29 julho 2012

Quem deve decidir sobre o parto domiciliar, a mulher ou o médico?

Integrantes do grupo feminista Femen aqui no Brasil realizaram neste domingo um protesto contra a proibição do parto humanizado no vão livre do Museu de Arte de São Paulo - Masp, na Avenida Paulista, em São Paulo. De acordo com Sara Winter, a primeira brasileira a se juntar ao grupo, a mulher tem o direito de escolher a de que forma vai ter o seu filho, se em casa ou no hospital. Na manifestação, que foi rápida, ela teve a ajuda de Bruna Tene, também integrante do movimento. A dupla, com os seios à mostra, marca registrada dos protestos do Femen, encenou um parto. Não houve repressão policial.

- No Brasil não há qualidade nem atendimento digno à mulher que queira ter seu filho no sistema público de saúde, não há preocupação com o bem estar da mulher e do recém-nascido. Faltam leitos e a comida é de baixa qualidade, o índice de infecções hospitalares é um dos maiores no mundo - diz comunicado divulgado pelo Femen Brasil.

Como já mostramos aqui no Dando Pitacos, o Femen nasceu na Ucrânia em 2008 e realiza manifestações nos quatro cantos do planeta buscando o direito da mulher e das crianças e o fim de práticas como o turismo e a exploração sexual de mulheres.

O alvo do protesto foram as Resoluções 265 e 266, do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro - Cremerj, publicadas no dia 19 de julho último no Diário Oficial. A primeira proíbe e pune disciplinarmente os médicos que venham a participar da realização de partos domiciliares. A segunda, veda o acompanhamento dos partos nas maternidades pelas doulas, decisão que causou revolta entre profissionais que atuam na área.

- É um retrocesso absurdo - disse Mariana Feola, filha da apresentadora Ana Maria Braga, que crítica a decisão com veemência. Para ela, a decisão de dar à luz o bebê em casa é opção da mulher e não pelo médico obstetra.


Mariana Feola e a filha, nascida de parto domiciliar
(foto: arquivo pessoal/Marcelly Ribeiro)



- Os representantes do Cremerj não são deuses para proibir as mulheres de terem seus filhos em casa. A Organização Mundial da Saúde - OMS defende o direito da mãe de escolher. O que acontece no Brasil é que há um cartel das maternidades, que age em prol das cesarianas, para o lucro maior dos médicos. Esse é um modelo falido, como já mostram países mais desenvolvidos. Alguns estados são retrógrados e provincianos. Com certeza, o Cremerj vai ter de voltar atrás porque o que estão fazendo é um retrocesso absurdo.

Jorge Francisco Kuhn dos Santos, médico obstetra e professor da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, diz que o parto domiciliar é uma opção para a mulher que deseja dar à luz com menos chances de sofrer intervenções que são costumeiras no ambiente hospitalar, consideradas dolororas e, muitas vezes, danosas.

- Evita, por exemplo, a realização de procedimentos como a episiotomia (um corte cirúrgico feito no períneo, a região muscular que fica entre a vagina e o ânus, para facilitar a saída do bebê). A mulher não recebe soro que força contrações uterinas e ainda evita o risco de procedimento cirúrgico desnecessário, como a cesariana. Quem opta pelo parto domiciliar tem conhecimento e consciência sobre o assunto - afirma o médico.

Ainda de acordo com ele, que trabalha com partos domiciliares há dez anos, ter um bebê em casa é seguro desde que sejam estabelecidas algumas regras.

- Tem que ser um desejo da gestante; ela não deve ter doenças como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos ou outras intercorrências clínicas, ou seja, deve gozar de perfeita saúde; e deve haver um plano de contigência, em casos de emergência.

Apesar de não recomendar o parto domiciliar por falta de evidências sobre a segurança do procedimento, Olimpio Moraes, obstetra e vice-presidente para o Nordeste da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - Febrasgo, diz que a instituição é contrária à postura do órgão carioca porque ela mexe “com a liberdade das mulheres” e levanta o debate sobre as técnicas obstétricas utilizadas nos hospitais do país.

Segundo ele, há um modelo cultural no Brasil que indica a cesariana como o melhor procedimento, do que se aproveitam os médicos para forçar as mães a realizar a técnica, que coincidentemente proporciona maiores ganhos financeiros e menor tempo de dedicação dos médicos.

A prática, no entanto, nem sempre é aprovada pelas grávidas.

- Devido à carga excessiva de trabalho dos profissionais, eles não conseguem atender todas as gestantes que acompanham. Isso faz com que ocorra uma epidemia de cesáreas no país. O Cremerj também deveria processar aqueles médicos que fazem cesárea sem o consentimento da paciente, que prefere o parto normal - conclui Moraes.

Aliás, dados fornecidos pelo Ministério da Saúde sobre partos realizados no país, somados às informações das redes pública e privada, mostram que o nascimento de bebês por cesariana já é maior do que a quantidade de partos naturais. Em 2010, por exemplo, foram 1,49 milhão de cesarianas contra 1,36 milhão de partos naturais. Será que Mariana e os médicos Jorge Francisco e Olímpio Moraes estão certos em suas opiniões? Será que teremos que discutir ética e corrupção até mesmo na hora do parto?





Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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