utilizada nas pinturas de Chauvet seriam os chamados solutrenses. Solutrense é o nome da penúltima grande fase da pedra lascada (cultura lítica) desenvolvida pelo homo sapiens na Europa. A mais antiga cultura lítica do sapiens no continente europeu é a aurignacense. Ela se prolonga de 35000 a 25000 anos no passado. Depois dela vêm a gravettiana (de 30000 a 20000 anos), a solutrense (de 25000 a 18000 anos) e a magdalenense (de 18000 a 10 000 anos).
A arte demorou algo em torno de 60.000 anos para ser inventada, conclusão a que se chega porque, do ponto de vista anatômico, o homem moderno tem pelo menos 100.000 anos, e durante a maior parte desse tempo ele permaneceu na África ou no Oriente Médio, locais onde, aparentemente, jamais houve desenvolvimento artístico como ocorreu na Europa há 40.000 anos. A arqueóloga Olga Soffer, da Universidade de Illinois - EUA, diz que não há uma explicação para tanta demora, e como muitos outros cientistas, acredita que a arte foi uma conseqüência natural da evolução das sociedades primitivas. Elas teriam se tornado maiores e desenvolvido tecnologias mais sofisticadas, o que serviu para abrir a mente dos homens. Sociedades maiores, mais complexas, dependem muito da comunicação, e a arte é um dos mais importantes meios de comunicação.
- Estou convencida de que as pinturas têm a ver com os contatos entre os grupos que precisavam se comunicar e, a partir de certa época, esses encontros se tornam muito comuns – afirmou Soffer.
As pinturas encontradas nas cavernas são o retrato de uma revolução cultural que aconteceu na Europa há cerca de 40.000 anos, mas as suas raízes estão enterradas na África, e começaram a crescer há mais de 100.000 anos, época em que, provavelmente na região da Etiópia, teria surgido o homo sapiens. Até onde se sabe, ele não estava ainda ligado à arte. A sua cultura consistia numa enorme habilidade para lascar a pedra e fazer machados, lâminas para raspar (couro ou madeira) e pontas agudas, usadas como armas. Realmente, a palavra cultura, na época pré-histórica, referia-se às diversas técnicas de se lascar a pedra.
A técnica usada pelo sapiens africano define uma cultura conhecida como levalloisense. Ela era muito superior à anterior, o acheulense, criada pelo homo erectus. O erectus se espalhou também pela Europa e desapareceu há cerca de 500.000 anos. Se na África a sua cultura foi substituída pelo levalloisense, na Europa ela deu lugar ao mousteriano, uma cultura associada ao homem de neandertal. Foi na Europa que aconteceram as quatro etapas seguintes da evolução do homem, com o surgimento do homo sapiens: a invenção de novas técnicas de lascar a pedra. Atritando pedra contra pedra, a humanidade aprendeu a esculpir, e mais à frente a pintar.
Segundo o jornal O Globo, ao fazer o documentário em 3D Cave of forgotten dreams (Caverna dos sonhos esquecidos), apresentado pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o cineasta Werner Herzog, de 68 anos, realizou um sonho de infância. De acordo com a reportagem, Herzog, ainda menino, arranjou um trabalho só para comprar um livro sobre pinturas rupestres, e o seu sonho virou realidade quando ele teve acesso à caverna de Chauvet-Pont-d'Arc, descoberta na década de 90, com mais de 400 pinturas rupestres, um dos mais antigos testemunhos de arte da Humanidade. Herzog destaca que Chauvet marca o nascimento da arte, há 32 mil anos, e seus artistas não eram, de forma alguma, primitivos. Para evitar sua degradação, Chauvet está fechada ao público. O filme deve ser apresentado no Festival do Rio, em outubro.
De Los Angeles, onde vive com a mulher, a fotógrafa Lena Pisetski Herzog, Werner diz em entrevista, por telefone, ao O Globo, que "as pinturas mostram o trabalho dos primeiros artistas europeus e a origem do espírito humano". Segundo ele, as pinturas de Chauvet, parte delas em alto relevo, têm a mesma qualidade artística das que foram descobertas em Lascaux (outra gruta na França) feitas 15 mil anos mais tarde. Diferentemente de Lascaux, visitada por muito tempo (agora está fechada) e por isso contaminada por um fungo que ameaça destruir as pinturas, Chauvet nunca será aberta à visitação.
Acompanhe a entrevista de Herzog ao jornal:
"Como teve a idéia de fazer um filme sobre as pinturas rupestres de Chauvet?
WERNER HERZOG: Desde a juventude, tenho uma fascinação enorme por pinturas de caverna, que sempre foram, para mim, um mistério a decifrar. Assim que tomei conhecimento da descoberta de Chauvet, nos anos 90, tive a idéia de fazer um filme sobre o assunto e foi como voltar à minha juventude. Quando tinha cerca de 12 anos de idade, vi na vitrine de uma loja de Munique, onde vivia com a minha família, um livro sobre pinturas de cavernas. Aí eu resolvi trabalhar para juntar o dinheiro e comprar o livro. Ao ver de perto as pinturas fascinantes de Chauvet, tive uma lembrança forte desse episódio da minha juventude.
