25 março 2012

Universitária alega ter sido vítima de discriminação religiosa

Raymunda Gomes Damasceno Bascom, de 44 anos, uma simpatica estudante de direito da Universidade Estadual de Roraima - RR, acabou na delegacia de Boa Vista na tarde da última sexta-feira (23/03), depois que uma de suas professoras recusou-se a dar aula, segundo ela, em razão de seus trajes e objetos pessoais. Ela afirma ter sido vítima de discriminação religiosa. A instituição de ensino aguarda um parecer de sua assessoria jurídica para poder se pronunciar a respeito do problema.

Adepta de uma religião de matriz africana, todas as sextas-feiras ela veste saia branca, blusa azul, colares e adornos na cabeça, e carrega consigo objetos como uma pequena bíblia, uma pequena boneca, livros, dicionários, frutas e uma caneca para evitar o desperdício de copos descartáveis.

Ray, como é conhecida entre os colegas, disse que tem aulas de direito administrativo com a mesma professora todas as quintas e sextas-feiras desde a segunda semana de fevereiro, mas que seu modo de vestir e seus objetos nunca foram motivo de conflito. Ontem, a aula seria de direito administrativo.

- Quando ela chegou, depois de dar bom dia, ela virou para mim e perguntou "o que é isto?". Eu não sei a que ela se referia, então respondi "este é o meu jeito de vestir na sexta-feira", e ela disse que era para eu tirar as coisas, inclusive da minha mesa, tudo o que não tivesse que ter com direito administrativo, senão ela não ia dar aula - contou Ray.

Em um vídeo gravado por uma aluna que estava na sala de aula e enviado à TV Roraima, a professora, depois de ver os objetos sobre a mesa de Ray, diz:

- Isso não faz parte da aula. Você vai ficar só com o seu caderno e sua caneta.

A iniciativa gerou reação dos colegas de Raymunda, ao que a professora afirmou:

- Se vocês querem fazer qualquer tipo de manifestação utilizem os meios cabíveis. Eu sei que só tem uma pessoa aqui que está fazendo este tipo de coisa, mas como tenho que falar com a sala inteira. Eu não vou dar aula com este tipo de coisa aqui. Isto não faz parte da aula de direito administrativo. Vou dar dois minutos para você retirar. Se você não retirar eu não vou dar aula.

Uma aluna que preferiu não se identificar, afirmou que ouviu a professora dizendo que daria dois minutos para que Raymunda retirasse da carteira todos os objetos sem relação com a disciplina de direito administrativo.

- Ela foi bem categórica, disse "isso não tem nada a ver com a aula, eu lhe dou dois minutos para você retirar - contou a jovem.

Ainda de acordo com ela, Raymunda levantou-se disposta a obedecer a ordem da professora, no que foi impedida pelos colegas, que alegaram não haver no regulamento da universidade qualquer proibição desse tipo e que a posição adotada pela professora seria inconstitucional.

- Alguns alunos se exaltaram com a professora, e ela também, e então falou que não ficaria lá batendo boca com os alunos e saiu da sala - contou a aluna, que classificou a professora como "bem rígida" e afirmou que diversas situações de conflito entre ela e a turma já vinham acontecendo desde o início do semestre.

- Por isso todo mundo ficou a favor da Ray - finalizou a colega de Raymunda.

Em razão do ocorrido, Raymunda registrou um boletim de ocorrência de segregação no 1º Distrito Policial de Boa Vista, assinou um termo de declarações na Promotoria de Educação do Ministério Público Federal, além de buscar apoio na Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB em Roraima.

As questões religiosas sempre geram polêmica, principalmente por causa da interpretação de cada um.

Pelo que entendi, e isso ficou bem claro no relato da aluna que assistiu ao desentendimento, a professora não fez qualquer afirmação que pudesse caracterizar um comportamento discriminatória em relação à religião de Raymunda, mas apenas ordenou que ela "retirasse da carteira todos os objetos sem relação com a disciplina de direito administrativo".

Talvez a professora tenha pecado pelo excesso, mesmo equívoco cometido pelos colegas de Ray, que logo partiram para a questão da "constitucionalidade" da iniciativa, coisa comum em todo estudante de Direito que ainda nem entrou no ônibus, mas já quer se sentar à janela.

Vamos imaginar que cada praticante de uma religião de raiz africana levasse para a sua sala de aula, em qualquer nível, os objetos e acessórios utilizados em seus cultos. Isso estaria, como se adora dizer hoje em dia, "politicamente correto"? E os católicos, com seus crucifixos e imagens? E os evangélicos, que não aceitam nem uma coisa nem outra?

A nossa Constituição, atenta ao direito à liberdade religiosa, estabelece textualmente em seu artigo 5º, que é “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (inciso VI), e que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (inciso VIII).

Não seria melhor, em obediência à laicidade do Estado brasileiro consagrada na Constituição Federal, que cada um respeitasse um pouco mais a crença alheia e não tentasse impor-lhe a doutrina e os aparatos de sua própria regilião, principalmente em locais públicos? Será que esse tipo de acontecimento, lamentável sob todos os aspectos, não poderia ser resolvido com uma simples dose de bom senso? Qual é a sua opinião?


Fonte: G1



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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