22 janeiro 2012

"Vou te contar, eu sou bandido"

Desembargador Francisco Betti
Pasárgada foi o nome dado a uma operação que a Polícia Federal deflagrou no dia 9 de abril de 2008 para prender prefeitos, advogados, lobistas e integrantes do Poder Judiciário em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal. Seu principal objetivo era desmontar um esquema de venda de sentenças liderado por um grupo de juízes federais e desembargadores que atuavam em Minas Gerais - MG, cujo trabalho era driblar o bloqueio dos repasses de dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios, parcela da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados que o governo federal vinha transferindo regularmente para prefeituras de cidades mineiras. O motivo dos bloqueios eram as altas dívidas que os executivos municipais tinham com a Previdência Social.


Com a fraude arquitetada pelo grupo, ao invés de quitar os débitos com o INSS, os prefeitos de cidades mineiras contrataram uma empresa de “consultoria” que intermediava sentenças na Justiça, todas, é claro, favoráveis ao desbloqueio dos repasses. Tudo em troca do pagamentos de propina e concessão de outras vantagens a magistrados.

Nas investigações, os policiais federais coletaram provas contra três magistrados: o juiz federal Welinton Militão dos Santos, de Belo Horizonte, e os desembargadores Francisco de Assis Betti e Ângela Maria Catão. Os dois últimos fazem parte do quadro do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, sediado em Brasília, e é o de maior abrangência territorial no país. Sua jurisdição estende-se de Minas Gerais ao Norte e Nordeste do país.


O cheque de R$ 46 mil descoberto pela Polícia Federal na conta de Welinton Militão dos Santos

Depois de serem denunciados pelo Ministério Público Federal em 2010, os três começaram a sofrer sanções. Ainda em 2010, Welinton Militão foi punido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ com a aposentadoria compulsória (aquela em que o criminoso é mandado para casa com os vencimentos garantidos pelo cidadão). No final de 2011, o desembargador Francisco de Assis Betti foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, que ainda não decidiu se ele é definitivamente culpado ou inocente das acusações que lhe são dirigidas. No caso de Ângela Catão, o STJ não aceitou a denúncia. O Tribunal entendeu que “as vantagens apontadas não teriam o potencial de corromper a magistrada, tal a sua insignificância”.

A desembargadora, que desde o início nega ter recebido propina ou presentes, concorda com a avaliação do STJ, até porque, afirma ela, dos R$ 5 mil registrados no comprovante de depósito, somente R$ 2 mil entraram em sua conta.

- Para um juiz ser malvisto, queimado, bastam R$ 2 mil? Eu fiquei chateada. Acho R$ 2 mil muito pouco. Eu sou tão ruim, tão fraca assim? Não, gente. Não pode - disse a magistrada em uma entrevista.


Comprovante do depósito feito na conta de Ângela Catão, depois que ela
desbloqueou recursos do Fundo de Participação para uma cidade de Minas Gerais

Se os tais R$ 5 mil tivessem aparecido na conta de um mortal qualquer, ele estaria na cadeia, até porque o crime de corrupção, previsto no artigo 317, do Código Penal, independentemente do valor do benefício, caracteriza-se no simples ato de "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem". A pena, que é de reclusão de 2 a 12 anos e multa, é "aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional". O Ministério Público Federal - MPF diz que vai recorrer da decisão.

Depois que o Tribunal rejeitou a denúncia contra ela, Ângela disse ter recuperado a fé na Justiça:

- Eu não esperava essa decisão. Eu fui obrigada a acreditar de novo no Judiciário. Obrigada a dizer que o sistema jurídico funcionou - desabafou aliviada.

A denúncia do Ministério Público Federal baseou-se no farto material coletado pela Polícia Federal, como comprovantes de depósitos nas contas dos magistrados, obtidos graças à quebra do sigilo bancário e escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Num dos diálogos, o desembargador Betti disse ao juiz Militão: "Vou te contar, eu sou bandido".

Se você quiser ler toda a reportagem da Época, onde estão imagens, transcrições de conversas telefônicas (inéditas até agora) e muitos outros detalhes, é só clicar aqui.

Por outro lado, de acordo com relatório encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf, integrantes do Tribunal Regional do Trabalho - TRT do Rio de Janeiro teriam movimentado quase R$ 320 milhões em operações financeiras atípicas na última década. O levantamento mostrou que um servidor, identificado como doleiro, foi responsável por operações atípicas que perfazem o total de R$ 282 milhões, todas em 2002. E o mais intrigante: segundo o presidente do Coaf, ele já teria sido investigado e preso pela polícia, mas ainda assim foi admitido como funcionário da Justiça do Trabalho. Por que processo de seleção ele passou ninguém consegue imaginar.

Mas ele não foi o único, já que outras movimentações, de cerca de R$ 38 milhões também aconteceram dentro do mesmo TRT. Legais ou ilegais?

Em razão de todos estes acontecimentos é que as associações de magistrados espalhadas pelo Brasil deflagraram uma verdadeira guerra contra o Conselho Nacional de Justiça, mais precisamente contra sua Corregedora, a ministra Eliana Calmon. Eles querem que as investigações contra os possíveis "malfeitos" praticados por juízes sejam investigados pelas corregedorias regionais, onde, é claro, o corporativismo sempre falou e vai continuar falando mais alto.

Mas não pense você que ninguém apóia Eliana. Eles são poucos, é verdade, mas existem. Recentemente empossado na presidência da Apamagis, associação que representa cerca de 3.000 magistrados paulistas, o desembargador Roque Mesquita entende que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ "está plenamente autorizado a atuar da forma como vem atuando".

- Sou da linha de que quem não deve não teme. A corregedoria do Conselho pode investigar o que considerar pertinente e, depois, os que se sentirem prejudicados têm todo o direito de tentar obstar isso - afirmou à Folha de São Paulo.

Em apoio às investigações do CNJ, cinco magistrados do Rio de Janeiro decidiram abrir o sigilo fiscal, telefônico e bancário, como informou ontem o jornal O Estado de São Paulo.

- Estão fazendo uma tempestade em cima de um negócio muito simples. Não se quebrou o sigilo de ninguém. Só pediram informações. Basta informar e acaba - diz o juiz João Batista Damasceno, com que já tive o prazer de trabalhar em Nova Iguaçu - RJ.

Além dele, apoiam a medida o juiz Marcos Peixoto e os desembargadores Siro Darlan, Rogério Oliveira e Márcia Perrini, todos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, onde estão lotados 900 juízes e 180 desembargadores.

- Isso me parece um embate entre o CNJ e as oligarquias regionais (os tribunais). Somos agentes públicos e devemos prestar esclarecimentos - avalia Damasceno.  

Como se pode ver, muitas são as perguntas a serem respondidas pelos homens responsáveis pela verdadeira caixa-preta em que se transformou o Judiciário brasileiro:  por quê impedir as investigações do Conselho Nacional de Justiça - CNJ? Qual a razão da camisa de força e da mordaça postas em Eliana Calmon? Se verdadeiramente honestos, como dizem, por quê os presidentes do Supremo Tribunal Federal - STF, do Superior Tribunal de Justiça - STJ, do Tribunal Superior do Trabalho - TST, dos Tribunais Regionais Federais - TRF's e tribunais de Primeira Instância não se unem em busca da verdade? Por quê tanto medo de Eliana Calmon? Afinal, qual é a verdadeira face dos juízes incumbidos de zelar pela interpretação e aplicação da lei na sociedade brasileira?

Eu gostaria de ver estas perguntas respondidas. E você?


Fontes: Época e O Globo



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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