A igualdade entre brasileiros é o primeiro postulado do nosso regime democrático, e aparece no corpo (o que chamamos de caput) do artigo 5º, da Constituição Federal promulgada no dia 05 de outubro de 1988. Seu enunciado diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".
Seu inciso I estende esta igualdade a homens e mulheres, deixando claro que eles são iguais em direitos e deveres.
Todos sabemos que os homens não são, nem biológica, nem econômica, nem sociologicamente iguais, por isso o princípio da igualdade é assegurado como uma ficção jurídica, o que faz surgir a necessidade de, em sendo desiguais, a eles seja assegurada a igualdade de oportunidades, como se iguais fossem.
A regra vai ainda mais longe, garantindo não apenas a igualdade de direitos, mas também a igualdade no que se refere às obrigações, aos deveres que todo nós temos para com os outros cidadãos, pelo simples fato de vivermos em sociedade.
Se você estivesse chegando aqui agora lesse o texto constitucional pela primeira vez, não tenho dúvidas, ficaria encantado(a) com o Brasil. Pensaria imediatamente: como deve ser bom viver num país como este, onde não há distinção entre homens e mulheres, onde todos têm o direito de viver livres, com segurança, propriedade garantida e, sobretudo, com a igualdade de tratamento que todos sempre sonharam, independentemente da crença religiosa ou convicção filosófica e política.
Pena que a teoria, na prática, nos mostre um quadro bem diferente. Quer um exemplo?
Em novembro do ano passado, o presidente do Supremo Tribunal Federal - STF e do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, Cezar Peluso, determinou que fossem retiradas da internet as iniciais dos nomes de juízes que estão sob investigação por simples desvios éticos/administrativos e até crimes. O próprio Peluso, releva esclarecer, ordenou a divulgação destes dados como forma de dar mais transparência ao trabalho das corregedorias dos tribunais estaduais na apuração de processos contra magistrados.
A suspensão atendeu a um pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, que entendeu que a divulgação das iniciais dos nomes vinha causando "constrangimentos" aos investigados, que podiam ser facilmente identificados.
Cerca de um mês depois, no dia 20 de dezembro, em entrevista coletiva, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, falou sobre as investigações que revelaram as quadrilhas de advogados fraudadores que atuavam no Judiciário Fluminense. Foi um espetáculo completo, onde presentes estavam também três dos sete magistrados integrantes da comissão que apura as fraudes: os desembargadores Sérgio Lúcio de Oliveira e Cruz e Carlos Eduardo Passos e a juíza Ana Lucia Vieira do Carmo. O site do tribunal informa que igualmente fazem parte do grupo de trabalho os juízes Arthur Eduardo Magalhães Ferreira, Carlos Augusto Borges, Gustavo Quintanilha Telles de Menezes e Mauro Nicolau Junior.
O desembargador Manoel Alberto explicou que a organização das quadrilhas é muito maior do que se pensou inicialmente. De acordo com ele, “somente um advogado tinha cerca de 18 mil ações em andamento, todas falsificadas", e um "outro casal de advogados tem 7 mil processos em seus nomes". Ele acredita que os grupos mencionados "atuam há pelo menos dois anos no Rio”.
Até aí, nenhuma novidadade, até porque o fato já vinha sendo divulgado pela imprensa carioca há algum tempo. O problema veio logo a seguir.
Durante a entrevista, com toda a pompa que o momento recomendava, Manoel Alberto Rebêlo dos Santos esclareceu que os advogados tiveram a prisão preventiva decretada e divulgou suas identidades. Estão cravados no site do TJRJ os nomes dos dez advogados investigados, que eu não vou declinar pela mesma razão sustentada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, qual seja, a possibilidade de que tal divulgação venha a causar constrangimentos aos investigados. A notícia segue tecendo comentários outros que não interessam ao tema que quero abordar.
Faço questão de esclarecer, para começo de conversa que, como advogado, torço para que os meus "colegas", se considerados culpados, sejam metidos na cadeia, o mesmo destino que deveriam ter juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores e integrantes da classe política que a todo momento são destaques nas páginas policiais de todo o país.
Mas não posso concordar com a desigualdade de tratamento. Juízes e desembargadores que têm contra si procedimentos investigatórios devidamente instaurados e em curso, não podem ter as iniciais de seus nomes divulgadas, mas os advogados supostamente envolvidos nas fraudes noticiadas, que sequer foram denunciados pelo Ministério Público, têm seus nomes completos divulgados numa entrevista coletiva e estampados no portal da instituição encarregada da apuração dos ilícitos. Por que é que o vento que venta lá não venta cá?
Você lembra daquele papo bonito logo no início do texto sobre a Constituição Federal? Esqueça! Essa tal de igualdade nunca existiu, nem jamais existirá, principalmente quando em jogo os interesses de cidadãos tão desiguais em direitos e obrigações como desembargadores e magistrados e a classe dos advogados.
Aliás, em "Manda quem pode, obedece quem tem juízo", o blog já destacou:
"Quando o mortal comum responde a um processo criminal, seja ele culpado ou inocente, as páginas de consulta dos tribunais brasileiros estampam o número do processo, a vara de origem, seu nome completo (e não apenas as iniciais) e a capitulação do delito em apuração. A partir daí, nem é preciso enumerar os problemas que esse cidadão, repito, culpado ou inocente, tem que enfrentar, principalmente no momento de buscar uma ocupação laboral.
A diferença de tratamento é absurda e não se justifica, até porque proibida por preceito constitucional, que não pode ser afastado por uma simples "Lei Orgânica da Magistratura". O corporativismo da medida adotada por Cezar Peluso é flagrante. Não se pode falar em "indevido constrangimento" de quem supostamente cometeu um ato ilícito e está sob investigação, até porque se assim fosse, todos os cidadãos do país deveriam receber o mesmo tratamento, independentemente da condição social ou cargo ocupado. São atitudes como essa que levam o descrédito ao Judiciário e nos fazem aplaudir com mais força a atitude corajosa da ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, que vem assumindo posição contrária a uma série de "costumes" em vigor na justiça brasileira, como a aposentadoria compulsória, por exemplo, que é um verdadeiro premio ao magistrado que infringe a lei".
É claro que a tão sonhada "igualdade" entre os humanos jamais haverá. Ninguém é burro o suficiente para ficar imaginando essa possibilidade. Mas a Constituição Federal não é um sonho. Ela existe! Por que justamente os juízes insistem em rasgá-la? Se você tiver uma resposta, por favor, deixe um comentário!
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |