02 dezembro 2011

Família afegã é queimada com ácido por não permitir casamento da filha

Numa postagem datada de 30 de julho de 2010 e intitulada "Mulheres violentadas", contei aqui a absurda história de Aisha, uma jovem de apenas 18 anos, que teve o nariz e as orelhas cortadas por ordem do Talibã simplesmente "por fugir da casa da família do marido". A imagem do rosto de Aisha, dilacerado pela brutalidade ditada por costumes e tabus religiosos medievais, correu o mundo, e foi parar na capa da "Time".

Naquela oportunidade, procurei enriquecer meu texto com a reportagem "Afeganistão - Um Inferno para as mulheres", publicada na edição nº 2165, da revista Veja, com a assinatura da jornalista Thaís Oyama. Na ocasião, ela escreveu que "nove anos depois da queda do regime do Talibã, as afegãs continuam pagando a parte mais pesada da conta do fundamentalismo religioso.

Nas ruas, a maioria ainda usa a burca, a roupa que cobre o corpo feminino dos pés à cabeça e que era uniforme compulsório no tempo da milícia talibã. Embora as escolas para mulheres não sejam mais proibidas, as estudantes representam uma porcentagem ínfima da população feminina e mais da metade das afegãs ainda se casa antes dos 16 anos de idade – salvo raríssimas exceções, com homens escolhidos por sua família. Sob o totalitarismo medieval do Talibã, as que saíam às ruas desacompanhadas do marido ou de um parente do sexo masculino eram castigadas a chibatadas. Hoje, a proibição não existe mais, mas as afegãs continuam ausentes da paisagem. Para elas, qualquer lugar onde haja aglomeração masculina é considerado impróprio, o que inclui mercados, feiras, cinemas e parques. A segregação sexista faz com que até nos saguões dos aeroportos e nas festas de casamento exista um "setor feminino" – só no primeiro caso não formalmente delimitado. Nas bodas em que as mulheres comparecem maquiadas e com belos vestidos, quase sempre há dois salões – um para eles e outro para elas. Poucas se arriscam a desafiar as proibições sociais. A aplicação de castigos físicos a mulheres de "mau comportamento" continua a ser vista como um dever e um direito da família. Uma pesquisa feita em 2008 com 4 700 afegãs mostrou que 87% já tinham sido vítimas de espancamentos ou abusos sexuais e psicológicos – em 82% dos casos, infligidos por parentes. O Afeganistão livrou-se do jugo do Talibã, mas não conseguiu varrer o obscurantismo religioso que ele ajudou a disseminar. A interpretação radical e misógina dos princípios do Islã é a principal causa da tragédia das mulheres afegãs.

A prática da autoimolação é um dos sinais mais cruéis de sua magnitude. Entre 2008 e 2009, ao menos oitenta afegãs tentaram o suicídio ateando fogo ao corpo. Na província de Herat, a oeste de Cabul, a incidência desse tipo de episódio é tão alta que o principal hospital da região montou uma unidade para atender exclusivamente a casos assim. Quando a reportagem de VEJA visitou o lugar, havia três mulheres internadas por queimaduras autoinfligidas. Todas tinham menos de 26 anos e eram analfabetas. No Afeganistão, apenas 15% das mulheres com mais de 15 anos sabem ler e escrever. Rahime, de 25 anos, deu entrada no hospital com 35% do corpo queimado. Ela disse que tentou se imolar porque "estava cansada de viver". Contou que se casou aos 10 anos de idade e, desde então, engravidou seis vezes (sofreu três abortos espontâneos). A mãe estava com ela no hospital. Indagada sobre as razões que a fizeram permitir que a filha se casasse tão cedo, explicou que, na verdade, não a deu em casamento, mas foi obrigada a vendê-la. O marido era lavrador em uma plantação de ópio e não conseguia sustentar a família, de oito filhos. "Ficávamos três ou quatro noites sem ter o que comer", afirmou ela. Rahime foi entregue a um comerciante da região em troca de 200 000 afeganes, o equivalente a 4 300 dólares, divididos em dez pagamentos. O comerciante, hoje seu marido, é "bem mais velho" do que ela, mas nem a jovem nem a mãe souberam precisar quanto".

Ninguém duvida do espaço que a mulher conquistou nos últimos anos, até porque ele é visível, mas ainda há muito a ser feito, principalmente nas comunidades indígenas e pelo interior do Brasil, e nos países mais pobres como os do Continente Africano, onde a mulher, sem dignidade em razão das agressões sofridas, apenas contenta-se em defender sua existência miserável. Como frisei no post a que me referi, "é inconcebível que no curso do terceiro milênio ainda existam seres humanos submetidos a um atraso cultural que remonta ao obscurantismo da Idade Média, com leis e costumes cruéis e desumanos que superam o maquiavelismo do famigerado Santo Ofício da Inquisição, onde mulheres e supostos hereges foram sacrificados em nome de Deus".

Agora, toda uma família é agredida e queimada ácido, porque o pai recusou-se a consentir que uma de suas filhas se casasse com um homem que a perseguia há tempos. Se você não sabe, por influência dos Talibãs, o ácido é usado como arma no Afeganistão, principalmente contra as mulheres e meninas que resolvem frequentar as escolas.

As meninas de 13 e 14 anos, feridas nas mãos e rostos

A filha mais velha, Mumtaz, de 18 anos, vinha sendo perseguida por um homem que a família considerava um bandido, e por isso, com o apoio dos pais, ela recusou a proposta de casamento que ele lhe fez e ficou noiva de um parente. Poucas semanas depois, seis ou sete homens armados invadiram sua casa na área de Granel Awal, na cidade de Kunduz, no meio da noite.

- Primeiro eles bateram no pai, e em seguida, eles atacaram com ácido - disse a mãe de Mumtaz, que pediu para não ser identificada. Os cinco mbros da família estão recebendo tratamento médico, disse Abdul Shokor Rahimi, chefe do hospital regional de Kunduz.

- O pai e a filha mais velha estão em estado crítico, pois foram atacados em todo o corpo. A mãe e as duas filhas de 14 e 13 anos têm algumas feridas apenas nas mãos e rostos - explicou Rahimi.

A inoperante polícia afegã, claro, prometeu que vai localizar e punir os criminosos.


Fonte: O Dia Online



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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