07 junho 2010

Vinte e um anos à espera de um julgamento


Já fizemos, em oportunidades distintas, várias críticas ao Judiciário, o que pode ser visto nas postagens intituladas "ILEGAL, IMORAL? E DAÍ?", "A LEI NÃO SOCORRE OS QUE DORMEM", "TRIBUNAL COMPRA 25 CARROS DE LUXO", "JUSTIÇA: ALÉM DE CEGA, PREGUIÇOSA!" e "É HORA DE INNOVARE". Uma das críticas é a lentidão com que ele atua na entrega da prestação jurisdicional ao cidadão, o que é uma constante, principalmente nas comarcas do interior do país.

Hoje, infelizmente, voltamos ao tema, agora para levar aos amigos leitores a história de Nathália Just, que esperou 21 anos, isso mesmo, 21 anos, pelo julgamento do pai, José Ramos Lopes Neto, que matou sua mãe, Maristela Just, no dia 4 de abril de 1989.

A reportagem, que você vai ler na íntegra logo aí abaixo, é assinada por Nelito Fernandes, da revista ÉPOCA (nº 629 - 7 junho 2010). Parece absurdo, mas é verdadeiro!


EM NOME DA MÃE
Nathália hoje, com uma foto da mãe,
assassinada há 21 anos. Ela faz um alerta
contra a lentidão da Justiça 
"A publicitária Nathália Just tem uma memória muito clara da noite de 4 de abril de 1989, quando tinha 4 anos. Foi o dia em que seu pai matou sua mãe, Maristela, e atirou em mais três pessoas: Nathália, o irmão e um tio. O casal estava separado havia dois anos. José Ramos pedia a Maristela para voltar. Naquela noite, ela vestiu a filha, que chamava de Naninha, com uma camisola azul decorada com um patinho amarelo. O pai entrou no quarto com uma arma na mão. O casal discutiu, e ele abriu fogo. Naninha levou um tiro no ombro e não sentiu dor. Só viu seu sangue manchar o patinho da camisola. A única preocupação era que sua roupa preferida estava “estragada”. Rica em detalhes, a memória não tem som. São apenas imagens sem áudio. Um silêncio que durou 21 anos. Só agora, com o julgamento do pai, Nathália conseguiu falar sobre o que viu e como viveu de lá para cá. 

“Pode perguntar o que quiser”, diz ela. “Fiquei muitos anos calada. Eu quero virar as páginas desse livro e vou até o final. Estou tirando um peso de 21 anos das minhas costas, e a hora é esta.” Na terça-feira, Nathália soubera a sentença do pai: 79 anos por homicídio e tentativa de homicídio, agravada por motivo fútil e por não dar chance de defesa à vítima. Ele conseguiu responder ao processo em liberdade – e fugiu antes da sentença. Nathália acha que a Justiça foi feita e diz que não tem a necessidade de ver o pai atrás das grades. “Claro que eu quero que ele seja preso, mas para mim o importante era o julgamento. Era saber que a sociedade decidiu que ele não pode mais viver como todo mundo. Ele fugiu e só fez o que ele sempre fez a vida inteira: foi covarde. Não teve coragem de ir ao julgamento e responder. Ele só teve coragem para matar minha mãe.”

Ela e o irmão foram criados pelos avós maternos. O tio morreu em 1999, vítima de complicações provocadas pela aids. “Nunca chamei meus avós de pai nem de mãe. Para mim, pai e mãe acabaram no dia 4 de abril de 1989. Ele morreu ali junto com ela e me tirou o direito de chamar alguém de mãe.” Os avós diziam que Maristela tinha virado uma estrela e apontavam para Vênus. O pai foi rasgado das fotos dos álbuns de família ou riscado a ponto de ficar irreconhecível. “Se eu encontrar com ele na rua, não saberei quem é.”

“Ele não teve coragem de ir ao julgamento. Só de matar minha mãe” NATHÁLIA JUST, sobre o pai.

Durante a infância, Nathália tentava esconder o crime das coleguinhas da escola. Dizia, apenas, que os dois pais tinham morrido. Ora num acidente, ora num assalto, ora de uma doença incurável ou o que viesse à cabeça na hora da pergunta. A diretora do colégio sabia a verdade e algumas amigas mais chegadas também. Nathália achava que seu segredo estava guardado, mas, durante uma briga na escola, uma amiguinha ofendida gritou: “Pelo menos meu pai não matou minha mãe”. Em casa, à noite, ela gritava, tremia, chamava a mãe e dizia coisas desconexas. Havia um temor de que Naninha estivesse ficando louca. Fez terapia até os 16 anos.

Além do trauma, Nathália tem sequelas físicas daquela noite. Sua mão direita é um pouco menor que a esquerda. O braço direito, que ficou paralisado por seis meses, não tem muita força. Ela passou por três cirurgias, enfrentou um aneurisma e tem uma safena na perna direita, de onde foi retirada a artéria implantada no braço ferido. Levou choques para estimular o nervo atingido. Depois de muita fisioterapia, recuperou os movimentos. O irmão, Zaldo Just, que levou um tiro na cabeça, perdeu toda a memória da época. Os médicos disseram que ele jamais voltaria a andar, mas hoje ele corre e até joga futebol. Sua perna esquerda é mais curta e ele mal consegue segurar objetos com a mão esquerda. Hoje Nathália tem 25 anos, a idade com que sua mãe morreu. Nos sonhos de Nathália com a mãe, as duas saem para piqueniques em gramados verdes e Maristela sorri para a filha. Às vezes, usa uma fantasia de anjo que a mãe fez para o último Natal que passaram juntas.

Formada em publicidade, Nathália estuda para concurso público. Em 2007, quando se casou, mudou de nome, excluindo a referência à família do pai. Ela decidiu tornar o caso público como um alerta quanto à Justiça brasileira. O pai trocou de advogado cinco vezes e foram protocoladas 36 precatórias para ouvir testemunhas. Entrou com recursos no Tribunal de Justiça do Estado, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Ainda cabe recurso, mas a sentença diz que ele só poderá recorrer se estiver preso. “Ele tem direito a todos os recursos que não nos deu. Ele julgou e condenou todos à morte e agora, para ele, quer toda a defesa”, diz. Agora, Nathália quer levar o caso à Organização dos Estados Americanos para mostrar como nossa Justiça é lenta".

Não custa lembrar, uma vez mais, a frase famosa de RUI BARBOSA"Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".

Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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3 comentários:

  1. Olá!

    Isso é o exemplo mais triste e real da lentidão de nossa justiça. Com protelações e mais uma série de outros artifícios para adiamentos, pode-se passar décadas sem que ocorra o julgamento de um crime tão grave como um crime de morte. Isso não pode acontecer.

    Abraços

    Francisco Castro

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  2. Vi essa reportagem na televisão e fiquei atordoada com o fato. Isso é vergonhoso para o nosso país.
    Beijos,

    Mari

    http://marimartinsatemporal.blogspot.com

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