Um médico suspeito de recusar atendimento a um homem ferido que chegou ao Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia - Huapa na madrugada do último domingo (01/01) está sob investigação policial. A primeira acusação é de que ele estaria dormindo no horário do plantão, o que é quase um comportamento padrão nas emergências dos hospitais brasileiros quando não há pacientes a atender. Segundo Divino Batista dos Santos, delegado responsável pelo caso, o médico teria admitido que não saiu do alojamento para ver o homem ferido.
O paciente, um motociclista atingido por um carro na Avenida Triângulo - Jardim Cristalino - Aparecida de Goiânia, estava consciente e tinha ferimentos pelo corpo quando foi socorrido pelos bombeiros.
O diretor técnico do Huapa, Marco Aurélio Pereira, explicou que ele apresentava pequenas lesões nas mãos, e que nestes casos é comum encaminhar a vítima às unidades básicas de saúde. A queixa foi registrada pelo sargento do Corpo de Bombeiros que chegou ao hospital na ambulância que atendeu a ocorrência.
Desde o início da polêmica, o clínico geral alega que não atendeu o paciente porque caso exigia a avaliação de um ortopedista ou cirurgião. Aliás, segundo o advogado do médico, havia uma recomendação da direção do próprio Huapa aos bombeiros e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - Samu para que não levassem pacientes acidentados ao hospital, pois nenhum especialista estaria de plantão. Na segunda-feira (02/01), a própria Secretaria Estadual de Saúde reconheceu que o plantão do hospital não tinha cirurgião nem ortopedista, e disse que vai apurar por que a escala ficou em aberto, justamente em um dos feriados com maior demanda no ano.
A pressão sobre o médico, o mais fraco da história, acredite, é grande.
- Se ele tivesse pelo menos olhado a vítima, não teria cometido crime de omissão de socorro. Mas como ele nem saiu do alojamento, até o momento não conseguiu provar inocência - disse o delegado que apura o caso.
Não acho correta, por duas razões, a posição adotada pelo delegado: primeiro, a autoridade policial não tem que ficar dando entrevistas onde antecipa conclusões que só serão possíveis após a tomada dos depoimentos de todos os envolvidos e testemunhas do fato. Além disso, não é tecnicamente certo afirmar, como fez aquele policial, que o médico, "até o momento não conseguiu provar inocência": o ônus da prova é de quem acusa! O médico não tem que provar que é inocente. Ao Estado cabe demonstrar que ele é culpado.
Não tenho procuração para defender, e sequer conheço o médico envolvido, já que o fato ocorreu em Goiânia - GO, e este post está sendo escrito em Nova Iguaçu - RJ, mas é preciso que alguns pontos sejam analisados com muito cuidado e atenção.
Se o médico, como parece que aconteceu, não atende o paciente, comete omissão de socorro e é processado. Se socorre, e o paciente morre em suas mãos, ele responde por imperícia, de nada lhe adiantando o argumento de que não tinha especialidade para tratar do caso. Quem não tem competência, não se estabelece. Se o médico não domina determinada especialidade, não deve assumir compromissos. Em ambos os casos, além do processo criminal, ele está sujeito a indenizar o paciente ou seus familiares, e ainda pode ser advertido, ter seu registro suspenso e até cassado por seu órgão de classe. Ou seja, se correr, o bicho pega. Se ficar o bicho come. O que fazer?
O assunto, precisamos reconhecer, é polêmico, e deve merecer maior reflexão da sociedade e autoridades, mas algumas perguntas me incomodam: por que ninguém processa e enfia na cadeia as "autoridades" municipais, estaduais e até federais responsáveis por esse tipo de serviço que a Constituição Federal afirma ter direito o cidadão? Por que os hospitais, ao invés de um solitário clínico geral, não têm em seus plantões ortopedistas e cirurgiões, o que aumentaria as opções de trabalho para os profissionais da classe e daria maior proteção ao cidadão, principalmente por ocasião dos grandes feriados, onde os acidentes se tornam mais comuns?
Seria muita pretensão imaginar que alguma "autoridade" aqui viesse responder a estas perguntas, e se o fizesse alegaria, com toda a certeza, que não há verbas que sustentem tal iniciativa. Mas não falta dinheiro para algumas pequenas "coisinhas".
No final do ano, os parlamentares de todo o país aumentaram seus próprios salários. Em 2010, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro gastou 69% de suas ações parlamentares com a concessão de 13.325 diplomas de reconhecimento, cerca de 10 puxadas de saco por hora, e aprovou apenas 94 leis, aí incluídas algumas de nenhuma relevância ou interesse para o cidadão carioca. Essa brincadeirinha de legislar custou ao bolso do contribuinte a bagatela de R$ 308,3 milhões. É isso mesmo! Nos 161 dias úteis daquele ano, os 51 parasitas da gaiola dourada mais cara do país detonaram R$ 1,9 milhão por dia. Em São Paulo, para pagar o mico do ano, a implosão do prédio localizado próximo à favela do Moinho, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) desembolsou, sem dó nem piedade, cerca de R$ 3,5 milhões. E a grana preta desviada pelos ministros corruptos derrubados nos últimos meses pela força da mídia e da opinião pública? E os milhões de reais engolidos pelo ralo corrupto do mensalão?
Peixes muito grandes para serem fisgados. O melhor mesmo, para dar uma satisfação à sociedade, é processar um simples médico plantonista de um hospitalzinho de merda, não é verdade?
Fonte: G1
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |