Há uma luz no fim do túnel, e apesar das críticas, a justiça ainda se faz ouvir na maior Corte do país. O Supremo Tribunal Federal - STF acaba de decidir, por 6 votos contra 5, que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ tem autonomia para investigar e punir juízes e servidores do Judiciário, o que torna sem efeito a decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que reduzia a autonomia do órgão. A discussão surgiu na ação proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil - AMB, que contestava a competência do órgão para iniciar investigações e aplicar penas administrativas antes das corregedorias dos tribunais, mas principalmente, a legalidade da resolução 135 do CNJ, que regulamenta processos contra magistrados e prevê que o conselho pode atuar independentemente da atuação das corregedorias dos tribunais.
O dispositivo da resolução, que trata exatamente da autonomia do conselho para investigar e punir (artigo 12), foi examinado isoladamente pela Corte nesta quinta-feira.
Ele dispõe que “para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça”.
Os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Cezar Peluso e Celso de Mello foram a favor da limitação dos poderes do CNJ, com base na invalidação desse artigo. Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Maria Weber e José Antonio Dias Toffoli por sua vez, votaram contra.
Os ministros que saíram vencidos no julgamento admitiram que o conselho possui competência para iniciar investigações, mas destacaram que o órgão precisa motivar a decisão de agir antes das corregedorias e que essa atuação precisa ser justificável. Para a maioria do Supremo, porém, essa exigência de motivação já limitaria a atuação do CNJ.
Marco Aurélio Mello, relator da matéria, defendeu que esse trecho da resolução seja interpretado em “conformidade com a Constituição”, de modo a fixar a “competência subsidiária” do CNJ, e contestou o parágrafo único do artigo 12, segundo o qual as normas previstas na resolução devem ser observadas pelas corregedorias, que podem se utilizar apenas das regras internas que não estejam em conflito com as normas do conselho. Para ele, os tribunais precisam ter autonomia para elaborar suas próprias normas disciplinares.
O ministro entende, ainda, que a Constituição “não autoriza o Conselho Nacional de Justiça a suprimir a independência dos tribunais”. Para ele, o objetivo final de punir magistrados, não pode justificar o descumprimento da lei.
- Como tenho enfatizado à exaustão, o fim a ser alcançado não pode justificar o meio empregado, ou seja, a punição dos magistrados que cometem desvios de conduta não pode justificar o abandono do princípio da legalidade.
Rosa Weber, em seu primeiro julgamento como ministra do STF, votou pela manutenção dos poderes do CNJ.
- A multiplicidade e discrepância a que sujeitos os juízes em sede disciplinar atentam contra o princípio da igualdade. (...) Reclama a existência de um regramento uniforme da matéria - afirmou ela, concluindo:
- Entendo que a competência do CNJ é originária e concorrente e não meramente supletiva e subsidiária.
Para o ministro Gilmar Mendes, se o Supremo Tribunal Federal - STF estabelecesse que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ só pode atuar em caso de ineficácia das corregedorias, seriam jogadas "por terra" todas as ações do conselho, e usou uma frase contundente e objetiva:
- Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se trata de investigar os próprios pares.
O presidente do STF, Cezar Peluso, que desde o início tentou esvaziar as funções da ministra Eliana Calmon, votou no sentido de permitir que o CNJ abra as investigações, mas anotou que a decisão precisaria ser motivada e teria que justificar o afastamento da competência das corregedorias.
- Eu não tenho nenhuma restrição em reconhecer que o CNJ tem competência primária para investigar, mas tampouco não tenho nenhuma restrição a uma solução que diga o seguinte: "Quando o CNJ o fizer dê a razão pela qual está prejudicando a competência do tribunal'”, disse o ministro, vencido na votação final.
O ministro Ricardo Lewandowski foi outro que decidiu pela limitação dos poderes da entidade. Ele ressalvou que não considera a competência do CNJ subsidiária, mas sim material, assim como a das corregedorias, mas disse que o órgão só pode atuar em caso de falhas nas investigações dos tribunais.
- O CNJ, embora tenha recebido essa competência complementar (...) não pode exercê-la de forma imotivada, visto que colidira com princípios e garantias que os constituintes originários instituíram não em prol apenas dos magistrados, mas de todos os brasileiros - afirmou.
Joaquim Barbosa, também de forma contundente, defendeu a autonomia do CNJ, dizendo:
- Quando as decisões do conselho passaram a expor situações escabrosas no seio do Poder Judiciário nacional vem essa insurgência súbita, essa reação corporativista contra um órgão que vem produzindo resultados importantíssimos no sentido da correição de mazelas no nosso sistema de Justiça.
O ministro Luiz Fux falou da importância do CNJ, mas também entendeu que ele só deve atuar quando as corregedorias se mostrarem ineficazes.
José Antonio Dias Toffoli também votou a favor do entendimento de que Conselho Nacional de Justiça - CNJ pode e deve atuar antes das corregedorias, sem precisar motivar sua decisão.
A ministra Carmen Lúcia entendeu que o CNJ não precisa de motivação formal para atuar de forma concorrente às corregedorias. Disse ela:
- A competência constitucionalmente estabelecida é primária e se exerce concorrentemente de forma até a respeitar a atuação das corregedorias.
Carlos Ayres Britto votou a favor da autonomia do CNJ em investigar juízes e servidores. Para ele, o "CNJ não pode ser visto como um problema". "O CNJ é uma solução, é para o bem do Judiciário".
Já para Celso de Mello, o Conselho só deve atuar se as corregedorias dos tribunais falharem.
- Se os tribunais falharem, cabe assim, então, ao conselho investigar. Não cabe ao conselho dar resposta para cada angústia tópica que mora em cada processo - afirmou o ministro.
Na mesma oportunidade, os ministros analisaram alguns dispositivos específicos da resolução 135 do CNJ, combatidos com veemência pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB. O órgão pretendia a revogação do artigo 4, que trata do sigilo na imposição das sanções de advertência e censura aos magistrados, e do artigo 20, que estabelece que os julgamentos de processos administrativos disciplinares contra juízes será público. Para a associação, a divulgação das sessões é contrária ao interesse público, porque desacredita o Poder Judiciário. O Plenário do Supremo rejeitou os dois pedidos.
A decisão é histórica e tem dois grandes vencedores: a ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, até aqui submetida a uma saraivada de ataques e críticas de magistrados de todo o Brasil, e a própria sociedade brasileira, que a partir de agora poderá ver, de forma mais transparente, os passos dados pelo aparelho judiciário, até então uma caixa-preta fechada a sete chaves. O que resta saber, e nisso teremos papel importante, é se o novo Corregedor (Eliana Calmon deve deixar o CNJ em setembro deste ano) vai dar continuidade ao trabalho que ela defendeu com tanta dignidade e coragem. É esperar pra ver, vigiando, sempre...
Fonte: G1
Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral. |