A crise instalada no Senado Federal em 2009, quando foram descobertos os atos secretos que nomeavam parentes e funcionários fantasmas, não assustou os senhores senadores nem afetou o hábito do empreguismo. Muito ao contrário, a Casa da Mãe Joana continua a acomodar profissionais que recebem dos cofres públicos mas exercem atividades particulares, e até pessoas que respondem a processos por mau uso de recursos do contribuinte.
Um levantamento realizado com base no Quadro de Servidores Efetivos e Comissionados demonstra que dos 81 senadores, pelo menos 25 deles (o que corresponde a 30%) abrigam em seus escritórios em Brasília ou nos Estados de origem desde estudantes que moram fora do Brasil, até médicos e advogados que passam o dia entre clínicas e tribunais. Há também casos de aliados que enfrentam denúncias do Ministério Público ou até mesmo foram cassados por compra de votos.
E não é coisa de um só partido. A imoralidade é geral, independentemente de siglas ou bandeiras.
Renan Calheiros (PMDB-AL), por exemplo, depois de renunciar à Presidência do Senado em face da acusação de ter recebido dinheiro de um lobista, mantém velhos conhecidos em seu gabinete. Em 2011, resolveu chamar para trabalhar no escritório regional a fisioterapeuta Patrícia de Moraes Souza Muniz Falcão, que de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - Cnes do SUS, trabalha em duas clínicas, uma delas o Instituto Graça Calheiros, por 40 horas semanais.
Além disso, o líder do PMDB não abre mão de Vânia Lins Uchôa Lopes, mulher de seu primo, o empresário Tito Uchôa, sócio do filho do senador, o deputado Renan Calheiros Filho, no Sistema Costa Dourada de Difusão. Mesmo tendo que deixar um cargo na presidência do Senado em 2009, acusada de ser funcionária-fantasma, ela foi recontratada no mesmo ano e até hoje é paga pelo Senado. Perguntado sobre os assuntos, Renan, descaradamente, disse que não sabe de nada.
Agripino Maia, presidente do DEM-RN, até a semana passada pagava a uma servidora fantasma mais de R$ 4 mil mensais em seu escritório político no Rio Grande do Norte - RN. A moça, estudante de medicina, em agosto de 2011, quando deveria estar a serviço do senador em Natal, foi fazer um estágio na Espanha. Mas também pudera, Gleika de Araújo Maia é sobrinha do deputado João Maia (PR-RN) e do ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, demitido por manter escondidos os atos de nomeações e benefícios de pessoas protegidas pelos senadores. Uma verdadeira festa em família. Depois que o assunto se tornou público, o senador, claro, lógico e evidente, demitiu a funcionária.
No mesmo Rio Grande do Norte - RN, o senador Paulo Davim (PV) paga R$ 8,1 mil à cardiologista Carla Karini de Andrade Costa, sua sócia em uma clínica no Estado. Segundo dados do Ministério da Saúde, ela cumpre 50 horas semanais de trabalho no exercício da Medicina. Mesmo assim, a assessoria de Davim sustenta que 80% dos pronunciamentos do senador na tribuna do plenário versam sobre saúde, e que ela, claro, lógico e evidente, seria a sua consultora técnica.
Além desses casos, há os parlamentares que não se importam com o passado de seus funcionários de confiança. O ex-governador do Piauí, senador Wellington Dias (PT-PI), por exemplo, emprega em seu escritório no Estado o ex-prefeito de São Pedro do Piauí, Higino Barbosa Filho, cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral em 3 de novembro de 2009 por abuso de poder econômico e captação irregular de votos. Ele responde a três ações por improbidade administrativa. Wellington alegou que o processo não transitou em julgado - embora Higino tenha sido afastado do mandato por decisão judicial.
A seu turno, o senador Ivo Cassol (PP-RO) convive e patrocina uma ilegalidade. O jornalista Francisco Sued de Brito Pinheiro Filho, nomeado como assistente parlamentar em 1 de dezembro do ano passado, ganhou outro cargo público, na Assembleia Legislativa de Rondônia, onde foi nomeado, em 1 de fevereiro deste ano, para trabalhar no gabinete da presidência. Embora o acúmulo de função pública seja proibido por lei, Sued continua a receber pelo Senado e pela Assembleia. A assessoria do senador disse, há 10 dias, que Cassol já havia identificado o problema e mandara demitir o funcionário. No entanto, até sexta-feira ele continuava como servidor federal, de acordo com o Quadro de Servidores Efetivos e Comissionados do Senado.
Cassol ainda emprega Carlos Alberto Canosa, seu ex-secretário de Assuntos Estratégicos quando ele foi governador de Rondônia. O Tribunal de Contas do Estado - TCE pediu abertura de investigação contra Canosa por irregularidades em contrato de R$ 15 milhões para publicidade do governo.
Até a toda poderosa presidente da Confederação Nacional da Agricultura - CNA, senadora Kátia Abreu (PSD-TO) mantém em seu time de funcionários Sani Jair Garay Naiamayer. Em dezembro de 2008, a Justiça do Trabalho anulou uma sentença em que o filho de Sani, Cláudio Márcio Almeida Naimayer, ganhou direitos trabalhistas em uma ação indenizatória contra o pai. O Ministério Público do Trabalho comprovou que a ação foi fraudulenta porque a fazenda Nova Querência, de Sani, sofria duas execuções financeiras da Fazenda Pública do Tocantins, além de duas hipotecas em favor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Se isso não fosse o suficiente para mostrar o descaso da senadora com a ética parlamentar, ela ainda emprega Abdon Mendes Ferreira, condenado pelo TCE a devolver R$ 123 mil aos cofres públicos de Crixás por gasto irregular com alimentação, hospedagem e obras.
Confira a relação dos senadores que empregam fantasmas e parentes clicando aqui, ou neste link, se você quiser saber sobre os advogados de bancos e empreiteiras que também estão na folha do Senado.
Ricardo Caldas, cientista político da Universidade de Brasília, disse que a presença de fantasmas e condenados por desvio de dinheiro público faz parte da cultura política do país, que ainda se pauta pela troca de favores.
- Ou você acredita que o senador não está retribuindo um favor? O sistema tende a acobertar até mesmo delitos de outros políticos. Tudo é tolerado até que vire escândalo. Tudo pode ser feito, se não for divulgado.
É por isso que ninguém denuncia ninguém. São todos farinha do mesmo saco!
Qual a sua opinião sobre o assunto? Você acha errado ou faria o mesmo se estivesse ocupando uma cadeira na Casa da Mãe Joana?
Fonte: O Globo
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |