23 abril 2011

A morte do Pantanal é questão de tempo

Não é de hoje que o Pantanal, principalmente em razão da omissão das autoridades, é vítima de queimadas, exploração agropecuária desordenada e pesca predatória, e se isso não bastasse, vê-se agora diante da ameaça da construção de usinas hidrelétricas, que tiram proveito da queda natural entre o Planalto Central do Brasil e a planície onde ele está localizado. Atualmente existem 37 barragens em rios que alimentam a região, e mais 62 hidrelétricas estão em construção ou em estudos, quase todas pequenas centrais que produzem pouquíssima energia, mas alteram o regime anual de cheias e secas que é responsável pela biodiversidade do Pantanal, porque atuam da mesma forma que coágulos na circulação sanguínea de uma pessoa, afirma Paulo Petry, pesquisador de uma entidade internacional de proteção ao meio ambiente.

No município de Barão do Melgaço, por exemplo, que já foi um dos maiores produtores de peixe de água doce do Pantanal, os pescadores tiravam do Rio Cuiabá os pintados e pacus que eram vendidos em vários Estados brasileiros, o que já acontece mais. E os pescadores são unânimes: a construção de uma barragem rio acima provocou uma queda drástica na quantidade de peixes, que não mais conseguem chegar aonde chegavam antes. Além disso, a água não tem mais as mesmas características quando eles sobem os rios, o que dificulta o processo de reprodução.


As secretarias de Meio Ambiente de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, responsáveis pela aprovação de quase todas as usinas da região, negam a existência de um grande impacto ambiental, e não pretendem barrar o plano de expansão das hidrelétricas.


Mas a capacidade destrutiva das usinas não pára por aí. Elas são acusadas também pela devastação das belezas naturais, e um exemplo disso está na cachoeira Sumidouro do Rio Correntes, que já foi a maior atração turística da cidade de Sonora, mas perdeu a antiga força natural que maravilhava os turistas que vinham de longe para conhecer o lugar a partir da construção da barragem Ponte de Pedra, que desviou 70% das águas do rio para suas comportas.


O Pantanal vive dos rios que descem do Planalto Central do Brasil, cujas águas se espalham pela planície em riozinhos, os chamados corixos - canais por onde se escoam para os rios as águas das lagoas, brejos ou campos baixos, e é essa água, que passa bem devagar pela região, que proporciona e alimenta a abundância de vida no Pantanal. Apenas para esclarecer, a passagem da água pelo Pantanal é lenta por uma razão simples: ele é praticamente plano e em uma distância de um quilômetro na direção norte-sul, o declive é de três a cinco centímetros apenas. Quando chove nas cabeceiras dos rios, o Pantanal enche. Na estiagem, ele seca. Essa é a dinâmica natural, diz um fazendeiro de antiga família pantaneira.


- O que é a vida do Pantanal? É o que chamam de pulso. E o que é o pulso? É a variação entre a seca e a cheia. Então, quanto mais pulsa, quanto mais varia, melhor - explica o pantaneiro Armando Arruda Lacerda.

Segundo ele, a construção das hidrelétricas planejadas para região podem mudar essa característica, o que o leva a temer pela sobrevivência dos peixes.


- É o grande berçário. Se você descer aí embaixo, você vai ver que é um berçário, você vai ver todas as espécies de peixes. E é isso que vai realimentar toda a indústria do turismo de pesca – arremata.

O corixo não é fundo e, provavelmente, fica seco durante parte do ano. Quando enche, os peixinhos encontram todos os alimentos de que precisam para crescer. É um aquário: curimbatás, piaus, piraputangas, lambaris, piranhas, cascudos e arraias. Quando adultos, os peixes criados na região sobem os rios para a área de reprodução. Só não chegam lá quando encontram obstáculos: uma cachoeira muito alta ou uma usina.

Uma das hidrelétricas em estudo fica no Rio Coxim, um dos melhores pontos de pesca de Mato Grosso do Sul, e se for aprovada, seu reservatório vai cobrir a Cachoeira dos Quatro Pés.


- Tudo isso debaixo d’água vai virar uma represa de 300 a 400 hectares. Todas essas pedras aqui vão pegar a inundação. Vai pegar uns 15 km, 20 km pra cima - lamenta o pescador Sebastião Sérgio de Souza.

Até mesmo inscrições da época colonial ficariam no fundo do lago. Elas foram feitas por desbravadores que saíram de São Paulo e conquistaram terras que eram da Espanha.

- Os portugueses deixaram um sinal, marcaram território, fincaram a sua bandeira, para que hoje nós fossemos, nós somos Brasil, mas fossemos Brasil de Portugal - explica o guia de turismo Ariel Albrech.


O pior de toda essa história é que, segundo gente especializada, o custo ambiental não compensa os benefícios.

Das 62 hidrelétricas previstas para os próximos 9 anos na região do Pantanal, só uma é de grande porte. As outras são pequenas centrais com produção irrisória. Se todas forem construídas, irão contribuir com apenas 1,33 % da energia hidrelétrica gerada no país. E o período em que elas mais produzem é exatamente quando grande parte das usinas brasileiras estão com os reservatórios cheios, jogando água em excesso pelos vertedouros.

- No ano passado, Itaipu verteu cerca de 400 mw médios. Se a gente somar todo o potencial das bordas do Pantanal, não vai alcançar isso - disse Dorival Gonçalves Júnior,  professor de engenharia da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.


Mas para Edson Lobão, ministro de Minas e Energia e certamente um grande “entendido” no assunto, o Brasil não pode abrir mão de qualquer potencial energético, mesmo que pequeno.

- Se nos abdicamos daqui, abdicamos dali, sob os mais diferentes argumentos, ainda que alguns deles procedentes, como é o caso, por exemplo, do Pantanal, vamos acabar não cumprindo o nosso planejamento energético brasileiro - afirmou.

Institutos de pesquisas, preocupados com o assunto, enviaram documento ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Eles querem que o impacto ambiental das usinas seja avaliado em seu conjunto. Um analista do Ministério do Meio Ambiente está encarregado de formular uma proposta de mudança nas normas de aprovação das hidrelétricas do Pantanal.

“Cada empreendimento desse era tocado por um empreendedor. Não é um grupo que está implantando todas. Então, ele só sabe do impacto do que ele está gerando. Ele mesmo não conhece o impacto do próximo. Quem está atento à situação já sabe que a soma disso tudo vai trazer um grande impacto social e ambiental para a região”, explica Cristiano Zinato, analista do Ministério do Meio Ambiente.


A grande verdade é que esse tipo de empreendimento, e o texto mostra isso em percentuais, não tem grande importância no planejamento energético brasileiro, mas vai arrecadar dividendos políticos, que é o que interessa. Além disso, não podemos esquecer que cada um destes projetos oportuniza a corrupção. Logo, no terreno da imunda política brasileira, quem vai barrá-los? Quem é que vai se preocupar com curimbatás, piaus, piraputangas, lambaris, piranhas, cascudos, arraias e a sua procriação? Pantanal? O que interessa o Pantanal, por exemplo, para o ministro Edson Lobão, que é aliado de José Sarney, parceiro de Renan Calheiros, companheiro de partido de Michel Temer? Na verdade, o Pantanal já foi condenado e sua morte é questão de tempo!





Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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