19 novembro 2010

O cravo não brigou com a rosa

Plagiar por plagiar, além de aético e imoral, é crime. É iniciativa de quem não tem criatividade e competência para criar e simplesmente copia, sem lembrar autoria e origem. A prática deve ser combatida e denunciada por todos nós, blogueiros profissionais ou não. Mas pelo amor de Deus, reproduzir uma obra, pela sua qualidade e até interesse público, nomeando, claro, seu autor e fonte, é quase uma obrigação. Eu, pelo menos, penso assim.


É o que acontece em relação ao texto genial que você vai ler abaixo, assinado por Luiz Antonio Simas, mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio. Ele é considerado um dos profissionais mais importantes do Rio de Janeiro em sua área de atuação. Publicou em parceria com o caricaturista Cássio Loredano, o livro O Vidente Míope, sobre o desenhista carioca J. Carlos, indicado pela Revista de História da Biblioteca Nacional como uma das publicações mais relevantes da área no ano de 2007. Desenvolve pesquisas sobre a cultura popular carioca, mais especificamente nos campos do futebol e da música popular. Foi o responsável pela pesquisa da exposição Todas as Copas, evento realizado no Brasil e nos Estados Unidos durante a Copa do Mundo de 1994. Seu trabalho foi considerado pela FIFA como um dos mais completos levantamentos já realizados sobre a história dos mundiais de futebol. É atualmente consultor da área de carnaval do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.


O texto foi publicado no blog da Maria Helena. Quem o enviou a mim foi a AnaKris.


"Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/ o cravo ficou feliz/ e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?

É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: "Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas". A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém (não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda) foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magoo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical. O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar (...), cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto".

Genial, genial, genial...

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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13 comentários:

  1. Muitos querem ser detentores da verdade, puxando sempre a sardinha para suas conveniências.
    Abraços forte

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  2. Dei uma passadinha rápida por aqui e deixo um grande abraço a todos que por aqui passar,
    MARIVAN

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  3. É isso aí, Príncipe!

    Eu também adorei o texto, e vou repetir pra você o que disse pra Claudia (Cacau) no diHITT:

    Gostei tanto do texto "que não tive "vontade" de postá-lo no Dando Pitacos, eu me senti "obrigado".

    Eu não conhecia o autor, Luiz antonio, e pesquisando sobre ele, descobri que, apesar de conceituado mestre em história, é um sujeito comum, que gosta de samba, bebe cerveja, vai ao Maracanã e, infelizmente, torce pelo Botafogo, rsrsrs...

    A vida, assim, fica mais fácil pra todo mundo. Sabe porque? Por que se vive e se deixa viver!

    Estamos ficando enojados dos "donos da verdade", "do conhecimento", "do caminho que devemos seguir", "com quem devemos andar", "como devemos falar"! Isso é patrulha! Isso é coisa de gente alienada, e eu, pelo menos até aqui, ainda sou um cara normal!

    O cravo não pode "brigar" com a rosa? Isso é coisa de gente doente!"

    Um abração...

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  4. Carlos,
    que coisa mais doida essa!!!!
    quer dizer que tudo que aprendi na infância agora é considerado politicamente incorreto????
    kkkkk...cantei samba Lelê até cansar, atirei pau no gato, brinquei de roda com o cravo brigando com a rosa, e não virei nenhuma delinguente que mata gatos, espanca crianças ou coisas assim...

    Otimo o texto, parabéns por postar!

    bjus!

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  5. É isso, Kassya!

    Você resumiu bem: fizemos tudo isso e somos cidadãos de bem!

    Um abração...

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  6. Excelente texto, C. Roberto! Assino embaixo tudo o que foi dito! Na verdade, sinto-me aviltada por essa onda do 'politicamente correto'. Daqui a pouco, seremos impedidos de abrirmos a boca, sob o risco de sermos processados por um artigo qualquer do CPC!
    Sinceramente, amigo, no meu entender, este país só tem uma saída: Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, vulgo, Galeão!
    BEIJOSSSSSSSSS

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  7. Você é inteligente e espirituosa até na hora do protesto, Neusa!

    Realmente, daqui a pouco só vai nos restar uma saída: Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, vulgo, Galeão!

    Um grande abraço...

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  8. Olá, Roberto!

    Por mais que eu respeite a opinião alheia e tente ardorosamente entender as motivações que levaram o autor(a) a escrever tal artigo, DISCORDO visceralmente do texto.
    Perdoe-me, Roberto, sei que posso parecer profundamente pedante, mas as ideologias impulsionadas pelas cantigas de roda, ou músicas do cancioneiro popular são, para se "pegar leve", destruidoras de conceito moral.
    Sou professora e sei o que falo!
    Crianças que escutam que "Atirei o pau no gato", vão achar que bater nos felinos é coisa normal!
    Cansei de ver alunos meus rindo às tantas porque conseguiram "Atirar o pau no gato"! (Veja bem: no gato, não no cachorro!).
    "Seu cabelo não nega, mas como a cor não pega, eu quero o seu amor", ouvida desde pequeno, imagine no que surtirá nos adultos? Que a negra só serve para "aquilo"!
    Os mais antigos dizem que cansavam de ouvir coisas desse tipo: "Está namorando aquela crioula? Ah, mas a cor não pega, né?", entre risos de deboche.
    E com isso, muitas crianças cresceram bastardas, os mulatos, frutos de união entre negras com brancos, que levaram a sério essa ideologia cretina...
    Se começarmos a achar normal tudo o que o folclore consagrou, então vamos começar a acreditar que mulher que namora padre vir mula-sem-cabeça e que qualquer que coisa que suma dentro de casa, foi o Saci-Pererê quem levou...
    Temos que tentar acabar com certos conceitos antigos para quebrar o ciclo e assim formar cidadãos mais dignos e menos preconceituosos para o futuro!


    Um abraço,
    Mary:)

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  9. Minha querida Mary:

    Uma das coisas que mais defendo é a liberdade de pensamento. Por isso acho que você tem todo o direito de expressar sua opinião, da qual eu discordo, se você me permite.

    Na minha visão, só vai "atirar o pau no gato" de forma literal; achar que "a negra só serve para "aquilo” ou usar de forma pejorativa a palavra "crioula", quem não foi educado pelos pais, pela família, não pela escola, e é isso que está faltando no Brasil: colocar as coisas nos seus devidos lugares!

    Ensinar a criança a espeitar o ser humano, independentemente da cor, religião ou opção sexual, perdo-me, não é tarefa da escola, de professores, mas obrigação dos pais!

    Tenho centenas de amigos negros, a quem nunca desrespeitei por chamar de "crioulo", até porque o respeito não está na expressão usada, mas no caráter e na intenção de quem a utiliza.

    "Fui na Espanha, ganhei uma medalha, fui no Japão, ganhei um bofetão" não significa que o povo japonês seja agressivo!

    Preconceito, no meu entender, não é matéria escolar, mas parte da cartilha das famílias realmente interessadas na educação de seus filhos. Acho que a escola está se metendo onde não deve. Os conceitos de educação, respeito e moral dos meus filhos, por exemplo, não lhes foram passados por nenhuma escola ou professor. Foram aplicados dentro da minha casa, e estão firmes em seus corações até hoje. São cidadãos de bem, com formação profissional superior (à exceção do caçula, que ainda estuda) e nunca, veja bem, nunca precisaram que alguém lhes dissesse o que é respeitar um seu semelhante, seja ele preto, branco, amarelo, vermelho, evangélico, espírita, ateu ou agnóstico. Nunca maltrataram um animal, e jamais acreditaram que quem namora o padre vira mula sem cabeça ou que as coisas porventura desaparecidas dentro da nossa casa foram roubadas pelo Saci-Pererê. Isso é educação familiar e nada tem a ver com a escola ou seus professores, que eu acho, não deveriam interferir nos critérios de educação das famílias.

    Essa é a minha opinião, Mary, apesar de respeitar a sua!

    Um grande abraço...

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  10. Roberto, eu não tinha tido tempo de ler todo o texto daqui, então voltei para comentar mais tarde e caí lá..fiz o comentário em cima do seu (sem duplo sentido também) e dos da Mary e Rob, porque conhecia o assunto ( até a metade este daqui).
    É bem humorado! Gostei ! Principalmente desta coisa da idade em que estou entrando agora, na qual a gente sente dores,porque trabalhou demais a vida toda e abusou, e perde coisas( cabelo inclusive) e pessoas, e recebe uma mixa aposentadoria(e mãe e dona de casa, não recebe nada!)...bem, já comentei isto em meu blog outro dia, também acho o fim, chamarem de "melhor idade". Ó, terceira idade tá de bom tamanho.. velhice ..hummm...quase!mas, "melhor idade??" só porque a gente tem mais tempo pra ficar sozinho, ou enxerga menos e por isto não pode ver muita coisa? ou ainda porque pode ficar com alzeimer e esquecer tudo ? kkk.... ai, meu Deus, tô entrando nesta no próximo ano!Acho que então vou dar uma baita festa!
    Abraço, Vera.

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  11. O texto é ótimo, Vera!

    Além da discussão sobre os "politicamente corretos", digamos, em excesso, ele é carregado de bom humor, não é verdade?

    Um abração...

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  12. Sem querer discutir a legitimidade da questão educativa do texto - a moda de alterar palavras das canções folclóricas - me atenho apenas ao argumento do autor do texto de que a canção folclórica é de Villa Lobos. Como assim? A canção é folclórica!!!!!! E o que tem as 16 Cirandas a ver com isso, se são arranjos pianisticos ou seja, nem letra tem? Embora o argumento da autoria seja irrelevante, na minha opinião, teria sido menos pior se tivesse citado o primeiro Guia Pratico, com cento e poucas canções RECOLHIDAS pelo compositor brasileiro em questão, entre elas " o cravo brigou com a rosa".

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