30 março 2013

Somos um Estado laico. Até quando?



Além da Sexta-Feira Santa, que marca o sofrimento e a morte de Jesus Cristo na cruz, e acontece sempre na primeira sexta-feira após a primeira lua cheia da primavera, no Hemisfério Norte, ou do outono, no Hemisfério Sul, o nosso calendário fixa feriados como o do dia da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, Corpus Christi e o Natal, sem falar, é claro, nos feriados comemorados em algumas regiões do país, como os dias de São Sebastião e São Jorge, no Rio de Janeiro. Mas não somos um Estado laico?


Alguns especialistas em Direito religioso explicam que tais comemorações fazem parte da tradição aceita pela sociedade brasileira em razão de questões históricas e culturais, já que na época do Brasil Colônia, quando éramos dependentes de Portugal, a religião oficial era o catolicismo.

A mudança legislativa que permitiu a liberdade de crença, que não poderia ser exercida em espaços públicos, se não me engano, surgiu no Brasil Império em 1824. A partir da proclamação da República, em 1890, é que um decreto estabeleceu a liberdade de culto de todas as religiões, mas manteve o catolicismo como crença principal. Um ano depois, com o advento da Constituição de 1891, é que houve a separação entre a igreja e o Estado, deixando de existir uma religião oficial.

Ainda segundo os especialistas, mesmo depois de decorridos mais de 120 anos, os reflexos, tanto na definição de feriados, como na escolha de nomes religiosos para cidades e até na utilização de representações da crença em espaços públicos, como crucifixos em repartições públicas como tribunais, câmaras de vereadores e prefeituras, continuam a ter conotações cristãs, o que acontece porque a Igreja Católica foi oficial no Brasil por mais de 400 anos.

Além disso, também de acordo com os estudiosos do Direito religioso, o outro fator de grande influência na determinação dos feriados está na predominância da religião católica no Brasil, ainda que seu número de fiéis tenha diminuído nas últimas décadas. Segundo dados do Censo realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, divulgados no ano passado, o percentual de católicos caiu 12,2% entre os anos de 2000 e 2010. Ainda assim, a religião católica foi a opção declarada por dois em cada três brasileiros.

Como se pode ver, mesmo a partir da Constituição de 1988, que reforçou a importância do Estado laico e o respeito à liberdade de crença, a tradição cristã vem sendo mantida, o que deixa fora do rol dos feriados datas como a da comemoração do Yon Kippur, pelos judeus, e o mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã.

O assunto, há que se reconhecer, é extremamente polêmico, tanto que no fim do ano passado, o Ministério Público Federal de São Paulo pediu à Justiça que retirasse a frase “Deus seja louvado” das cédulas de reais. Na ação, movida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, o procurador regional dos direitos do cidadão, Jefferson Aparecido Dias, sustenta que a inscrição fere o princípio do Estado laico, além de excluir minorias, pois promove uma religião em detrimento das demais.

A pretensão foi negada, em caráter provisório, pela 7ª Vara da Justiça Federal paulista, ao entendimento de que a menção a Deus nas notas do real "não parece ser um direcionamento estatal na vida do indivíduo que o obrigue a adotar ou não determinada crença", o que também acontece com "os feriados religiosos e outras tantas manifestações aceitas neste sentido, como o nome de cidades".

Numa tentativa clara de barrar a pretensão do Ministério Público Federal paulista, tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei de autoria do deputado Eduardo da Fonte, que torna obrigatória a utilização da expressão "Deus seja louvado" nas cédulas de real. É uma verdadeira guerra!

Mas o pior ainda está por vir.


A Proposta de Emenda à Constituição - PEC 99/11, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), aprovada na última quarta-feira (27/03) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal - STF. Entre tais entidades estão, por exemplo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional. A proposta vai ser analisada por uma comissão especial e votada no Plenário em dois turnos.


Atualmente, só o presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os governadores de Estado ou do Distrito Federal, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional podem propor esse tipo de ação.

A aprovação da emenda vai permitir que entidades religiosas possam questionar leis no Supremo Tribunal Federal - STF, o que representa uma séria ameaça ao Estado laico, um risco para a liberdade de crenças consagrada na Carta Constitucional de 1988, uma espécie de retrocesso à teocracia, sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de alguma religião, como acontece hoje no Vaticano, regido pela Igreja Católica e que tem como chefe de Estado o Papa; no Irã, que é controlado pelos aiatolás, líderes religiosos islâmicos, desde a Revolução Islâmica de 1979, e em Israel, que é oficialmente um Estado judeu. O que você acha deste verdadeiro imbróglio? Deixe o seu comentário.






Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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