29 janeiro 2012

Sexo com menor de 14 anos: a violência é presumida?

Jornalista de destaque na coluna "7x7", da revista Época, Ruth de Aquino narra um fato interessante, e pelos comentários lá deixados por seus leitores dá para perceber que a questão é polêmica e gera opiniões bem diferentes umas das outras. Conta ela que Clarissa Rangel, de 23 anos, moça nascida na Flórida - Estados Unidos, teria sido flagrada nua, fazendo sexo com um adolescente de 13 anos. A mãe do menor, cujo nome foi omitido para proteger a privacidade da família, foi quem interrompeu a cena e chamou a polícia, que prendeu e indiciou Clarissa por conduta indecente e sexo com um menor.

O garoto disse aos investigadores que Clarissa o beijou e exibiu-se para ele (certamente mostrando partes de seu corpo) atrás do prédio onde mora. Depois disso, eles entraram no apartamento e foram para o quarto dele.

Aos prestar depoimento, o menino também disse que já tinha ido para a cama com a jovem em duas outras oportunidades anteriores, o que me faz supor que, independentemente do nível de relacionamento da moça com a família, ela e o adolescente já eram bem "conhecidos".

Depois de perguntar sobre a razão de "tantos casos de mulheres maiores de idade transando com adolescentes", Ruth lembra o filme The Reader (O leitor), onde Kate Winslet se relaciona com um estudante menor de idade. Na história, adaptada de um romance, foi o jovem que se encantou por ela, seguiu-a, e a seduziu.

Ela fecha a matéria dizendo que o ato sexual com menores "é um crime", e faz uma pergunta: como mãe, o que você faria se flagrasse seu filho em uma situação como essa?

Como registrei lá no início do texto, a questão é polêmica.

Se o jovem tivesse sido surpreendido pelo pai, não tenho dúvidas de que ele, movido pelos conceitos machistas, adoraria ver confirmada a virilidade do filho, não dando a menor bola para a idade de Clarissa. Se ao invés disso, ele surpreendesse uma filha, com os mesmos 13 anos, mantendo relações sexuais com um homem adulto, talvez ele o matasse antes mesmo de pensar em chamar a polícia.

A mãe é diferente. Com raras exceções, filho homem ou filha mulher, ela agiria da mesma forma que agiu a mãe do protagonista da nossa história. Mas deixemos de lado as nossas reações como pais e mães, e vamos ver o que pensa a lei a respeito do assunto.

Clarissa Rangel
O nosso septuagenário Código Penal, que mesmo com todas as emendas é o retrato fiel da omissão e negligência do legislador brasileiro, obriga os tribunais a adaptarem a aplicação da lei a cada caso concreto. O Superior Tribunal de Justiça - STJ já vem, há algum tempo, entendendo que a violência, antes presumida nas relações sexuais com menores de 14 anos, deve ser relativizada diante de certas circunstâncias.

Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial interposto pelo Ministério Público em face de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina - TJ-SC. Em seu voto, o ministro Og Fernandes, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, concluiu que é possível relativizar a violência presumida em relações sexuais com menores de 14 anos, prevista no artigo 224, do Código Penal, e negou provimento ao recurso.

No caso concreto, o réu, maior de idade, manteve relações sexuais com uma menor de 13 anos e foi acusado de estupro, com violência presumida, conforme prevê a lei penal.

Ele mantinha um namoro com a menina, que resolveu fugir de casa e ir morar em sua companhia. A decisão de Primeira Instância o absolveu. O Ministério Público recorreu, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJ-SC manteve a sentença, por considerar que, no caso, poderia haver relativização da violência presumida. O Ministério Público interpôs novo recurso, insistindo na tese da violência presumida.

Em suas razões de decidir, o ministro Og Fernandes considerou que a atitude da menor, que foi morar espontaneamente com o réu e afirmou manter relacionamento com ele, afastaria a presunção da violência, e registrou: "Não se pode esquecer a pouca idade da vítima e as conclusões que daí possam decorrer quanto ao seu grau de discernimento perante os fatos da vida. Entretanto, a hipótese dos autos revela-se outra", disse o ministro, para quem, a menor não teria a "inocência necessária" para que se pudesse vislumbrar a existência da violência presumida.

Trocando em miúdos: nenhum tribunal que se filie ao entendimento hoje unânime no Superior Tribunal de Justiça - STJ (e é natural que isso aconteça) vai presumir que houve violência numa relação sexual que envolva um menor de 14 anos, sem uma análise aprofundada de todas as circunstâncias que envolvam o caso, principalmente no que se refere à sua inocência ou inexperiência nas coisas da atividade sexual, características, aliás, raríssimas no adolescente dos dias atuais. Mas reitere-se: como disse Ruth de Aquino em sua coluna, o ato sexual com qualquer menor continua sendo crime, mas somente nos casos do estupro, que é previsto no artigo 213, do Código Penal, e de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, como estampado no artigo 218-B, do mesmo diploma legal, após as modificações da Lei nº 12.015/2009. E se ele tiver idade inferior a 14 anos e não estiverem presentes algumas das circunstâncias a que me referi, a violência será sempre presumida, e o garanhão vai para a cadeia. É a lei! Logo, cuidado com a mania do "delícia, delícia, assim você me mata. Ai, se eu te pego, ai ai, se eu te pego"...


Fonte: Época



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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