Há muito tempo nos habituamos a chegar num barzinho, num final de tarde, e encontrar várias mesas só de mulheres. Nas madrugadas adentro, sempre de copo na mão, elas já dividem terreno com os homens também nas baladas e até participam daquelas competições, a meu ver idiotas, do "quem bebe mais".
É isso aí! As mulheres estão bebendo cada vez mais, fato confirmado por pesquisa do Ministério da Saúde e do Hospital das Clínicas. Há 15 anos atrás, por exemplo, a proporção do consumo de bebida alcoólica era de duas mulheres para cada dez homens. Hoje, são oito para cada dez. Profissionais da área afirmam que nunca se viu tantas mulheres pedindo ajuda para parar de beber.
O psicólogo Cláudio Márcio Salviano, de Bauru - SP, que há mais de 20 anos atua junto a dependentes químicos, diz que nos últimos 3 anos o número de mulheres enfrentando o drama do alcoolismo cresceu cerca de 30%.
Para que você possa ter uma ideia, nos Alcoólicos Anônimos de Bauru, elas já representam 30% do grupo atual, o maior número já visto. E interessante: quanto maior o grau de instrução das mulheres, maior o risco da bebida, ao contrário do que acontece entre os homens. Buscando prestar um auxílio mais efetivo, profissionais do ramo vêm tentando encontrar os motivos do aumento do consumo de bebidas entre as mulheres.
Salviano e um dos coordenadores dos Alcoólicos Anônimos de Bauru, que acompanha o grupo há 29 anos, mais a psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial de Bauru, Valéria Morón Perri Gimenez, têm suas suspeitas. Para eles, a independência feminina, o dia-a-dia estressante, os novos modelos de família onde a separação se torna cada vez mais comum e as grandes pressões sociais sofridas pelas mulheres são os fatores a serem considerados.
Um dos problemas mais graves é que beber em excesso faz mal à saúde, tanto do homem quanto da mulher, mas elas sofrem mais com o efeito do álcool do que os homens, e um dos motivos é a constituição física menor. Quando a mulher bebe a mesma quantidade do homem, seus os órgãos internos ficam mais expostos aos efeitos danosos do álcool. Além disso, a mulher tem menos concentração de líquidos, o que deixa o álcool mais diluído no corpo em forma de etanol, substância que intoxica todos os órgãos e principalmente o fígado.
Mas não é só. O estrogênio, hormônio feminino produzido a partir da adolescência, também colabora para acelerar os efeitos prejudiciais do álcool. Nas mulheres, o excesso de bebida, além de produzir doenças como hepatite e cirrose, também aumenta o risco de câncer de mama.
A coisa parece ter relação direta com uma visão equivocada das mulheres sobre a independência conquistada: a ideia de que “se o homem pode, eu também posso”, extremamente positiva no início, vem se transformando em algo negativo, principalmente quando o assunto é a bebida alcoólica. Além disso, as transformações por que vem passando a sociedade nos últimos tempos, principalmente no que se refere à estrutura familiar e ao papel social, parece fazer com que a mulher busque no álcool uma forma de prazer mais fácil.
A jovem Luana (o nome é fictício), de 27 anos, viveu a experiência e frequenta os Alcoólicos Anônimos de Bauru há cerca de um ano. Ela começou a beber na adolescência porque não conseguia conviver com sua timidez e obrigações sociais.
- Antes de ir para a escola eu bebia um pouquinho para conseguir me soltar. Daí, comecei a trabalhar e não conseguia ir para trabalho sem beber um pouco. Parecia que precisava estar bêbada para enfrentar o mundo - conta.
Aos 18 anos, ela não conseguia passar um dia sem beber, o que a levou a parar os estudos. Teimosa, negava-se a aceitar qualquer tipo de ajuda. Foi internada contra a vontade por 3 vezes. Nessa brincadeira, chegou a emagrecer mais de 30 quilos e precisou passar por uma cirurgia de intestino porque, em determinado momento, decidiu que não iria mais comer.
- Eu só bebia. Sem parar.
Luana diz ainda que saía dos bares e baladas de Bauru completamente alcoolizada, e prefere não lembrar do que chegou a fazer.
- Eu tenho vergonha de mim - arrematou.
Valéria Morón diz que a sensação de vergonha é comum entre as mulheres que consomem muito álcool. Segundo ela, para manter o vício, algumas mulheres que ela atende caem no mundo do roubo e da prostituição, situação que fica ainda mais grave no caso das gestantes:
- Elas se recusam a fazer o pré-natal e colocam o bebê em risco.
Uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo - Unesp, que observou o uso de álcool pelos estudantes do ensino médio e fundamental das escolas públicas e privadas de Botucatu - SP, concluiu que as meninas exageram bem mais que os meninos na hora de beber.
Foram 1507 estudantes entrevistados sobre o consumo de álcool, drogas, comportamento violento e hábito de beber entre familiares e amigos. Todos menores de 18 anos. De acordo com os dados colhidos, 38,8% dos estudantes do ensino fundamental (6 a 9 série), e 73,5% do ensino médio afirmaram ter bebido pelo menos uma vez na vida. O uso de álcool no último ano foi relatado por 8,5% dos estudantes do fundamental e 40,7% do ensino médio.
O estudo foi o trabalho de dissertação da assistente social Priscila Lopes Corrêa, aluna do núcleo de Saúde Coletiva da Unesp. Para ela, o dado que mais chamou atenção está relacionado às mulheres. As estudantes estão mais propensas a “beber com embriaguez”, termo que define o consumo igual ou superior a cinco doses para homens, e quatro doses ou mais para as mulheres. O fato, somado à pouca maturidade dos adolescentes, pode favorecer o comportamentos de risco, como a prática do sexo sem proteção.
- Os principais fatores que influenciaram eram os amigos, a classe social, normalmente com melhor poder aquisitivo, e o jovens sem qualquer tipo de religião - escreveu Priscila.
Para ela, o estudo demonstra a utilização e o contato de menores de idade com álcool, mesmo que isso seja proibido pela legislação brasileira.
- Falta fiscalização nos estabelecimentos que vendem bebidas, estabelecer uma política clara sobre o uso do álcool para pessoas jovens e programas para prevenir o uso com promoção de práticas de lazer mais saudáveis - afirma a jovem pesquisadora.
A utilização de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes, a violência em casa e nas escolas, o uso cada vez maior de drogas de todos os tipos e a prostituição, são problemas que estão a exigir uma vigilância e cuidados mais severos das autoridades e da própria sociedade. Não dá mais para fingir que nada está acontecendo.
Fonte: G1
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |