15 maio 2012

Venda de calcinhas na porta da cadeia "esquenta" visitas íntimas

Quando a gente pensa que já viu de tudo, surge uma novidade. Para cada dificuldade, sempre surge uma solução. Preste atenção nesta história.

Isa Gonzaga, 48 anos, uma cearense que de boba não tem nada, arranca seu sustendo de uma atividade no mínimo inusitada: ela aluga e vende peças de lingerie, nos dias de visita, para as mulheres dos detentos que cumprem pena no Centro de Detenção Provisória do Belém I e II, na Zona Leste de São Paulo - SP. O aluguel de sutiãs e o preço das calcinhas varia entre R$ 5 e R$ 10.

- Essa é P. Mas a gente tem até o GG - explica Isa, rodando uma espécie de varalzinho com vários modelos pendurados.

A ideia de vender lingerie na porta da cadeia, segundo Isa, surgiu da demanda das mulheres dos detentos, que querem usar modelos mais provocantes para "esquentar" a visita íntima, que dá direito a sexo.

Mas aí vem a pergunta que não quer calar: será que alguém, como o presidiário, que só vê a mulher de tempos em tempos, precisa desse tipo de estímulo?

- Ah, não sei te responder isso - despista Isa. Ela mesma, mulher de um caminhoneiro que passa mais tempo na estrada do que em casa, acredita ela, sem sexo, titubeia quando perguntam se, nas voltas do marido, ela também lança mão das calcinhas que vende.

- Ah, eu uso, sim, quer dizer, nem precisa.

Ela conta que começou o seu "negócio" em 2010, durante a construção dos Centros de Detenção. O cunhado dela trabalhou na obra como pedreiro e ela servia lanche para a "peãozada". Isso lhe deu a desenvoltura necessária para misturar em sua atividade coisas tão distintas como o aluguel de sutiãs e a venda de calcinhas e alimentos. Sua especialidade é o lanche natural: queijo, presunto, salame, peito de peru, maionese e batata palha.

A cada fim de semana, entre as 8h e 18hs, a fila de visitantes de cada Centro de Detenção recebe cerca de 800 pessoas. Boa parte delas chega ao local de madrugada, para pegar um bom lugar. Isa aproveita essa situação e pernoita durante o fim de semana em uma barraca de tábuas que se equilibra em um muro nas redondezas do centro de detenção e é protegida das intempéries por um plástico azul turquesa. É desse grupo que saem os seus fregueses dos lanches e a mulherada da lingerie, o que lhe rende em torno de R$ 1,2 mil por mês.

Com capacidade para 768 presos, o Belém I tem uma população de 1.580, sendo 240 por raio; no II, que tem uma área construída mais de três vezes maior, a proporção é de 768 para 1762, 220 por raio.

Mas existem regras a serem respeitadas. É proibido, por exemplo, entrar nos centros de detenção para a visita usando jeans ou legging.

- Roupa muito justa, marcando o corpo, é problema. Só tem homem aí dentro, eles vão mexer com a mulher dos outros, dá confusão - diz Sabrina Nunes, de 17 anos, que há cinco anos também disponibiliza roupas para aluguel na porta das casas de detenção.

Ela percebeu que podia ganhar algum dinheiro quando foi com a mãe, Eliene, visitar o padrasto, que está preso por homicídio, tráfico de drogas e "muitas outras coisas". Da mesma forma que Isa, Sabrina também aluga calças saruel, moleton "no inverno" e chinelo de borracha, já que "quem está usando sapato com fivela de metal e pode ser barrado pelo alarme na vistoria", e sutiãs. O modelo rosa desbotado que tira de uma maleta vermelha, com rodinhas, cheia de roupas emboladas, parece bem gasto. Ela garante que lava as roupas que aluga toda semana.

- Claro, lavo, sim - diz a moça, ainda que sem muita convicção.

Andrea Costa, 23 anos, auxiliar administrativa, e Camila Ribeiro, de 18 anos, estagiária, respectivamente irmã e namorada de um detento, experimentam modelos de saruel. Andrea já esteve no no Centro de Detenção Provisória antes, ao contrário de Camila:

- Eu era menor, minha mãe não deixava eu vir. Ela é contra o namoro - diz a moça, esclarecendo que o namorado foi preso por assalto à mão armada.

Ela está há seis meses sem vê-lo, mas garante que se guardou para ele.

- Não tive nada com mais ninguém - diz ela, rindo muito. O provador de roupas fica em um canto de um galpão escuro, frio, e o que é pior para as mulheres que precisam utilizá-lo, sem espelho. Na porta, o aviso: "Vamos ter mais higiene, colaborar com a limpeza".

Muitas mulheres que visitam os centros de detenção pela primeira vez não conhecem as restrições impostas pela administração no momento da vistoria, como os modelos com armação de metal, por exemplo. Por isso, o aluguel de sutiãs é mais comum que a venda de calcinhas. Além disso, as mulheres só podem entrar usando usando sutiã com bojo.

A Secretaria de Administração Penitenciária - SAP informa que as regras são comuns para todos os centros.

- Não se permite a entrada de visitante trajando vestuário inadequado ao ambiente carcerário - eles avisam. Entre as restrições estão sutiã com suporte de ferro; sandália tipo plataforma; miniblusas e minissaia; saias rodadas tipo cigana; roupas transparentes, excessivamente decotadas ou em cores similares das dos uniformes dos funcionários (calça azul marinho, camiseta branca ou cinza) e dos militares.

- Quem mais compra da gente são as visitantes que vêm pela primeira vez. Elas não sabem que não podem entrar com determinadas roupas, e acabam sendo barradas - explica Isa.

Há casos de mulheres, por mais estranho que isso possa parecer, que esquecem de colocar a calcinha, peça exigida pela administração.

Mas como qualquer negócio que se preza, o aluguel e venda de calcinhas em frente aos Centros de Detenção Provisória de São Paulo também tem seus riscos, e o maior deles é a perda da peça alugada.

- Se eu for contar, tem mais de 50 sutiãs desaparecidos. Às vezes eu alugo já sabendo que não vou ver mais. É que, olha, eu também quero ajudar as coitadas, elas são tão carentes... - explica outra vendedora, Vanda Oliveira Gomes, de 55 anos, que, antes de virar comerciante, ganhava R$ 15 por uma manhã inteira distribuindo cartões de advogado na porta da cadeia.

- Hoje, graças a Deus, dá pra tirar mais - explica, "mesmo com o sumiço dos sutiãs”.

Esse é o outro lado de uma vida que muitos não conhecem...


Fonte: G1



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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