Foi difícil ter acesso ao lugar?
HERZOG: Foi difícil, principalmente porque apenas um grupo de cientistas, que vem pesquisando o lugar desde a sua descoberta, tem acesso à gruta. Do ponto de vista da história da arte, eu diria do nascimento da arte, Chauvet é muito mais importante do que Lascaux, também na França, que é testemunho de uma época quinze mil anos posterior. As mais de 400 pinturas e gravuras, algumas em alto relevo, de Chauvet, são a expressão artística mais antiga já registrada. Naquela época, o homem de Neandertal ainda vivia, mas não tinha uma cultura, assim como o homo sapiens. Para a humanidade foi a época do nascimento da arte. da música, da cultura, dos mitos, uma tradição que prosseguiu e foi até Picasso, vem até hoje. Eu confesso que, mesmo depois do filme, não consigo imaginar o que essas pessoas pensavam, como elas eram. Mas pinturas dão a idéia de que eram fascinantes.
Essas pessoas gostavam mais de pintar animais?
HERZOG: Os animais eram muito importantes para as pessoas daquela época. Há 30, 35 mil anos, a natureza na Europa era inteiramente diferente da de hoje. Na França havia até leões. As pinturas retratam mais animais do que pessoas. E elas dão uma ideia de uma ligação mais profunda entre seres humanos e animais. São também um testemunho do nascimento da mitologia. As pinturas mostram os trabalhos dos primeiros artistas europeus. Elas são um testemunho do nascimento do espírito humano. Naquela época, as pessoas já costumavam sepultar e chorar os seus mortos.
É verdade que Chauvet nunca será aberta ao público?
HERZOG: Sim, por motivo de conservação. Lascaux foi aberta ao público por um tempo e o resultado do turismo em massa foi o surgimento de um fungo que hoje está destruindo as pinturas. Como Chauvet é muito mais preciosa, por ser duas vezes mais antiga, o plano é de nunca ser aberta ao público. Além disso, o acesso é dificil. O acesso natural à caverna foi fechado há 20 mil anos, depois de um deslizamento de rochas. Por isso, o estado de conservação é excelente. Ainda é possível ver marcas dos pés de pessoas e animais. Os animais, buscavam abrigo ali durante o inverno, e as pessoas tinham a caverna como um lugar onde podiam expressar os seus sentimentos artísticos. Há marcas dos pés de uma criança de oito anos, e, perto, as de um lobo. Ao vê-las, temos a impressão de que eles estiveram ali há pouco tempo.
Foi difícil obter a licença para filmar?
HERZOG: Foi muito difícil, ainda mais porque sou estrangeiro. Eu tive a sorte de Frederic Miterrand, o ministro da Cultura, conhecer e admirar o meu trabalho. Mas isso não interessava às outras pessoas envolvidas no processo de decisão. No final, foi resolvido que, formalmente, eu faria o filme para o Ministério da Cultura da França, mediante a remuneração simbólica de um euro.
O senhor é conhecido como um cineasta que gosta de desafios, como em "Fitzcarraldo", de 1982. Qual foi o maior desafio na realização do documentário sobre Chauvet?
HERZOG: A dificuldade começou com o transporte do material através de uma escada estreita, de dez metros, que dá acesso à caverna propriamente dita. Além disso, a equipe tinha apenas três pessoas e só pudemos filmar durante seis dias, no máximo quatro horas por dia.
Por que resolveu fazer o filme em 3D?
HERZOG: Porque era a única forma de mostrar as imagens como são realmente. Quem vê fotos de pinturas de caverna, pensa que são todas planas. Em Chauvet, há muitas imagens em alto relevo, que são verdadeiras esculturas. As pessoas escavavam as paredes da caverna para dar uma aparência mais real aos animais. Há, por exemplo, um cavalo que pode ser visto em um nicho. Com 3D, o espectador pode ver de forma real como eram as pinturas de caverna pré-históricas.
Quando visitar São Paulo, em maio, vai apresentar seu novo filme?
HERZOG: Na verdade, será uma visita curta, de menos de dois dias. Vou fazer uma conferência a convite de uma editora. Falarei também sobre os meus últimos trabalhos. Mas, antes de São Paulo, estarei em Londres, onde dou um curso de cinema. Nesse curso, tenho alunos também do Brasil. Eu sempre tive uma grande ligação com o Brasil, país que visitei pela primeira vez nos anos 60. Nos anos 90, dirigi, em Bonn, a ópera brasileira "O Guarani", com Plácido Domingo no papel principal".
Veja o vídeo produzido para mostrar a exploração da caverna de Chauvet:
Fonte: O Globo
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |