Maria Vitória beija Maria Clara (foto: Evelson de Freitas/AE) |
Maria Clara Reginato Cunha, nasceu no último sábado (11/02) no Hospital São Luiz - São Paulo - SP uma importante missão: servir como doadora e curar uma doença congênita que põe em risco a vida da irmã Maria Vitória, hoje com cinco anos de idade. O procedimento médico, um transplante de células-tronco umbilicais, porém, ainda terá que esperar, no mínimo, três meses.
Maria Vitória nasceu com uma doença chamada talassemia maior, que afeta as células do sangue. Os glóbulos vermelhos que seu organismo produz são são muito frágeis e resistem muito pouco em sua corrente sanguínea, provocando anemia, o que tem sido evitado com transfusões de sangue feitas, em média, a cada vinte dias.
A cura para a doença existe e pode ser alcançada com um transplante de medula óssea, o tutano do osso, que é a parte do corpo responsável pela produção dos glóbulos vermelhos.
- Você destrói a medula óssea do receptor e coloca as células sadias do doador - explica Valderson Rocha, chefe do setor transplante de medula óssea do Hospital Sírio Libanês e médico responsável pela operação.
Maria Clara foi selecionada geneticamente para ser a doadora dessas células produtoras de sangue, mas ao menos em princípio, o transplante não será feito com células de sua medula óssea, mas com material coletado de seu cordão umbilical, que está congelado. Se as células do cordão umbilical não forem suficientes para a transfusão é que será preciso usar a medula óssea da doadora, razão pela qual o transplante não pode ser feito agora: Maria Clara ainda é muito pequenina para doar medula óssea.
A preferência, inclusive, é pelo uso das células umbilicais no transplante, como explica o doutor Valderson:
- As células do cordão umbilical dão menos reação do enxerto contra o hospedeiro. Nessa doença, as células do doador atacam as células do paciente.
Maria Clara é a doadora perfeita para Maria Vitória porque não tem a doença e é compatível com a irmã. Como a talassemia é uma doença genética e os médicos conhecem o gene responsável por ela, foi possível saber com antecedência que a caçulinha era saudável.
Mas a coisa não foi assim tão simples. Para fazer a seleção, Eduardo e Jênyce Cunha, pais das meninas, procuraram a Fertility, uma clínica de reprodução assistida, onde os médicos, como acontece em qualquer inseminação artificial, pegaram espermatozoides do pai e óvulos da mãe para a fecundação. Dos treze embriões formados, dez foram para a análise genética. Oito apresentavam os genes da talassemia e gerariam crianças doentes. Os dois embriões saudáveis foram implantados no útero de Jênyce. Um deles não funcionou. O outro gerou a gravidez de Maria Clara.
Edson Borges, médico responsável pela seleção dos embriões, disse que Maria Clara foi a primeira a ser selecionada com um transplante em vista, mas que esse tipo de processo já é feito para evitar a transmissão de doenças genéticas.
- Há entre 80 e 100 doenças que a gente consegue selecionar - afirmou.
Segundo Borges, a seleção não é praxe na reprodução assistida e só se justifica se há histórico familiar de doenças genéticas que possam ser identificadas pelos exames disponíveis.
A técnica utilizada na identificação dos genes doentes e a possível compatibilidade, segundo o geneticista Ciro Dresh Martinhago, é a biologia molecular, mas a análise da compatibilidade exige um conhecimento específico.
- A gente coleta uma única célula do embrião para fazer a análise molecular. Ao todo, verificamos onze regiões do DNA da célula, sendo dois relacionados ao gene alterado e nove relacionados à compatibilidade, que é mais complexo - explica o médico, que é diretor da RDO Diagnósticos e responsável pela análise genética.
Apesar da doença que a aflige, pode-se dizer que Maria Vitória é uma criança de sorte, primeiro porque nasceu em uma época de enormes avanços na área da genética e da medicina em geral, e depois, porque seus pais tiveram os recursos financeiros necessários ao custeio de todo a epopeia acima mostrada, o que, infelizmente, ainda não é o caso de milhares de Marias Vitórias por esse mundão afora. Mas aí são outros quinhentos réis. O que importa é a luta pela manutenção da vida, e ela está sendo vencida pelas duas Marias. O resto, apesar de algumas opiniões em contrário, é o resto...
Fonte: G1
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |