09 abril 2012

"Aquilo não educa, não muda, não faz ninguém crescer"

Tão grave como a situação dos moradores de rua, até porque envolve uma legião de crianças e adolescentes, é o problema dos estabelecimentos destinados ao cumprimento de medidas socioeducativas, hoje equiparado ao sistema prisional adulto.

Alecsandra da Silva conhece bem o assunto. Quando descobriu que o filho estava envolvido com o tráfico de drogas, resolveu denunciá-lo, porque acreditou nas autoridades, achava que ele poderia mudar de vida. Nunca se arrependeu tanto:

- Lá na Abreu e Lima, ele apanhou muito e sofria ameaças dos agentes, que acobertavam o tráfico. Saiu pior do que entrou e foi assassinado após ganhar a liberdade. Aquilo não educa, não muda, não faz ninguém crescer - desabafa a mulher, que fundou uma associação para denunciar os abusos.

Uma pesquisa que durou cerca de 16 meses, com visitas a 320 unidades e quase 2.000 entrevistas, levou o Conselho Nacional de Justiça - CNJ à seguinte conclusão: 4 em cada 10 crianças e adolescentes submetidas a medidas socioeducativas em estabelecimentos com restrição de liberdade são reincidentes. E as infrações que os levam de volta são ainda mais graves do que as anteriores. Os casos de homicídio, por exemplo, foram muito mais frequentes na segunda internação, aumentando de 3% para 10%, em âmbito nacional.

Este é apenas um dos resultados da pesquisa “Panorama Nacional, a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação”, onde o CNJ apurou, de julho de 2010 a outubro de 2011, as condições de internação de 17.502 jovens em conflito com a lei. Entre os adolescentes entrevistados (pouco mais de 10% do total), 43,3% já haviam sido internados pelo menos uma outra vez. O percentual é ainda maior quando levados em conta os 14.613 processos de execução de medida socioeducativa, também analisados pelos técnicos do Conselho: há registros de reincidência em 54% dos casos.

Famílias desestruturadas, defasagem escolar e relação estreita com substâncias psicoativas estão entre os traços marcantes entre os infratores. O percentual de analfabetos é pequeno (cerca de 8% do total), mas 57% dos jovens entrevistados declararam não estar frequentando nenhuma escola quando ingressaram na unidade.

Uma vez internado, o jovem encontra pouco estímulo à reinserção social. O sistema está operando acima da capacidade. E a superlotação não é o único problema. O apoio psicopedagógico, considerado pelo CNJ imprescindível para o acompanhamento de déficits de aprendizagem, foi constatado em apenas 24% dos estabelecimentos. Para complicar a situação, há relatos de castigos e agressões: 28% dos entrevistados declararam ter sofrido algum tipo de agressão física por parte dos funcionários (10% praticado pela Polícia Militar), após o ingresso na unidade, e 19% disseram que foram alvo de castigos físicos durante a internação.

Nos últimos 12 meses, revela a pesquisa, pelo menos 1 adolescente foi abusado sexualmente em 34 estabelecimentos, e há também registros de mortes de jovens que cumpriam medidas socioeducativas em 19 unidades. Além disso, 7 estabelecimentos informaram a ocorrência de mortes por doenças preexistentes, e 2 registraram suicídios.

O objetivo do CNJ, ao esquadrinhar as 320 unidades do país, foi elaborar diagnósticos e orientar políticas públicas para o setor. Pelo estudo, é possível saber também que a maioria dos adolescentes cometeu o primeiro ato infracional entre 15 e 17 anos (47,5%). Mas em 9% dos casos, o delito ocorreu ainda na infância, entre os sete e os 11 anos. Como a idade média do entrevistados era de 16,7 anos, os pesquisadores constataram que, considerando-se o período máximo de internação, boa parte dos jovens infratores alcançaria a maioridade civil e penal durante o cumprimento da medida.

Se consultadas sobre o tema, o primeiro argumento das autoridades do setor será, com certeza, a falta de recursos. Além da corrupção que assola o país e desvia dos serviços públicos verdadeiras fábulas em dinheiro, ainda se tem que conviver com situações como a apontada ontem na televisão, que mostrou a cachorrada política de assembleias legislativas estaduais que pagam aos seus deputados 15 salários por ano, ou, 18 salários de R$ 20 mil pelo mesmo período, como acontece no Maranhão, um dos Estados mais miseráveis da Federação. Isso para não falar nos milhões de reais das verbas indenizatórias consumidas pelas "gaiolas de ouro" de todos os Estados. Como se pode ver, dinheiro há e de sobra. O que falta é interesse político e vergonha na cara.

Alguma coisa precisa ser feita. Alguém, em algum lugar desse nosso país tem que tomar uma atitude. É preciso evitar que o jovem desajustado de hoje se transforme no adulto revoltado e criminoso contumaz de amanhã. Ninguém é tolo a ponto de achar que estamos falando de anjinhos inocentes. Todos sabemos que alguns são irrecuperáveis, mas uma política pública séria, com certeza, permitirá que muitos deles ainda possam mudar seus destinos. Quem vai ganhar com isso, não tenham dúvidas, será a própria sociedade.


Fonte: O Globo



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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