Laci Marinho, chorando muito depois que a Justiça Militar lhe negou um pedido de liberdade provisória. Ele entrou e saiu da sala de audiências algemado |
Um laudo da médica neurologista Candice Alvarenga, datado de 2003, atesta que Laci Marinho sofre de epilepsia do lobo temporal, uma doença neurológica que lhe provoca diversos problemas e é “incompatível com atividades militares”. Laci era sargento do Exército, e desde que a doença foi diagnosticada, a instituição vem ignorando o parecer da médica civil, que não foi ratificado pelos médicos militares, mesmo à vista de um eletroencefalograma feito em 2009, que confirmou a avaliação técnica de Candice Alvarenga. Em razão das faltas ao trabalho ocasionadas por seu problema de saúde, Laci foi considerado desertor e preso, o que aconteceu quando ele era entrevistado por Luciana Gimenez, apresentadora do programa Super Pop, da Rede TV!.
Os soldados invadiram a emissora e efetuaram a prisão com o programa no ar. Ele foi levado para o Hospital Geral de São Paulo, onde ficou internado, apesar dos protestos do Conselho de Direitos da Pessoa Humana.
Foi a partir dos problemas neurológicos e da suposta perseguição do Exército que Laci teria desenvolvido “delírio persecutório verossímil”: exacerbava possíveis problemas que teria nas relações com militares. De início, os médicos afirmaram que ele não podia voltar para Brasília por conta de seus problemas, mas lhe deram alta no dia seguinte sob o argumento de que ele não tinha qualquer problema de saúde.
Sem outro recurso, Laci pediu para ser novamente examinado por uma junta médica, que diagnosticou apenas a existência de “tontura e instabilidade” e “cefaléia”. Segundo relato do sargento, os profissionais médicos que compunham a junta examinadora o trataram aos gritos e lhe fizeram ameaças, que ele chama de “tortura psicológica”. Levado de volta para Brasília, o sargento gay recebeu nova ordem de prisão por conta da acusação de deserção, sendo conduzido ao Hospital Geral de Brasília, onde, de acordo com o seu relato, “sofreu novas humilhações” e "ameaças".
Onde há fumaça, há fogo. Talvez por isso, no dia 11 de julho último, fato que a imprensa parece ter ignorado, uma decisão do Conselho Regional de Medicina de São Paulo - Cremesp resolveu apurar se Laci tem razão nas suas alegações, e se os diagnósticos dos médicos militares tiveram como pano de fundo o preconceito. Por isso, o órgão resolveu abrir um processo ético disciplinar contra os médicos do Hospital Geral de São Paulo que, entre os dias 4 e 5 de junho de 2008, atestaram que o sargento Laci não tinha os problemas neurológicos e psicológicos que seus exames atestavam. O processo aberto pelo Cremesp tem o número PEP 9810-254/2011.
De acordo com um parecer assinado pelos médicos Fernando Cordeiro e Carlos Alberto Montes Gabbo, “há fortes indícios” de que os médicos militares que atenderam Laci depois da prisão “praticaram infrações ao Código de Ética Médica”, o que justifica a abertura do processo ético disciplinar “face às atrocidades e truculências cometidas”. O parecer foi aprovado e homologado pelo Cremesp.
O procedimento vai apurar se os médicos infringiram os artigos 47, 48, 49, 52 e 57, do Código de Ética Médica vigente à época (isto porque o código foi modificado, e agora os artigos infringidos seriam os de números 23, 24, 25, 27 e 32).
O antigo artigo 47, por exemplo, dizia que “é vedado ao médico discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”. Entre os profissionais médicos que responderão ao processo está o diretor do hospital, o coronel médico Fernando Stolet, que será investigado também por suposta infração ao artigo 85, que proíbe o médico de “utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir seus subordinados de agirem dentro dos princípios éticos”.
Além disso, Laci obteve uma outra vitória: a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Pereira de Carvalho, não aceitou a homologação de um pedido de arquivamento de um processo aberto pelo Ministério Público para investigar se o sargento teria sofrido tortura nas vezes em que foi preso e internado.
De duas, uma: ou a Dra. Candice Alvarenga errou em seu diagnóstico, o que me parece difícil em razão do eletroencefalograma a que me referi e conclusões preliminares do próprio Cremesp, ou os médicos militares esqueceram a ética profissional e agiram à margem da lei, com o objetivo único de prejudicar Laci, expulsando-o da corporação militar, teoria que encontra suporte em dois fatos principais: Laci é homossexual assumido, e o seu companheiro, o também sargento Fernando Alcântara, em 2006, denunciou irregularidades em licitações supostamente cometidas por oficiais que na época eram seus superiores. Laci e Fernando alegam que a partir de então passaram a ser perseguidos pelo Exército. Tudo leva a crer que os dois estão sendo perseguidos por sua condição de homossexuais e/ou pelas denúncias de corrupção feitas contra oficiais superiores, o que é absurdo. Mais grave que isso são os meios supostamente empregados pelo Exército para se livrar de Laci e Fernando: arbítrio, violência, tortura e discriminação. Será que a ditadura não acabou?
Fonte: Congresso em Foco
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |