Matéria publicada na revista VEJA
(nº 2106 - 1º de abril de 2009)
O Senado foi dominado por uma máquina que trabalha continuamente para burlar as leis em benefício próprio. O resultado é uma estrutura perdulária e improdutiva.
Otávio Cabral e Alexandre Oltramarimm
Salário médio de 18 000 reais/mês; horário de trabalho flexível, que permite dar expediente em casa ou em qualquer outro lugar do país; plano de saúde com reembolso integral de despesas; pagamento de horas extras nas férias; gratificações por tempo de serviço; gratificações por funções exercidas; gratificações por funções não exercidas; possibilidade de ascensão na carreira por mérito; possibilidade de ascensão na carreira por demérito; aposentadoria integral sem ter contribuído em valores atuarialmente calculados para isso, que exigiria um desconto mínimo de 65% no salário; pensão familiar vitalícia em caso de morte; estabilidade no emprego. É imenso o rol de possibilidades de 7 000 servidores do Senado Federal, em Brasília. Nos últimos meses, revelou-se que a parte mais nobre do Parlamento funciona nos moldes de um sultanato, em que tudo pode – inclusive infringir leis, desde que em benefício dos senadores e dos próprios funcionários. Nepotismo é proibido. No Senado, há parentes de servidores espalhados em várias repartições. O maior salário da República, 24 500 reais, deve ser obrigatoriamente o de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Há pelo menos 700 pessoas no Senado, segundo levantamentos oficiais, recebendo acima desse limite. Sem fiscalização e funcionando de maneira autônoma, o Senado é administrado como se fosse uma confraria – uma confraria com o meu, o seu, o nosso dinheiro.
Dida Sampaio/AE
FANTASMA
O senador Mão Santa tem um diretor do Senado lotado em seu gabinete, mas ele mora no Piauí e recebe sem trabalhar
O senador Mão Santa tem um diretor do Senado lotado em seu gabinete, mas ele mora no Piauí e recebe sem trabalhar
Em uma década, o orçamento do Senado saltou de 882 milhões de reais para 2,7 bilhões neste ano, um aumento de 206%!!! É, disparado, a casa parlamentar mais cara do mundo para os brasileiros. Cada um dos 81 senadores consome 33,8 milhões de reais por ano. É cinco vezes o custo de um deputado federal. Nada menos que 2,2 bilhões de reais, ou 80% de seu orçamento anual, são gastos com pagamento de salários. No total, o Senado tem 9 677 servidores, entre ativos, aposentados e pensionistas. Há ainda os servidores terceirizados, cujo número exato o próprio Senado até hoje alega desconhecer, mas que pode passar de 2 000. Muito dinheiro, pouca luz e uma boa dose de desapego moral criam o substrato perfeito para todo tipo de malandragem. E ela tem eclodido como praga. Há casos de senador usando funcionários e a estrutura da Casa para fins pessoais e de funcionário usando apartamento de senador para abrigar parente. Casos de nepotismo, irregularidade em contratos, existência de servidores fantasmas. Histórias que deixam evidente a simbiose entre parlamentares e o corpo administrativo do Senado para o simples bem-estar de ambos. E não há santos. O senador Mão Santa, do PMDB do Piauí, tem um servidor lotado em seu gabinete, Aricelso Lopes, que exerce função de "coordenador de atividade policial" do Senado. Com direito a broche azul de "autoridade", uma relíquia que dá acesso a várias benesses, o diretor deveria cuidar da segurança dos parlamentares, entre outras coisas. Mas ele nunca foi visto nem no gabinete de Mão Santa, onde é lotado, nem na Polícia Legislativa, em que ocupa a prestigiosa função de diretor. Na semana passada, VEJA visitou a sala dos seguranças e perguntou pelo tal chefe. "Ari o quê?", indagou o primeiro funcionário. "Acho que ele está no Piauí", disse um segundo. O terceiro reconheceu: "Faz no mínimo dois anos que ele não aparece aqui", informou Rauf de Andrade, chefe de gabinete da polícia do Senado. Aricelso, ao que tudo indica, é um fantasma. O gabinete de Mão Santa disse que ele foi contratado para capturar um pistoleiro que ameaçava o senador.
Folha Imagem
O diretor caçador de bandido é um bom exemplo de como funciona a irmandade de interesses entre senadores e funcionários. Em 1995, havia no Senado sete secretarias e trinta subsecretarias, órgãos cujos titulares têm status de diretor, acumulando aos salários gratificações que variam de 3 200 a 4 800 reais. Em catorze anos, o número cresceu para 181. Para atender aos reclames financeiros dos servidores, os parlamentares autorizaram uma série de nomeações esdrúxulas, como diretores de check-in, de garagem e de clipping. A moda pegou e diretorias passaram a ser criadas para toda sorte de necessidades e interesses. Em 2001, um senador foi flagrado pela esposa em seu gabinete com uma funcionária do Senado, casada com outro servidor da Casa. Confusão pesada. Para evitar um escândalo, a mulher foi afastada do Senado. Para o marido traído foi então criada uma diretoria. Tempos depois, com os ânimos já aplacados, a própria servidora retornou ao Senado, desta vez premiada pelo "amigo" parlamentar com um cargo de diretora. Na semana passada, Heráclito Fortes, primeiro-secretário do Senado, anunciou a demissão de cinquenta dos 181 diretores. As demissões ainda não foram efetivadas. Uma das diretoras na lista da degola é Paula Canto. Ela era diretora de controle interno quando notou irregularidades em contratos de terceirização de mão de obra e compra de equipamentos. Foi afastada por ter cumprido suas tarefas. Para evitar que ela levasse adiante as denúncias, nomearam-na diretora-geral adjunta. A única condição imposta: ficar em casa sem trabalhar.
Rodrigo Paiva/AE
O personagem mais exemplar da confraria em que o Senado se transformou é Agaciel Maia, o ex-diretor-geral, demitido depois de sonegar informações sobre a propriedade de uma mansão avaliada em 5 milhões de reais. Ex-datilógrafo, Agaciel era diretor da gráfica do Senado quando se soube que os parlamentares usavam o local para imprimir material de campanha política, o que é ilegal. Na ocasião, uma das investigadas era a então deputada Roseana Sarney. Foram encontrados no Maranhão cadernos supostamente impressos em Brasília, mas as provas do crime desapareceram da gráfica. Quando assumiu a presidência do Congresso, em 1995, o senador José Sarney fez de Agaciel diretor-geral. A gestão de Agaciel provocou um inchaço assombroso na Casa. Nos últimos catorze anos, foram criadas 4 000 vagas. Dessas, pouco mais de 150 foram preenchidas por concurso público. As demais foram ocupadas por nomeações políticas. Hoje, existem quase 10 000 funcionários para atender 81 congressistas. Vale ressaltar que, embora oficiais, esses números são estimados. A máquina administrativa se fecha para os próprios senadores. Presidente do Senado entre dezembro de 2007 e fevereiro deste ano, Garibaldi Alves (PMDB-RN) jamais conseguiu que lhe entregassem a lista dos 85 cargos de confiança do gabinete da presidência. "Diziam que tinha muito fantasma aqui, mas não pude descobrir", reclama o ex-presidente. O senador poderia perguntar ao colega Wellington Salgado se fantasma existe. Um gradua-do assessor de Salgado, Weber Magalhães, recebe religiosamente seu salário, mas nunca aparece para trabalhar. Diretor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ele justifica: "Acompanho projetos para o senador". "Ele é muito feio. Melhor não aparecer por aqui", ironiza o parlamentar.
Fotos Ana Araújo e Ed Ferreira/AE
OS EXEMPLOS DA MORDOMIA
OS EXEMPLOS DA MORDOMIA
A fila de servidores para assinar o ponto e receber horas extras na Câmara (no alto); garagem exclusiva para diretores e apadrinhados dos senadores repleta de carros de luxo e sessão de fisioterapia no serviço médico do senado (à esq.): benefícios em série se espalham por todo o Legislativo.
Com a abertura da caixa-preta, os senadores demonstraram espanto. Sem razão, pois todos os aumentos salariais, nomeações e autorizações para obras são votados em plenário. "Aqui não tem culpados ou inocentes, só omissos. Não tem senador com uma semana de mandato; os mais novos já estão aqui há dois anos. Já deu para saber como as coisas funcionam", bradou Roseana Sarney (PMDB-MA) na última reunião de líderes, quando os senadores começaram a debitar a execração pública do Senado apenas na conta de Sarney. Para tentar reverter o desgaste de seu terceiro mandato na presidência, Sarney tomou duas medidas. A primeira foi criar uma comissão para analisar contratos de compra e terceirização. A outra foi assinar convênio com a Fundação Getulio Vargas (FGV), que fará um novo modelo de gestão da Casa. Em 1995, ao assumir a presidência do Senado pela primeira vez, Sarney tomou duas medidas: criou uma comissão para analisar contratos e assinou um convênio com a mesma FGV. Após um mês de trabalho, ao custo de 882 000 reais, a fundação constatou que o Senado "gasta muito mal e tem excesso de órgãos e pessoal" e propôs uma "reengenharia profunda, com redução de cargos". Como se vê, a reengenharia foi outra.
