Ana Cecília (foto: reprodução) |
Inconformado com uma decisão da juíza Joriza Magalhães Pinheiro, que concedeu uma liminar determinando que ele arcasse com todas as despesas médicas e hospitalares do transplante de medula óssea da menina Ana Cecília, de 4 anos, portadora de leucemia linfoblástica aguda, o Governo do Estado do Ceará recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado.
No recurso, assinado pelo procurador Iuri Chagas de Carvalho, a Procuradoria Geral do Estado - PGE tenta suspender a liminar sustentando que a medida pode acarretar “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Segundo o procurador, "ao efetuar uma despesa de R$ 500 mil com uma única pessoa, não é preciso muito esforço para concluir que os demais usuários do sistema serão prejudicados, uma vez que haverá um remanejamento, para um único indivíduo, de um montante que atenderia uma coletividade", medida que "ofende a moralidade e a eficiência, pois transfere recursos públicos de campanhas de vacinação, atenção básica, cirurgias variadas para que um cidadão receba tratamento privilegiado e cuja eficiência é duvidosa (...)".
O transplante estava previsto para ser realizado na cidade de São Paulo - SP, onde Ana Cecília faz tratamento médico, mas a falta de um leito do Sistema Único de Saúde - SUS no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil - ITACI fez surgir a necessidade de transferir o procedimento para o Hospital Albert Einstein, onde há leitos disponíveis, até porque o estado de saúde da menina não permite que ela seja transportada para Fortaleza, detalhe captado pela magistrada responsável pela liminar deferida, que destacou não ser “razoável e nem justo que a criança seja privada de receber sua cura e ter garantido o direito à vida em razão de inexistir leito no sistema público de saúde".
Juliana Nobre, mãe de Ana Cecília, diz que ela está bem, mas teve uma piora e precisou voltar a fazer quimioterapia.
- Ela teve mais uma recaída. O percentual de blastos na medula deve ser inferior a 1%, no caso dela está em 18%. Teremos que comprar uma medicação que não existe no Brasil. Dependendo da quantidade pode custar entre US$ 30 mil a US$ 60 mil - explicou Juliana.
Ontem (12/03), por decisão do desembargador Luiz Gerardo de Pontes Brígido, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará manteve a liminar deferida em favor de Ana Cecília, indeferindo o pedido de suspensão. Para o magistrado, sem o tratamento indicado, a menina poderá ter seu quadro clínico seriamente agravado, o que implica flagrante risco de morte.
De acordo com o desembargador, “o requerente não se desincumbiu da sua obrigação de demonstrar, irretorquivelmente, que haverá repetidas demandas com idêntico objeto, o que, de fato, poderia acarretar grave dano ao interesse público”.
O magistrado explicou, ainda, que “na maioria das vezes triunfa a orientação de determinar-se o custeio de tratamentos, inclusive cirúrgicos, de modo que, no presente caso, não é suficiente a simples alegação de risco de dano à economia pública para a suspensão da medida (...). O argumento haveria de ser cabalmente comprovado”.
Toda essa discussão absurda e constrangedora me trouxe à lembrança um outro fato. Em meados de janeiro último, o governo do Estado do Ceará pagou R$ 650 mil de cachê à cantora Ivete Sangalo por um show de inauguração de um hospital em Sobral, base eleitoral do governador Cid Gomes (PSB), o que chegou a ser questionado pelo procurador-geral de Contas do Estado, Gleydson Alexandre.
Em 2012, por ocasião da inauguração do Centro de Eventos do Ceará, o governo cearense desembolsou R$ 3 milhões por um show do tenor espanhol Plácido Domingo. No último réveillon promovido por Gomes em Fortaleza, Luan Santana embolsou R$ 500 mil, mesmo valor pago a Zezé di Camargo e Luciano.
À exceção de Plácido Domingo, é claro, os outros artistas referidos acima não fazem o meu gênero, mas não vejo motivos para que eles não se apresentem em shows como os bancados por Cid Gomes e outros governantes Brasil afora, até porque eventos dessa natureza, além da promoção pessoal de políticos, funcionam como verdadeiros anestésicos para os problemas sociais das regiões onde ocorrem. Só uma pergunta não quer calar: por que o grosseirão Cid Gomes (pudera, ele é irmão de Ciro) paga quase R$ 5 milhões por três espetáculos musicais, mas obriga os pais de uma criança de apenas 4 anos de idade, portadora de leucemia, a buscar no Judiciário o custeio do tratamento que pode lhe salvar a vida? E o pior de tudo, recorre da liminar concedida, sustentando, entre outras baboseiras, que a medida pode causar “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas"? Eu só queria entender. E você?
Sobre o Autor:
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |