22 agosto 2011

Canto de fadas

O Segundo Caderno de O Globo publica hoje (22/08), no artigo Canto de Fadas, que "a brisa que sopra do Tejo não é a única fonte de ar fresco a invadir as sinuosas ruelas do centro histórico de Lisboa. Nos arredores de Alfama, Madragoa, Chiado e Bairro Alto, entre o subir e o descer das ladeiras, no abrir e fechar das portas de clubes e casas noturnas, as arredondadas melodias do fado vêm circulando com outros contornos.

Desafiando a crise econômica que acinzenta o ânimo do país, paira na capital e em outros cantos da terrinha uma aura de renovação e criatividade, sobretudo artística, através de uma nova geração de cantoras de fado. Assim como no Brasil, em que vozes femininas surgem aos borbotões, são elas que dominam os lançamentos do gênero em Portugal, renovando uma cena alimentada também por vozes masculinas de destaque, como as de António Zambujo e Camané.


Nomes como Ana Moura, Mafalda Arnauth, Joana Amendoeira, Katia Guerreiro, Cuca Roseta, Raquel Tavares e Ana Marta têm moldado suas carreiras por um olhar que moderniza o mais tradicional gênero musical português, sem deixar de lado sua essência. Elas rompem fronteiras pela experimentação lírica dos poemas musicados, pela escolha da instrumentação que colore os arranjos e pelo modo sutilmente menos dramático como interpretam o que chamam de "verdade da alma".

Sem negar a influência do ícone maior da música lusitana, Amália Rodrigues (1920-1999), e aproveitando o caminho aberto pelo sucesso de cantoras como Mariza e Mísia, as novas fadistas trazem assinatura própria, oferecem outras bossas ao gênero e vêm atingido novos públicos".

Na minha opinião, e me perdoem os amigos portugueses se eu estiver errado, o fado não se canta, se interpreta, até porque, como explica a lisboeta Isabel "Cuca" Roseta, de 29 anos, descoberta pelo compositor argentino Gustavo Santaolalla (Diários de motocicleta e O segredo de Brokeback Mountain), ele revela "uma verdade emocional, um peso, uma experiência de vida. Descreve os sentimentos de um povo e traz uma cadência melancólica, notas em tom menor que carregam a cultura de um país junto ao mar, saudosista, fatalista".

Essa verdadeira "revolução" vem provocando polêmicas, e a principal delas foi muito bem explorada no texto pela também fadista Joana Amendoeira, de 28 anos. Afinal, como renovar um gênero que tem na tradição o seu maior trunfo?

- Essa é uma das grandes dúvidas e das mais problemáticas questões do fado. Algo que separa os puristas, que apenas valorizam e reconhecem os tradicionais, dos apoiadores da evolução e da modernidade - diz a cantora. - Mas a essência nunca morre, porque é adaptável ao tempo. Penso que existe um equilíbrio possível entre passado, presente e futuro. A prova está na história do fado.

Joana recorda os constantes ataques sofridos por Amália Rodrigues quando ela passou a interpretar canções de Alain Oulman, que acabou se tornando seu maior parceiro.

- Ele criou inúmeros fados que à época chamavam de óperas, e hoje são considerados grandes clássicos - explica Joana. - Ao longo dos últimos 150 anos, o gênero evoluiu em todos os níveis, no modo de tocar e cantar, nos temas.

Aliás, num gênero musical em que a experiência de vida é o caminho para se atingir a "verdade das emoções e sentimentos", mulheres na casa dos 20 e 30 anos teriam vivência suficiente para garantir integridade ao fado?

- É necessário maturidade para sentir a poesia e a intensidade do fado. Foi só a partir da adolescência que fui interiorizando cada ensinamento - conta Joana. - Antes, me apaixonava por melodias e certas letras descritivas, não compreendia outros tipos de poemas, para expressá-los com a verdade da alma tão necessária para que aconteça o fado. Um fadista canta sua vivência, e aos 40 anos com certeza terei muito mais para enriquecer meu canto, como tenho agora aos 28 em relação aos meus 18.

Por isso, sem menosprezar o talento das novas fadistas Ana Moura, Mafalda Arnauth, Joana Amendoeira, Katia Guerreiro, Cuca Roseta, Raquel Tavares e Ana Marta, resolvi postar aqui o vídeo que mostra Mariza Acapella, considerada a voz dos poetas de Portugal, cantando Medo, original de Amália Rodrigues, num concerto em Lisboa. Espetacular!





Fonte: O Globo



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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