10 julho 2010

EMBARQUE NA POESIA DESSE TREM


De uns anos para cá, infelizmente, a poesia vem se afastando da nossa música, que hoje é embalada por grandes gravadoras e alguns astros e estrelas de discutível talento, além, é claro, dos enlatados idiotas das redes de televisão, que nos  enfiam goela abaixo todo o tipo de porcaria. 


Em razão disso, perdoem o meu saudosismo, fui buscar no fundo baú as lembranças de um cara chamado Sérgio Sampaio, e aproveitar para relembrar uma de suas canções mais lindas e poéticas, Viajei de Trem, o que você pode conferir no vídeo postado no YouTube pelo Eduardo Mota. Ouça a música, acompanhe a letra, e depois leia um pouco sobre a vida do artista. Posso garantir que você não vai se arrepender, e melhor que isso, vai tirar da lembrança, ainda que por breves momentos, o noticiário sobre política e violência que hoje toma conta da televisão brasileira, como se mais nada existisse de bom no planeta.






Viajei de Trem

Fugi pela porta do apartamento
Nas ruas, estátuas e monumentos
O sol clareava num céu de cimento
As ruas, marchando, invadiam meu tempo

Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem, eu vi...

O ar poluído polui ao lado
A cama, a dispensa e o corredor
Sentados e sérios em volta da mesa
A grande família e o dia que passou

Viajei de trem, eu viajei de trem
Eu viajei de trem, mas eu queria
Eu viajei de trem, eu não queria...
Eu vi...

Um aeroplano pousou em Marte
Mas eu só queria é ficar à parte
Sorrindo, distante, de fora, no escuro
Minha lucidez nem me trouxe o futuro

Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem, eu vi...

Queria estar perto do que não devo
E ver meu retrato em alto relevo
Exposto, sem rosto, em grandes galerias
Cortado em pedaços, servido em fatias

Viajei de trem
Eu viajei de trem
Mas eu queria
É viajar de trem
Eu vi...

Seus olhos grandes sobre mim
Seus olhos grandes sobre mim 




Sérgio Moraes Sampaio, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim – ES, no dia 13 de abril de 1947. Cantor e compositor tido como um dos “malditos” da música popular brasileira, equiparado por muitos a Tim Maia e Raul Seixas, o Raulzito

Suas composições passam por vários estilos musicais, indo do samba ao choro, do rock’n roll ao blues e à balada.

Em 2008, a poesia de Sérgio Sampaio foi examinada em um livro ensaístico Eu Sou Aquele Que Disse - Estudos e Impressões Sobre a Obra e a Vida de Sérgio Sampaio, publicado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

- Penso que as letras de Sérgio Sampaio se irmanam aos poemas da geração marginal sobretudo por um desejo, eu diria romântico, para não dizer utópico, de aproximar, à beira da indistinção, poesia e vida, disse na ocasião o ensaísta Wilberth Salgueiro, doutor em Teoria Literária pela UFRJ.

Jorge Luiz do Nascimento, também acadêmico da UFES, escreveu sobre a poesia de suas composições, onde se percebem elementos de Kafka e Augusto dos Anjos, leituras que Sérgio Sampaio muito apreciava:

- A paisagem urbana em geral, e a carioca em particular, na poética de Sérgio Sampaio, possui a fúria modernista. Porém, o espelho futurista já é um retrovisor, e o que o presente reflete é a impossibilidade de assimilação de todos os índices e ícones da paisagem urbana contemporânea.

Filho de Raul Gonçalves Sampaio, dono de uma tamancaria e maestro de banda, e de Maria de Lourdes Moraes, professora primária, era primo do compositor Raul Sampaio Cocco, autor de inúmeros sucessos gravados por Roberto Carlos. Quando tinha apenas 16 anos, assistiu o pai compor a canção Cala a boca, Zebedeu, que ele próprio viria a gravar anos mais tarde. Tocando violão, era um artista nato que buscava mostrar seus trabalhos.

- Ele estava sempre sedento para mostrar suas músicas, precisava de uma orelha e nunca fez doce para tocar, disse um dia o primo João Moraes.

Muito ligado em programas de rádio, onde chegou a acompanhar grandes ídolos da época como Orlando Silva, Silvio Caldas e Nelson Gonçalves, que lhe serviram de inspiração, acabou por tornar-se imitador de radialistas como Luiz Jatobá e Saint-Clair Lopes, conseguindo trabalho numa emissora da cidade natal, a XYL-9.

Mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro em fins de 1967, inicialmente para tentar a carreira como radialista, embora não tenha conseguido firmar-se em nenhum trabalho em razão de sua vida boêmia. Atraído pela música e a bebida; mora em pensões baratas e até na rua, chegando mesmo a mendigar comida.

Sergio tinha passado a cantar à noite, em bares, até que em fevereiro de 1970 saiu da Rádio Continental para dedicar-se integralmente à música. Inscreveu-se no Festival Fluminense da Canção, etapa do Festival Internacional da Canção – III FIC daquele ano, ficando entre os vinte finalistas com a música Hei, você.

No Rio de Janeiro conhece o baiano Raul Seixas, então produtor musical da gravadora CBS (atual Sony BMG), considerado o “descobridor” do artista, dando início a uma longa amizade e parceria. Depois de teste com o parceiro de Paulo Diniz, chamado Odibar, acabou contratado no lugar deste no ano seguinte, vindo a participar de diversas gravações como integrante do coro do Renato e seus Blue Caps. Assinou, com o pseudônimo de Sérgio Augusto, a letra da canção Sol 40 graus, gravada pelo Trio Ternura, sucesso em 1971. O Trio gravou outras de suas composições, como Vê se dá um jeito nisso - uma parceria com Raul Seixas, com quem também partilhou Amei você um pouco demais, canção gravada por José Roberto. Logo após Raul produziu seu primeiro compacto, onde Sergio experimenta algum sucesso com a música Coco Verde, logo regravada por Dóris Monteiro.