PRESIDENTE DOMINADO
Garibaldi Alves presidiu o Senado por mais de um ano e não conseguiu sequer ver a lista de funcionários lotados na sala da presidência do Senado
Garibaldi Alves presidiu o Senado por mais de um ano e não conseguiu sequer ver a lista de funcionários lotados na sala da presidência do Senado
O primeiro passo para sanar as distorções do Parlamento está sendo dado com a abertura da caixa-preta. O segundo conjunto de propostas é mais complexo e, de acordo com especialistas, envolve uma reforma profunda na estrutura administrativa. Hoje, os senadores elegem um primeiro-secretário, que fica encarregado de tocar o dia a dia da burocracia, como um síndico. Essa gerência política, como acontece em outras repartições públicas, tornou-se um foco sistêmico de fisiologismo e corrupção – afinal, trata-se de um orçamento de quase 3 bilhões de reais. O ideal é que essas tarefas burocráticas fiquem sob responsabilidade de servidores concursados, com mandato limitado a poucos anos. Uma terceira medida é promover uma lipoaspiração geral na burocracia, cortando funcionários terceirizados, extinguindo gratificações e acabando com mordomias. Sob a condição de permanecer anônimo, do alto de seus vencimentos mensais de 17 000 reais líquidos, trabalhando três dias por semana, recebendo horas extras e gratificações, um servidor do Senado explica por que acredita ter um dos melhores empregos do mundo: "O Senado é igual ao Céu. A diferença é que aqui você ainda chega vivo".
Não é o Brasil que queremos...
Infelizmente é o que temos!
Infelizmente é o que temos!
Sobre o Autor:
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |
Pessoal, recebi essa notícia por email e não foi mencionada a fonte. Mas pesquisando no Google descobri que este artigo foi publicado na Veja de 30 de março de 2009.
ResponderExcluirDesculpem as falhas na formatação, mas acho que até o Blogger se revoltou.
Não se preocupe com as falhas de formatação de seu texto, AnaKris. Isso a gente dá um jeitinho e conserta. O que não conseguimos formatar, isto porque porque ainda não inventaram um software capaz de viabilizar tal proeza, é o caráter, a decência, a moral e a vergonha da verdadeira milícia que instalou em Brasilía, a capital prostituta do Brasil!
ResponderExcluirEssa reportagem como essa, que a maioria absoluta dos miseráveis deste país não vai ler, porque não tem acesso à revista, mostra a cara do Brasil, mostra a face verdadeira do nosso parlamento, um covil de bandidos!
ResponderExcluirGrande verdade: um covil de bandidos, que ainda zombam do cidadão sério, do cidadão honesto!!!
ResponderExcluirUm dos maiores responsáveis por tudo o que está acontecendo hoje no Senado, não tenho dúvidas, é JOSÉ SARNEY, o câncer da política brasileira.
ResponderExcluirVejam a pérola que está no O GLOBO (16/05):
"Em desabafos a amigos, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA), disse estar desencantado e confidenciou, há 15 dias, o desejo de renunciar ao comando da Casa e até ao mandato de senador. Chegou a marcar data: seu aniversário de 80 anos, em 2010. Segundo interlocutores de Sarney, ele tem demonstrado com frequência arrependimento de ter disputado a presidência do Senado e dito que tem sofrido muito desgaste nos últimos meses com os escândalos sucessivos que paralisam a Casa . Nesses dois dias, na guerra entre oposição e governo para instalar a CPI da Petrobras , Sarney não presidiu as tumultuadas sessões.
O desejo de renunciar foi revelado nesta sexta-feira pelo "Estado de S.Paulo". Mas, pelo relato desses amigos, Sarney já mostra agora que quer concluir o mandato e reestruturar a instituição. Embora, reservadamente, ele não esconda o abatimento.
Nesta sexta, amigos disseram que Sarney reconhece que errou ao comandar a Casa pela terceira vez, numa disputa acirrada que deixou sequelas. Na época, Sarney foi convidado para presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL) por um grupo de imortais liderado pelo acadêmico e ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Marcos Vinicius Vilaça. Agora, avaliam amigos, Sarney cometeria erro maior se levasse adiante a renúncia. Seus interlocutores ressaltam, porém, que ele está com idade avançada para enfrentar o bombardeio desses últimos meses.
- Sarney seria consagrado como presidente da ABL. Estava tudo pronto. Por que tinha que ser pela terceira vez presidente do Senado? O comando da Academia seria o coroamento de sua vida de escritor. E, ao mesmo tempo, funcionaria como uma espécie de grande conselheiro do Senado - disse um imortal".
Na verdade, a ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - ABL não sabe do que se livrou. Aliás, o padrão da instituição já foi melhor...