31 março 2014

Pais tentam liberar na justiça remédio derivado da maconha para tratar os filhos

Foto: reprodução

Todo mundo sabe que a lei brasileira proíbe a posse, o uso e a comercialização da maconha. O mesmo acontece praticamente em todo o mundo desde o início do século XX. A única exceção, salvo engano, é o Uruguai, que legalizou o cultivo, a venda e o consumo da erva em 10 de dezembro de 2013. A proibição do consumo da Cannabis Sativa espalhou-se pelo globo a partir da Convenção Internacional do Ópio, realizada na cidade de Haia - Holanda, em 1912, quando diversas nações decidiram proibir o comércio mundial do "cânhamo indiano".

Aqui no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, proíbe o uso de todos os derivados da maconha, inclusive o Canabidiol, também conhecido como CBD, que é uma das 400 substâncias encontradas na erva, mas segundo especialistas, diferentemente da droga fumada, não altera os sentidos nem provoca dependência. Por isso, alguns pais estão se arriscando a tratar os filhos com o suplemento, que é trazida dos Estados Unidos de forma ilegal.

A menina Anny, por exemplo, sofre de uma rara doença que provoca convulsões, e o único remédio que mostrou resultados no tratamento dela foi o Canabidiol.

- Anny, 5 anos, é a minha filha. É portadora de patologia muito rara, apresenta quadro clínico com distúrbio psicomotor decorrente de uma patologia cerebral. E que, dentre os sintomas, tem crises convulsivas resistentes a todas as medicações possíveis no país. Justifico a solicitação de Canabidiol baseado nos itens acima - diz Katiele Fischer, mãe da criança, em um documentário.

Apesar de conhecer a proibição, Katiele não titubeia:

- Quando a gente ficou sabendo do CBD, que nós decidimos importar, nós tínhamos a consciência que era um produto derivado da Cannabis Sativa e por esse motivo ilegal no país. Mas o desespero de você ver a sua filha convulsionando todos os dias a todos os momentos, nós resolvemos encarar e trazer da forma que fosse necessária, mesmo que fosse traficando.

A polêmica sobre o uso medicinal da maconha, não há dúvidas, envolve preconceito, ciência e saúde, mas os pais de Anny estão dispostos a tudo para superar os obstáculos e dar à filha o tratamento que acreditam ser o único eficaz, ao menos até o momento.

- Nós já tínhamos tentado de tudo. Nós já tínhamos tentado todas as medicações, nós já tínhamos tentado uma cirurgia. E essa era a nossa luz do fim do túnel - conta Katiele, explicando que Anny chegou a ter tantas convulsões em um único dia que ela e o pai da menina perdiam as contas, e para poder explicar a situação aos médicos por ocasião das consultas decidiram marcar as crises em tabelas, o que resultou em páginas e mais páginas de sustos e tristeza, mas também de alegrias e de esperança, e isto porque os quadradinhos pintados que marcavam cada convulsão e enchiam as tabelas foram diminuindo a partir do mês de novembro de 2013, quando Anny começou a tomar o Canabidiol. Ela voltou a comer e não depender mais de sondas para se alimentar, ganhou força e condições melhores para fazer fisioterapia.

- A primeira dose que nós demos pra ela, não foi só a dose. Foi uma dose com uma carga de esperança tão grande que a gente deu para ela chorando - revela, emocionada, a mãe da pequena Anny.

- A gente chegava perto da Anny, falava o nome dela e ela olhava a gente nos olhos. Isso não tem palavras. Vale qualquer sacrifício, qualquer esforço, você saber que ela voltou a te olhar nos olhos - disse o pai, Norberto Fischer, que é professor.

O Canabidiol e outros derivados da maconha já são usados em vários países da Europa e em boa parte dos Estados Unidos no tratamento de doenças como Parkinson, esclerose múltipla e no combate a sintomas da Aids e até do câncer. O pesquisador José Alexandre Crippa, da USP de Ribeirão Preto, é um dos poucos que conseguiu autorização para trazer e estudar o CBD aqui no Brasil.

- Eu sou totalmente a favor do uso medicinal do Canabidiol e sou absolutamente contra o uso da maconha da forma fumada, porque não se sabe a quantidade que tem de Canabidiol - explica Crippa, que entretanto, defende o uso de derivados que estão beneficiando pacientes como Anny.

- Essa menina passou de 80 crises até zero crise, 80 crises por semana até zero crise por semana, o que é absurdo em termos clínicos, ainda mais se considerando que é um tipo de epilepsia muito grave - disse o pesquisador.

E o problema não afeta apenas à pequena Anny. Pais e mães de dezenas, talvez centenas de crianças acometidas de síndromes raras que provocam convulsões esperam do Congresso Nacional e autoridades responsáveis pelo setor uma solução que dê fim ao sofrimento de todos. A mesma legislação criada com o intuito de "proteger" a saúde, não se pode negar, transformou-se em um obstáculo quase intransponível que impede o avanço da ciência e da medicina.

Perguntas, como a da advogada Margarete Brito, precisam de resposta:

- Por que esses remédios que causam cegueira parcial podem e o Canabidiol não pode? Esses remédios que elas tomam, além de serem fortíssimos, os efeitos colaterais são horríveis - argumenta Margarete.

E responder perguntas não é o suficiente. É preciso pressa, como explica a enfermeira Samar Duarte:

- O risco é que nossos filhos possam entrar em crises convulsivas prolongadas e isso pode gerar a morte. A gente não tem mais tempo para esperar por isso.

Aline Voigt Nadolni, engenheira, que também enfrenta o problema, não vacila quando perguntada se gostaria de usar o Canabidiol: "Muito. A gente sabe que cada semana é preciosa. A gente vê a nossa filha piorando a cada semana.

Os pais de Alana, que vivem no Paraná, se arriscam para tratar a filha com o CBD, que trazem dos Estados Unidos, onde ele é vendido como suplemento alimentar.

- Ele não é uma droga e sim uma terapia medicinal. Eu perguntava para Silvana (a esposa): "nossa, será que nós vamos ser contra a lei? Será que eu estou fazendo o certo?. Olhando para minha filha tendo crise, chegou um dia que eu falei: ‘não, eu vou ter que encarar tudo isso’”, conta o empresário Leandro Name Utrabo.

Para a Associação Brasileira de Psiquiatria, que deve estar esperando que as respostas venham do céu, ainda faltam evidências de que o Canabidiol funcione e não traga prejuízos à saúde.

- Em casos extremos, em que já se tentou vários tratamentos e não se teve sucesso, pode ser que fazendo uma solicitação judicial se consiga uma autorização de exceção para importar e utilizar essa droga - explica Frederico Garcia, da Associação Brasileira de Psiquiatria.

E é exatamente a justiça que os pais de Anny vão procurar. Hoje (31/03), eles devem entrar com uma ação que lhes permita importar o medicamento de forma legal, além de tentar todos os meios possíveis para colocar o tema em discussão.

Qual a sua opinião sobre o assunto? Você concorda que um medicamento, derivado de uma droga proibida, mas de efeitos medicinais confirmados (como já acontece nos Estados Unidos, que liberou a comercialização do Canabidiol) deveria ter sua venda permitida também aqui no Brasil? Enquanto isso não acontece, o que você faria se tivesse um filho com os mesmos problemas da menina Anny? Ficaria à espera da omissa atuação dos nossos nossos políticos, da "burrocracia" (com dois "rr" mesmo) da ANVISA e da Associação Brasileira de Psiquiatria ou correria o risco das penalidades previstas na legislação brasileira para importar o remédio? Deixe o seu comentário.






Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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