Volta a Cachoeiro de Itaperim em julho daquele ano, onde participa do II Festival de MPB, de onde saiu com dois prêmios: de primeiro e quarto lugares. Dá início com Raul Seixas à produção de um projeto de ópera-rock, que tem as letras mutiladas pela censura do regime militar. Mesmo assim as canções integram o primeiro disco de Raul Seixas: Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez, que teve a participação de Miriam Batucada e Edy Star. Tenta mais uma vez, agora com a música No Ano 83, vencer a quarta edição do FIC, no Maracanãzinho, sendo eliminado na primeira etapa do festival.

Começou a gravar, finalmente, em 1972, ano em que sua canção Eu quero é botar meu bloco na rua paraticipa do IV FIC e integra um compacto do Festival, que graças à sua música vende 500 mil cópias, tornando-se sucesso no carnaval de 1973, e rendendo a Sergio Sampaio o Troféu Imprensa como revelação de 1972, na Rede Globo, emissora em que trabalhava o apresentador Silvio Santos.

Em 1973 lança seu primeiro LP, produzido por Raul, e com o nome da canção de sucesso, com vários músicos de renome, mas o disco fracassa nas vendas, apesar da sua aparição em programas de televisão e da boa execução nas rádios de canções como Cala a boca, Zebedeu, composta por seu pai.

Casou-se em 1974 com a também capixaba Maria Verônica Martins, afastando-se da carreira por algum tempo. Seu casamento durou até o final daquela década.

Em 1975 lança, pela gravadora Continental, outro compacto. No ano seguinte grava seu segundo LP, o Tem que acontecer, do qual participaram artistas como Altamiro Carrilho e Abel Ferreira. Em 1977, mais um compacto pela Continental, Ninguém vive por mim, último feito na gravadora. Realiza shows e tem composições gravadas por artistas como Zizi Possi, Marcos Moran e Erasmo Carlos, ficando longe dos estúdios por cerca de cinco anos.

Casou-se novamente em 1981, com a arquiteta Ângela Breitschaft, com quem teve o filho João, afilhado de Xangai, separando-se em 1986. A família da esposa patrocinara, em 1982, a gravação do compacto Sinceramente, sem gravadora.

Completamente afastado da mídia, após a separação volta para a casa paterna e em seguida para o Rio. A carreira só experimenta um recomeço quando se muda, no começo da década de 1990 para a Bahia, onde velhos sucessos são novamente lançados por Elba Ramalho, Luiz Melodia, Roupa Nova e outros. Em 1994 acerta com a gravadora Baratos Afins o lançamento de um disco com músicas inéditas, mas por causa da vida desregrada, Sérgio Sampaio morre de pancreatite antes de concretizar o projeto.

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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12 comentários:

  1. oi, realmente, atualmente é difícil encontrarmos "musica com letra" essa que você postou eu não conhecia...
    abs

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  2. Realmente, Ana Lucia!

    A maioria das músicas da atualidade esqueceram a poesia e visam muito mais o lado comercial, o lucro, infelizmente!

    Um beijão...

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  3. Linda letra e melodia!
    Boas e belas músicas não interessam tanto quanto o lucro que pode ter.

    Parabéns pelo post!
    Abraços

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  4. Com certeza, Helena!

    São muito poucos os cantores e compositores que hoje ainda se batem pelo belo, pela poesia de uma letra, de uma melodia. O lado financeiro é mais forte e se sobrepõe à arte, infelizmente.

    Um beijão...

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  5. Linda letra
    amei....
    Isso que é uma verdadeira música.

    Parabéns e sucesso sempre...

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  6. Valeu, Nat!

    Legal que você tem gostado!

    Um abração...

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  7. Uma matéria muito bem elaborada
    Gostei de saber mais a respeito de Sérgio Sampaio.
    Conhecia algumas de suas músicas, e esta música do vídeo tem uma letra muito profunda.
    É uma pena que os bons artistas estão sendo esquecidos, e muitos acabam morrendo dentro de suas próprias redomas.
    Gostei muito do seu Blog e estou seguindo.
    Bjs.

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  8. Obrigado, Estrela de Órion!

    O Sérgio Sampaio foi realmente um poeta, o que se percebe com facilidade nas letras de suas canções. Quanto ao esquecimento a que ele e outros tantos artistas são relegados eu acho que nada se pode fazer. O povo esquece rápido, infelizmente!

    Um abração...

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  9. Parabéns pelo post!
    Sua matéria resgata a memória musical do nosso Brasil.
    Tivemos ótimos compositores, alguns com uma carreira muito curta.
    Eu não conhecia Sérgio Moraes Sampaio, apesar de ser da mesma geração.
    Estou seguindo o seu Blog,
    gostei muito.
    Abraços.

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  10. Valeu, amiga!

    Eu acho que o brasileiro dá muito pouco valor a quem realmente tem valor. Principalmente na internet, perde-se muito tempo e gasta-se muito latim com temas sem nenhuma relevância para a sociedade em geral. Por isso tento, mesmo com o pouco tempo que disponho, levar a quem se interessar possa um tipo de informação útil, capaz de orientar e transmitir conhecimento.

    Se eu conseguir isso em relação a uma pessoa que seja, já estarei satisfeito. O objetivo do blog terá sido alcançado.

    Ainda pretendo levar para o blog muitas outras biografias de artistas em geral (cantores, compositores, músicos, pintores, etc).

    Agradeço sua participação e apoio!

    Um grande abraço...

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  11. sou primo de sergio sampaio,nilton

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